07/03/2007

«Quando falam de quem governou pior, falam de mim»


O convite era para falar sobre «A memória e a política» e foi isso que Santana Lopes fez esta segunda-feira no Porto, no debate que assinala um ano do Clube dos Pensadores.

Começando por dizer que ter aceite este convite não tem nada a ver com os «factos da política recente, como dizem alguns comentadores», acabou por falar sobretudo da sua memória enquanto protagonista político, e deu alguns exemplos práticos.

Numa sala de um hotel de Gaia, que acabou por ser pequena para tanta gente, Santana começou por dizer que «às vezes a memória pode induzir-nos em erro». «Quando temos só boas memórias de uma pessoa estamos menos atentos a atitudes imprevistas», afirmou e deu como exemplo desta situação a relação que teve com Jorge Sampaio.

«Quando fui Secretário de Estado da Cultura, era ele presidente da Câmara de Lisboa, sempre tivemos um relacionamento impecável», por isso, «fiquei surpreendido quando tomou uma atitude de ruptura política», decidindo a dissolução da Assembleia da República. «Não estava à espera», afirmou Santana.

«O melhor é quem governou mais tempo»
Recorrendo à memória, Santana Lopes recordou quem governou Portugal nestes 30 anos de democracia, para ver «que lições podemos tomar».

«Todos reconhecem que Cavaco Silva, que liderou um Governo durante dez anos, foi um bom Primeiro-Ministro. António Guterres, já levantou algumas polémicas. Quando se fala de quem governou pior, normalmente falam na minha pessoa», afirmou.
«Há uma relação entre quem governou muito tempo e quem dizem que governou melhor», afirmou Santana, que disse ainda que «a memória em política é fugaz e o tempo tende a apagar o que de mal se passou».

Contudo, ainda não se sente «à vontade» para voltar à vida política activa. «Em situações difíceis, em que muita gente diz que erramos, temos que dar tempo», afirmou Santana Lopes, que admitiu que «ainda hoje, quando entro na Assembleia da República, ou num sítio com muita gente, sinto que não quero voltar».

«Não sei se ganharia as eleições»
Afirmando que não foi «Primeiro-Ministro da maneira certa» e que teria preferido eleições, mas não podia pedi-las devido a um compromisso que assumiu com Durão Barroso, Santana disse ainda que, não sabe «se ganharia as eleições» se se realizassem aquando da saída do actual presidente da Comissão Europeia. «Tínhamos tido um resultado mau nas eleições europeias», recordou.

O ex-Primeiro-Ministro afirmou que «se assumisse hoje o Governo nas mesmas circunstâncias evitaria algumas das armadilhas, seria mais inteligente». E uma das lições que aprendeu foi que «nunca se aceita um poder que não é próprio», referindo-se à sua nomeação sem ser eleito.

«Há coisas que devemos perdoar, mas não esquecer»
Depois de várias referências a Marcelo Rebelo de Sousa, com quem diz que «a relação nunca mais foi a mesma», desde que teve de o demitir da Capital Europeia da Cultura, a Marques Mendes e Cavaco Silva, Santana Lopes afirmou que «há coisas que devemos perdoar, mas não esquecer».

Um dos episódios que o ex-Primeiro-Ministro recordou foi do dia em que perdeu as eleições legislativas. «Sem me avisar, Marques Mendes veio para a televisão dizer: isto tem que mudar. Prometo que se um dia tiver que fazer o mesmo com ele, o aviso primeiro».

Na plateia, a assistir ao debate, estava um amigo de sempre: Rui Gomes da Silva. Mas Santana recusou falar de outro amigo, Carmona Rodrigues, que acabou por substitui-lo à frente da autarquia lisboeta. Ainda que por alto acabou por abordar as investigações na Câmara de Lisboa e recordou que «em cada legislatura há um grande processo dessa natureza».

Um voto para a Presidência
Santana encontrou no Porto o primeiro voto, caso decida candidatar-se à Presidência da República, mas, a tão fervoroso apoiante, respondeu apenas que, ao contrário de Marcelo, não consegue «fazer cenários a nove anos». «Marcelo Rebelo de Sousa é que já sabe o que vai acontecer em 2018», ironizou.