Mário Russo |
O Brasil vive uma hora de luto e
dor pela morte de centenas de pessoas soterradas por lamas provenientes dos
rejeitados da exploração de uma mina de ferro da empresa Vale do Rio Doce, uma
das maiores do mundo. Este desastre decorre cerca de 3 anos após a derrocada de
outra barragem da mesma empresa em Mariana, igualmente no Estado de Minhas
Gerais, que foi até então, o maior desastre ambiental no país.
Na altura o Presidente da empresa
Vale, recentemente empossado, declarou que a empresa iria tomar todas as
medidas para que “Mariana nunca mais”. Provavelmente algumas medidas foram
efetivamente tomadas, mas não foram suficientes para apenas 3 anos depois
estarmos novamente a chorar mortos no Brasil. Aliás, é o que constato neste
imenso país, rico em recursos naturais como nenhum outro, no que toca aos
riscos de certas atividades, designadamente da área mineira.
O ano passado houve em Barcarena,
uma cidade do Estado do Pará, um desastre ambiental com descarga de lamas que
transbordaram um aterro de rejeitos da mineradora e poluiu ribeiros da região e
o rio, decorrente de um evento pluviométrico excecional. Houve falha humana,
com consequências desastrosas. Felizmente não houve mortes. Mas ao se fazer o
diagnóstico, prometeu-se mas fiscalização, apresentação de relatórios
frequentes aos órgãos ambientais, etc.
No caso de Brumadinho, o assunto
é tão grave que as emissoras de TV estão em direto a tratar da cobertura do
acontecimento, até como serviço público, para informar milhares de familiares
desesperados à procura de notícias. Especialistas têm dado sugestões muito
boas, como reforço da fiscalização, revisão dos protocolos de segurança,
relatórios frequentes aos órgãos ambientais, punições mais severas aos
responsáveis, etc.
Tudo é válido, mas, em minha
opinião, tal como em outros casos que tive conhecimento, o diagnóstico peca quando
não põe o “dedo na ferida”, que é a falta de qualificação dos técnicos que
estão nos órgãos públicos, nas esferas municipal, estadual e federal,
responsáveis pelos licenciamentos, aprovações dos estudos de impacto ambiental
e fiscalização destes empreendimentos.
Com efeito, engenheiros de municípios, do Estado e até Federal, têm salários muito baixos (de 1800 R$ a 4800
R$, ou seja, de 485€ a 1120 € por mês )
e, via de regra, de baixa qualificação especializada. Que esperar de
gente desalentada, desmotivada e impreparada? O desastre.
De que adianta a elaboração e
entrega de relatórios ultra sofisticados e altamente especializados para
análise desses técnicos que não “vêm um boi num palácio”? Que medidas tomariam
se não sabem interpretar os resultados das diversas sondagens, medições, etc?
No caso de Brumadinho, a primeira
notícia dizia que centenas de funcionários estavam no refeitório da empresa
mineradora quando se deu o rompimento da barragem. Pensei que esses pelo menos
se salvaram da enxurrada. Mas não, infelizmente pereceram, tal como dezenas ou
centenas que ainda estavam nos escritórios. Isto porque, inacreditavelmente,
estes edifícios da empresa estavam implantados a jusante das barragens (3 no
local). Coisa nunca vista. Pergunto, um técnico bem qualificado alguma vez
faria isso? Claro que não. Pergunto, que qualificação tinham os técnicos da
conceção/projeto, da aprovação interna na empresa para a construção com implantação
em cota abaixo das barragens, logo, à mercê de ser colhido em toda a linha em
caso de rompimento? Que fizeram os fiscais dos órgãos de fiscalização que não viram
estes absurdos? Onde estavam os técnicos que licenciaram as edificações de uma
mina com os edifícios de apoio técnico administrativo implantados numa cota que
está no trajeto de descarga das lamas das barragens em caso de desastre? E, como é que os gestores da empresa Vale não
avaliaram o risco e impediram a localização nessa cota, podendo escolher outra
a montante das barragens, que é o recomendável e mais que lógico? Esta linha de
comportamento técnico inapropriado só pode ser explicada por “escola” da irresponsabilidade.
Enquanto o poder público, em
todas as esferas, não refundar o Estado Brasileiro no que toca à política dos
recursos humanos nas diversas esferas (milhões de empregos de baixos salários,
metade dos quais cunhas dos políticos, sem necessidade para os serviços) acabando
com a política de salários miseráveis, vai continuar a padecer de baixa qualidade
na gestão pública, assim como a qualidade de vida das populações; os
licenciamentos de grandes empreendimentos com elevados impactos ambientais não
terão as garantias de salvaguarda de medidas mitigadoras; as fiscalizações
serão ineficientes e inconsequentes e a vida de milhares de pessoas que vivem
nas áreas de influência dessas unidades industriais estará em perigo.
No Brasil existem mais de 24 mil
barragens de todos os tipos, sendo mais de 700 para receber rejeitos de
mineradoras, como a de Brumadinho, sem qualquer fiscalização O que virá no
futuro? Provavelmente estaremos um destes dias, uma vez mais, a chorar os
mortos e a voltar a ouvir promessas. Que eu esteja errado, seria muito bom.