Por amável convite da organização conjunta do jornal "Diário Económico" com a Associação da Indústria Farmacêutica, participei, no dia 19 de Janeiro de 2011, na VII Conferência duma série anual que vêm realizando. O tema desta era "Os desafios da inovação nos sistemas de saúde". Constou de quatro conferências por distintos cientistas, dois portugueses, a Prof.ª Carmo Fonseca e o Prof. Carlos Caldas (da Universidade de Cambridge, em Inglaterra) e dois estrangeiros. Os dois portugueses eram do sector médico e os dois estrangeiros do sector económico.
Ao ouvir esses ilustres oradores não pude deixar de, mais uma vez, considerar o paralelismo entre a medicina e a agricultura, algo de que já tenho citado alguns casos. A Prof.ª Carmo Fonseca mencionou um caso relativamente recente, vindo da China e com origem na sua antiga medicina, da descoberta duma substância, a artemisinina, extraída da planta Artemisia annua, com importante uso no combate à malária.
Com o objectivo de melhorar a produção da artemisinina e baixar os custos desse composto químico, actualmente muito altos, estão a considerar três vias. Uma será o melhoramento genético da planta Artemisia annua. Outra será a síntese do ácido artemisínico, um precursor da artemisinina, por um microorganismo, introduzindo neste o gene respectivo, ou seja, vir a obter uma artemisinina transgénica, como já hoje é corrente com a insulina. Uma terceira via será conseguir a síntese desses compostos.
Para o progresso, isto é, para criar algo novo e melhor para o homem, é à ciência, à investigação científica, neste caso essencialmente à investigação agronómica e à investigação química, que se vai buscar o conhecimento necessário à inovação, complementada, depois, pela investigação médica, para aplicação ao homem, nesse importante combate à malária, uma doença que, em algumas zonas do mundo causa enormíssimos prejuízos. Os dois economistas trataram em profundidade o problema dos custos da investigação médica e os benefícios, em quantitativos monetários, resultantes da sua aplicação.
Não pude deixar de fazer o paralelismo entre o tema da Conferência e o que se passa na agricultura. A relação entre os custos da investigação agronómica e os benefícios, traduzidos em valores económicos, que ela produz equivalem a "juros" tão fabulosos que os nossos economistas não julgam possíveis, mas são reais. Por esse facto, a destruição da investigação portuguesa, agronómica e não só, operada nestes últimos anos, porque algumas pessoas de vistas muito curtas não querem que haja investigação científica fora das universidades, pode ser considerada crime de lesa cultura e de lesa economia.
Em 1936 foi criada a Estação Agronómica Nacional (EAN), por um Ministro da Agricultura que creio ter sido o último que fez algo de significativo em relação ao progresso da agricultura portuguesa. Foi a primeira instituição de investigação científica de boas dimensões e em moldes modernos criada em Portugal onde, fora das universidades, apenas havia pequenas instituições de investigação, algumas resultantes de legados privados. Em 1942 e, essencialmente, proveniente da Estação Agronómica, foi criada em Elvas a Estação de Melhoramento de Plantas (EMP), especializada na produção de novas e melhores variedades de plantas, nomeadamente cereais e forragens. Para além da investigação directamente aplicada na agricultura, qualquer destas instituições produziu ciência básica, fundamental para aquela que é designada de aplicada. (Eu considero mais correcto dizer, como creio que declarou Pasteur, que "não há ciência básica e ciência aplicada mas simplesmente ciência e aplicações da ciência").
Em 1946 foi criado o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), decalcado da EAN e beneficiando de nascer como Direcção Geral (e, portanto, com uma autonomia que a EAN nunca teve) e dos Ministros das Obras Públicas, de que dependia, lhe darem grande apoio, o que não sucedeu à EAN e à EMP da parte dos Ministros, Secretários de Estado e Director Geral de que dependia, o que não lhes permitiu ser ainda mais produtivas. Mesmo assim, o que estas três instituições deram ao país foram valores económicos muitas vezes superiores ao dinheiro nelas investido.
A destruição destas instituições - e de outras que se lhes seguiram - causadas nos últimos anos, como atrás referi, pois são hoje uma pequena sombra do que foram, impediram que continuassem a produzir os anteriores benefícios económicos, negando ao país o muito que lhe teriam dado. Está nessa destruição uma das mais importantes causas do défice orçamental e da escandalosa dívida pública. Quando (ou se...) Portugal tiver um governo eficiente, uma das suas primeiras tarefas será inverter este processo e reconstruir e ampliar o que nestes últimos anos tem sido destruído.
