13/05/2008

OPINIÃO



UMA NOVA FORMA DE CANCRO
QUE NÃO É ASSIM TÃO NOVA
MAS MATA E ALEIJA QUE SE FARTA…

Pedro Laranjeira


Não está nos livros de medicina, mas está na lista telefónica e até na internet, claro…
É um cancro com muitas metástases, demasiadas células doentes para que os medicamentos tenham eficácia.
O médico e a prescrição até existem. Há pouco mais de dois anos, foi encontrada e prometida uma cura para a enfermidade. Infelizmente, não está a resultar.
No caso, o médico chama-se José Sócrates e descobriu o remédio que todos conheciam mas ninguém tinha pensado usar. Anunciou-o, prometeu-o… e tudo indica que o fez com boas intenções e o intuito de que a prescrição melhorasse a saúde do país.
Nisso, acredito. Não estou com isto a dizer bem nem mal de Sócrates, estou apenas a citar um caso, pontual e específico - eu que já por diversas vezes lhe apontei um dedo crítico relativamente a decisões e práticas políticas, não hesito em louvá-lo pela de desburocratizar o país.
Bem ou mal, a "Empresa na Hora" é um de vários exemplos que, mesmo com falhas, são passos em frente.
O actual executivo cortou já com a extrema complicação de muitos processos que tornavam difícil fazer coisas simples…
…mas o médico não consegue estar à cabeceira de todos os doentes e tenho a certeza que na maior parte dos casos nunca chega a saber das injecções mal dadas…
Portanto, a doença encontra aliados e continua a ceifar vidas.
Esta, de que Portugal sofre há muitos anos, é grave. Como disse, não está nos manuais de medicina, não é nova e teria cura fácil se não estivesse tão metastaseada.
Chama-se RNPC, Registo Nacional de Pessoas Colectivas e é um organismo público.
Até já funciona através da internet. Os mais incautos pensariam que se modernizou e usa as novas tecnologias para melhor servir o país, mas não, é apenas a evolução de quem tendo usado paus, facas e canhangulos, deita agora a mão a armas mais modernas para continuar a fazer o que sempre fez: castrar, mutilar e, principalmente, matar à nascença.
Trata-se da instituição que atribui números de contribuinte a empresas que ainda não existem e querem passar a existir. O processo é simples: preenche-se um impresso, o que até já pode ser feito online, onde se pede um nome e mais duas variantes alternativas, se identifica o requerente, declara o tipo de negócio previsto e o local de nascimento da sede futura.
A análise para aceitação ou recusa do nome pretendido é feita com base num princípio denominado "confundibilidade". É aí que começa o problema.
O RNPC confunde sis-te-má-ti-ca-mente o que não é confundível e inviabiliza à nascença incontáveis projectos, num país onde se diz desejável que o empresariado cresça, que a iniciativa privada aumente e que as pessoas criem, sempre que o consigam, os seus próprios postos de trabalho, para si e para outros.
Mais letra menos letra, quase tudo é confundível com alguma coisa, se a coisa for vista com essa intenção, o que parece ser o caso… e apesar de vivermos num país tão pequeno como o nosso, qualquer dia não há mais nomes que sejam absolutamente diferentes de outros…
Para quem pôs em prática o conceito de "empresa na hora" e "marca na hora", atrevo-me a acreditar que o chefe do governo não sabe do que se passa, atrevo-me a achar que soubesse o impediria, até porque o seu registo político beneficiaria com melhores estatísticas de crescimento empresarial e diminuição do desemprego. Por outro lado, a economia e o país desenvolver-se-iam.
O que me causa maior estranheza, porém, é que uma simples consulta à base de dados do RNPC, que é pública e está na internet (basta digitar "RNPC" no Google) mostra centenas - centenas - de nomes de empresas que são tão idênticas (algumas uma letra ou um acento abaixo de iguais e pertencentes a entidades diferentes) que se fica de boca aberta!... Pergunto a mim mesmo como é que os respectivos proprietários conseguiram o que outros não conseguem…
E por falar em não conseguir, vejamos como as coisas se passam quando o requerimento vem chumbado: primeiro pagaram-se 72,15 euros pelo privilégio de uma pessoa que ganha um ordenado pago pelos nossos impostos nos cortar as pernas com base em critérios subjectivos que se têm mostrado altamente duvidosos, mas depois o RNPC oferece uma espécie de justiça que envergonharia qualquer tribunal: o requerente pode reclamar, pode sim senhor. Para tanto, basta pagar mais 150 euros "que serão devolvidos se dessa vez lhe for dada razão"… e a queixa baixa à mesma repartição - sei lá se à mesma pessoa - que sentenciou a decisão inicial…
Dá para acreditar?...
Com o modus operandi e as noções de "confundibilidade" do RNPC, muita, muita gente, não consegue chegar a nascer, mesmo quando faz um esforço por isso, a menos que à partida peça logo um nome do tipo "Um Dois Três de Oliveira Quatro Lda" ou "Hermengarda Prudência Salsaparrilha Abrenúncio Lda"…
Que os deuses nos valham… ou alguém leia este texto a José Sócrates…



jornalista e frequente no blogue