Portugal viciado em escutas
Garcia Pereira criticou na última segunda-feira à noite, em Gaia, as políticas governativas dos últimos anos em matéria de trabalho. Para a além das questões laborais e respondendo ao repto do Clube dos Pensadores não poupou ainda o estado actual da Justiça em Portugal.
Luísa Mateus/Pedro Tavares (foto)
«Justiça no Trabalho» foi o mote lançado pelo Clube dos Pensadores – círculo de reflexão fundado pelo biólogo Joaquim Jorge – ao convidado especial na sessão da última segunda-feira à noite, em Gaia. Garcia Pereira «disparou» para todos os lados, nunca esquecendo os temas em apreciação ao tecer duras críticas às opções do actual e antecessores governos. Para o advogado e candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, o problema do desemprego assenta num modelo económico adoptado que “conduziu ao desastre”. “O Código do Trabalho em Portugal é o mais rígido da União Europeia, três anos e meio depois de ter entrado em vigor, ninguém quer fazer um balanço e no País continua a crescer o desemprego”, afirmou o antigo candidato à Presidência da República [em 2001 e em 2006]. A razão prende-se com o “modelo de desenvolvimento estratégico económico que vigora” e que “está esgotado e ultrapassado ao basear-se em trabalho pouco qualificado, baratinho e com poucos direitos”.
Insistiu que esta opção dos sucessivos governos, conduziram “ao desastre em particular nos sectores dos têxteis e calçado, pois não nos permite competir, nem com a vizinha Espanha, nem essencialmente com as economias com grandes stocks de reserva da China e outras”. O “abaixamento salarial” em Portugal “não é suficiente” também para competir com os dez novos Estados-membros da União Europeia cujos “custos com os salários são menores e os trabalhadores são mais qualificados”, acrescentou. Nesse sentido, considerou que a situação no País está “à beira do abismo”.Mas, Garcia Pereira considera que em termos gerais “nós temos é economia a menos” e não «doutores» a mais. “Portugal tem duas vezes e meio menos de licenciados do que a média europeia e a verdade é que temos um País que não tem agricultura, não tem indústria e que tem apenas certas franjas dos serviços mesmo assim perfeitamente periféricas no quadro da União Europeia”, frisou.
O caminho, advogou, “tem de passar por um plano de desenvolvimento estratégico que passe pela recriação do sector secundário da economia e nós temos capacidade para ter uma indústria média e ligeira de grande qualidade e capacidade competitiva, agora precisávamos de facto de nos termos apetrechado e nos termos modernizado na altura devida”. Ainda assim, perspectivou: “Agora é mais difícil mas não é impossível”.
Ao abordar a área da Justiça, endureceu o discurso. “A justiça bateu no fundo”, sublinhou, para especificar que “não estamos conforme dizem perante uma crise da Justiça mas perante um País todo ele em crise”.
O jurista denunciou estar em curso um processo de destruição dos direitos e garantias, mencionando a nomeação de um secretário-geral para o recém-criado Sistema Integrado de Segurança Interno (SISI), que ficará sob a dependência exclusiva do primeiro-ministro. “Nem Salazar se teria lembrado de criar uma coisa destas”, ironizou. Também acerca do cartão único do cidadão, Garcia Pereira salientou os “riscos que estão por trás de um sistema destes”, nomeadamente “da possibilidade de concentração de dados de uma só pessoa”. Considerando que o Processo Penal é uma “arma de arremesso” para “eliminar figuras políticas”, criticou o abuso das escutas e a forma como é conduzida a investigação criminal pelo Ministério Público. “Portugal é o país em que mais se escuta na Europa. Estamos viciados”, disse. Para exemplificar referiu “a tentativa de assassinato cívico de figuras como o antigo director da PJ Fernando Negrão e de linchamento público de Ferro Rodrigues no âmbito do processo Casa Pia”.Fiel ao principio da presunção da inocência, manifestou por fim a sua preocupação pelo o não acesso dos mais carenciados ao apoio judiciário.
Público. “O Ministério Público tem hoje poderes incomensuráveis, incontrolados e incontroláveis no Processo Penal e não os pode ter. Hoje o grande obstáculo a uma qualquer reforma do Processo Penal é uma questão de poder. Isto é os interesses que têm o poder nas mãos neste momento não querem largar mão dele a bem. Assim que se fala em qualquer reforma que ponha em causa este estado de coisas começa imediatamente a gritaria de que se quer questionar a autonomia do Ministério Público, que se quer governamentalizar o Ministério Público”.
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Segredo de justiça
As fugas...
Questionado sobre se os processos de condenação pública que referiu estariam relacionados com a violação do segredo de justiça, Garcia Pereira disse: “A esmagadora maioria das violações do segredo de justiça servem os interesses da acusação, não servem os interesses da defesa”.Essa situação, acrescentou, “permite apresentar antecipadamente perante a opinião pública alguém como sendo culpado relativamente ao qual a investigação já acumulou inúmeros indícios, condenando-o por uma via que é manifestamente inaceitável”. Nesse contexto, afirmou não acreditar, “e a estatística aí está para demonstrar, que as fugas ou violações ao segredo de justiça sejam de uma forma geral para permitir aos arguidos fugir, bem antes pelo contrário”.