Miguel Mota
Ao ouvir esses ilustres oradores não pude deixar de, mais uma vez, considerar o paralelismo entre a medicina e a agricultura, algo de que já tenho citado alguns casos. A Prof.ª Carmo Fonseca mencionou um caso relativamente recente, vindo da China e com origem na sua antiga medicina, da descoberta duma substância, a artemisinina, extraída da planta Artemisia annua, com importante uso no combate à malária.
Com o objectivo de melhorar a produção da artemisinina e baixar os custos desse composto químico, actualmente muito altos, estão a considerar três vias. Uma será o melhoramento genético da planta Artemisia annua. Outra será a síntese do ácido artemisínico, um precursor da artemisinina, por um microorganismo, introduzindo neste o gene respectivo, ou seja, vir a obter uma artemisinina transgénica, como já hoje é corrente com a insulina. Uma terceira via será conseguir a síntese desses compostos.
Para o progresso, isto é, para criar algo novo e melhor para o homem, é à ciência, à investigação científica, neste caso essencialmente à investigação agronómica e à investigação química, que se vai buscar o conhecimento necessário à inovação, complementada, depois, pela investigação médica, para aplicação ao homem, nesse importante combate à malária, uma doença que, em algumas zonas do mundo causa enormíssimos prejuízos. Os dois economistas trataram em profundidade o problema dos custos da investigação médica e os benefícios, em quantitativos monetários, resultantes da sua aplicação.
Não pude deixar de fazer o paralelismo entre o tema da Conferência e o que se passa na agricultura. A relação entre os custos da investigação agronómica e os benefícios, traduzidos em valores económicos, que ela produz equivalem a "juros" tão fabulosos que os nossos economistas não julgam possíveis, mas são reais. Por esse facto, a destruição da investigação portuguesa, agronómica e não só, operada nestes últimos anos, porque algumas pessoas de vistas muito curtas não querem que haja investigação científica fora das universidades, pode ser considerada crime de lesa cultura e de lesa economia.
Em 1936 foi criada a Estação Agronómica Nacional (EAN), por um Ministro da Agricultura que creio ter sido o último que fez algo de significativo em relação ao progresso da agricultura portuguesa. Foi a primeira instituição de investigação científica de boas dimensões e em moldes modernos criada em Portugal onde, fora das universidades, apenas havia pequenas instituições de investigação, algumas resultantes de legados privados. Em 1942 e, essencialmente, proveniente da Estação Agronómica, foi criada em Elvas a Estação de Melhoramento de Plantas (EMP), especializada na produção de novas e melhores variedades de plantas, nomeadamente cereais e forragens. Para além da investigação directamente aplicada na agricultura, qualquer destas instituições produziu ciência básica, fundamental para aquela que é designada de aplicada. (Eu considero mais correcto dizer, como creio que declarou Pasteur, que "não há ciência básica e ciência aplicada mas simplesmente ciência e aplicações da ciência").
Em 1946 foi criado o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), decalcado da EAN e beneficiando de nascer como Direcção Geral (e, portanto, com uma autonomia que a EAN nunca teve) e dos Ministros das Obras Públicas, de que dependia, lhe darem grande apoio, o que não sucedeu à EAN e à EMP da parte dos Ministros, Secretários de Estado e Director Geral de que dependia, o que não lhes permitiu ser ainda mais produtivas. Mesmo assim, o que estas três instituições deram ao país foram valores económicos muitas vezes superiores ao dinheiro nelas investido.
A destruição destas instituições - e de outras que se lhes seguiram - causadas nos últimos anos, como atrás referi, pois são hoje uma pequena sombra do que foram, impediram que continuassem a produzir os anteriores benefícios económicos, negando ao país o muito que lhe teriam dado. Está nessa destruição uma das mais importantes causas do défice orçamental e da escandalosa dívida pública. Quando (ou se...) Portugal tiver um governo eficiente, uma das suas primeiras tarefas será inverter este processo e reconstruir e ampliar o que nestes últimos anos tem sido destruído.
Miguel Mota