VICENTE JORGE SILVA
Já escrevi dois artigos no “Diário de Notícias” em que explico as minhas razões para votar “sim”. Mas esta talvez seja uma oportunidade para resumir os motivos essenciais desse voto.
1 – A lei actual é discriminatória, cruel e humilhante para as mulheres que, em desespero de causa, se vêem forçadas a recorrer ao aborto em condições degradantes e de sórdida clandestinidade. O “não” não oferece respostas a essa realidade gritante. O “sim” permite, pelo menos, a essas mulheres, normalmente as de mais fracos recursos económicos e em situação de maior vulnerabilidade afectiva e psicológica, encontrar amparo, aconselhamento e protecção médica adequada para enfrentar uma gravidez indesejada.
2 – O “não” baseia-se num dogma que, independentemente de ser respeitável em função das crenças daqueles que o perfilham, escamoteia a realidade do aborto clandestino e as desigualdades sociais que o favorecem (não consta que as mulheres das chamadas classes altas ou médias altas tenham sido sujeitas ao vexame de ser julgadas em tribunal por terem praticado um aborto).
3 – Não é legítimo impor as nossas crenças religiosas e éticas aos demais e torná-las uma regra universal, um padrão de superioridade moral indiscutível e, ainda por cima, uma norma legal de um Estado laico. O “sim” preserva a liberdade de cada um – neste caso, de cada mulher – enquanto o “não” desrespeita e condiciona essa liberdade a crenças e valores que não são universalmente reconhecidos.
4 – O “não” é inoperante e inconsequente. Pretende manter o crime de aborto na lei, mas para alívio de consciência das suas almas mais sensíveis propõe que se apaguem os vestígios desse crime, descriminalizando o aborto sem quaisquer prazos (enquanto o “sim” limita essa opção às dez semanas de gravidez). Isso é uma aberração jurídica insustentável num Estado de direito democrático – e não creio que exista uma tal situação em qualquer outro país do mundo.