JOSÉ LEITE PEREIRA
A questão aborto é coisa demasiado íntima relativamente à qual (me) apetece apenas criar condições para que cada um decida segundo a sua consciência, não sendo questão que leve a maioria de nós nem para grandes comícios nem para tomadas de posição de grande exposição, exactamente por sabermos que cada caso é um caso e que dificilmente haverá argumentação que possa normalizar a discussão. É por isso que me causa algum espanto a falta de pudor de certa Direita nesta questão e, dentro dessa certa Direita, o nenhum pudor de certa Igreja. Quando o cardeal disse o que já disse, quando o Papa compara aborto a terrorismo, que posso eu pensar de um padre que recorre a imagens hediondas não de interrupções de gravidez mas de cadáveres de várias semanas? São estas posições que revelam o nosso atraso. Não somos mais atrasados do que outros países se a nossa opção for contra a lei que vai ser referendada. O nosso atraso está no obscurantismo que se abriga debaixo de respeitáveis instituições, das quais se esperaria mais seriedade e maior adaptabilidade ao jogo democrático.