Os membros dos partidos sofrem de uma doença a que eu chamo a "partidarite", que consiste em sofrerem mutações para ficar tudo na mesma, é difícil remar contra a maré
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JOAQUIM JORGE
"A democracia - comenta Perelman - é um regime menos eficaz, portanto mais fraco do que um regime autoritário. Resulta daí que ele é sempre um regime ameaçado, sempre precário e que é preciso sempre defender."
Se a democracia possui os seus princípios, as suas regras e as seus mecanismos: princípio da maioria, representação de todos, o parlamento, leis da Constituição, tribunais, existência de oposição, etc., enquanto prática social, ela remete, por parte dos indivíduos, para competências de cidadania, sem os quais ficaria esvaziada e falseada. Fala-se do pluralismo, mas deve-se dar consistência à vivência desse pluralismo. A vigilância e o controlo das instituições são, em democracia, a palavra de ordem. A argumentação é o que dá corpo a essa palavra. A razoabilidade é o que lhe confere sentido. E, nesta construção, é a intervenção a pedra de toque, aí é que ganha sentido a cidadania. A coexistência com a diferença, com aquilo que não nos identificámos é que leva a integrar a dinâmica do pluralismo, o respeito pela diversidade (pontos de vista e opções) e tolerância. Sendo a tolerância um saber mais do que coexistir pacificamente, é uma forma activa de nos colocarmos perante os outros. É a capacidade de entender sem estar de acordo (é uma marca da elevação da cidadania). O desacordo leva ao conflito (é utópico pensar uma sociedade sem conflito). Fazem parte da vida dos homens (são intrínsecos e mesmo saudáveis). A grandeza não está em procurarmos suprimir os conflitos, mas, sim, na capacidade de lidar com eles, fazendo valer os poderes mediadores do diálogo e argumentação.
Porém, todos nós sabemos ou já ouvimos falar que a democraticidade dentro dos partidos deixa muito a desejar. Preferia ter partidos políticos dentro dos quais fosse respeitada a independência de pensamento. Mas a verdade é que neste momento não é uma coisa boa ser-se associado a um partido, as pessoas vêem isso como uma associação com um processo sujo. Em Inglaterra os Tories passaram de 2,5 milhões para 250 mil filiados. A participação dos cidadãos é inversamente proporcional ao número de anos do regime democrático. Com a abstenção a legitimidade democrática é posta em causa, assim como o candidato único, quer concorra a uma concelhia, distrital ou à presidência do partido. O confronto e o debate não existem, usando a simulação do unanimismo para ocultar divergências e diferentes opiniões. Daí o desinteresse pela política e da mobilização partidária, ressalvando aquela que é motivada por "tachos" e não por valores. Os partidos precisam de um sobressalto e de um abanão. A dificuldade é muito grande, porque os partidos são máquinas de "posições" e de carreiras. Os chefes partidários são exímios em afastar quem tenha valor ou luz própria, que pense pela sua cabeça e que não precise da política para viver. Porém, esses "chefes", apenas temidos sendo pusilânimes, estão entrincheirados e manipulando os aparelhos partidários e lutarão até à morte, ou exigirão preços degradantes para serem apeados. Os membros dos partidos sofrem de uma doença a que eu chamo a "partidarite", que consiste em sofrerem mutações para ficar tudo na mesma, é difícil remar contra a maré.
Talvez com novas elites credíveis, com exemplos de civismo, cidadania, eticismo e intelectualidade.
Aqui a comunicação social tem o dever pedagógico, de não tratar da mesma forma a escumalha dos partidos e aqueles políticos sérios, corajosos, dedicados, com estrutura ideológica e que procuram alterar o rumo das coisas, dentro dos partidos em movimentos, grupos de pressão, grupos de reflexão política e ONGs (organizações não governamentais). Estamos a caminho de uma nova forma de fazer política. Não sei se será melhor, o que eu sei é que as pessoas estão a acordar para isso, e estão a tentar inventar novas formas de fazer as coisas. Nos próximos anos haverá muito mais invenção, experimentação e energia.
artigo publicado no SEMANÁRIO em 29/09/2006
periocidade quinzenal