18/03/2011

Reflexões e medidas para o País


Ontem, estive à conversa com um grande amigo. Aconteceu que esse amigo foi a uma entrevista de emprego, numa conhecida empresa de trabalho temporário. O diálogo com a entrevistadora foi, no mínimo, surreal e inacreditável. A primeira pergunta que lhe foi feita, cito: “O que é que os seus pais fazem?” De facto, esta pergunta é muito importante para o cargo ainda desconhecido pelo entrevistado. A segunda pergunta, não menos importante, foi e cito: “Vive sozinho?”. Com esta fico a pensar se a entrevistadora não estava a fazer “olhinhos” ao meu estimado amigo. As perguntas seguintes e para não me alongar aqui demasiado, tiveram a ver com a ocupação da namorada com quem vivia, se era estrangeira ou portuguesa, etc. Ou seja, tudo perguntas pertinentes para o cargo. Quando o entrevistado questionou a entrevistadora sobre a função à qual se tinha candidatado, esta não quis falar muito sobre assunto, embora tenha perguntado ao entrevistado quanto gostaria de ganhar de salário. Apenas se soube que o cargo era de supervisão. Supervisão de quê? Batatas? Entrevistadores parvos? Resultado? Não foi seleccionado! Estavam à espera de quê? Uma entidade que se esconde merece um bom profissional?
Garanto que este episódio é real, e fico triste quando algo deste género acontece no meu país. São acontecimentos como este que espelham a precariedade de quem trabalha para ganhar a vida e a falência intelectual dos responsáveis pelos recursos humanos de algumas empresas. Imagino que tal seja apenas a ponta do iceberg, uma vez que já sofri na pele alguns dissabores. Lembro-me, por exemplo, no decurso de uma entrevista e tendo chegado à conclusão de que o estágio ao qual me candidatei não era remunerado e tinha de pagar para trabalhar; perdido por um perdido por mil; questionei a entrevistadora se o facto de ter uns anos a mais não era problema, ao que me respondeu que, na empresa que representava, ninguém era discriminado pela idade. Até aqui tudo bem, e fiquei feliz por pensar que, pelo menos esta empresa, é um exemplo e não discrimina ninguém pela idade. Ao responder desta forma, a entrevistadora pôs o pé na poça. É que para a abrir a entrevista, a questão mais importante que ela se lembrou de me colocar foi a data de nascimento. A idade não é importante? Então porquê sabê-la?
Este é o meu exemplo que partilho convosco. É triste, repito, que tal aconteça. Este facto tem explicação se pensarmos que esta geração, rasca como alguns dizem, é a mais precária no que respeita às condições contratuais e tem especial importância o desequilíbrio entre a procura e a oferta de trabalho. Tal só é possível quando as empresas recebem centenas de candidaturas a um cargo e se dão ao luxo de seleccionar usando critérios desconhecidos e duvidosos. É que as pessoas para essas empresas não passam de números. O mercado para as empresas de trabalho temporário nunca foi tão bom em Portugal como agora. Estas empresas aproveitam o facto de haver tantas pessoas desempregadas à procura de trabalho para lhes impor um salário ridículo e condições de trabalho ainda mais ridículas, podendo recorrer a um infinito número de candidatos para uma qualquer função.
Para travar isto são precisas medidas para a criação de emprego. Pode parecer estranho, mas as medidas que me parecem mais sensatas na criação de emprego não têm que ver com questões contratuais em exclusivo. Também há que ver o lado das empresas. O país não precisa de medidas, precisa das medidas.

( continua)


Rogério Martins