27/01/2019

Derrocada de uma barragem de rejeitos mineiros em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil




Mário Russo 
O Brasil vive uma hora de luto e dor pela morte de centenas de pessoas soterradas por lamas provenientes dos rejeitados da exploração de uma mina de ferro da empresa Vale do Rio Doce, uma das maiores do mundo. Este desastre decorre cerca de 3 anos após a derrocada de outra barragem da mesma empresa em Mariana, igualmente no Estado de Minhas Gerais, que foi até então, o maior desastre ambiental no país.
Na altura o Presidente da empresa Vale, recentemente empossado, declarou que a empresa iria tomar todas as medidas para que “Mariana nunca mais”. Provavelmente algumas medidas foram efetivamente tomadas, mas não foram suficientes para apenas 3 anos depois estarmos novamente a chorar mortos no Brasil. Aliás, é o que constato neste imenso país, rico em recursos naturais como nenhum outro, no que toca aos riscos de certas atividades, designadamente da área mineira.
O ano passado houve em Barcarena, uma cidade do Estado do Pará, um desastre ambiental com descarga de lamas que transbordaram um aterro de rejeitos da mineradora e poluiu ribeiros da região e o rio, decorrente de um evento pluviométrico excecional. Houve falha humana, com consequências desastrosas. Felizmente não houve mortes. Mas ao se fazer o diagnóstico, prometeu-se mas fiscalização, apresentação de relatórios frequentes aos órgãos ambientais, etc.
No caso de Brumadinho, o assunto é tão grave que as emissoras de TV estão em direto a tratar da cobertura do acontecimento, até como serviço público, para informar milhares de familiares desesperados à procura de notícias. Especialistas têm dado sugestões muito boas, como reforço da fiscalização, revisão dos protocolos de segurança, relatórios frequentes aos órgãos ambientais, punições mais severas aos responsáveis, etc.
Tudo é válido, mas, em minha opinião, tal como em outros casos que tive conhecimento, o diagnóstico peca quando não põe o “dedo na ferida”, que é a falta de qualificação dos técnicos que estão nos órgãos públicos, nas esferas municipal, estadual e federal, responsáveis pelos licenciamentos, aprovações dos estudos de impacto ambiental e fiscalização destes empreendimentos.  Com efeito, engenheiros de municípios, do Estado e até Federal,  têm salários muito baixos (de 1800 R$ a 4800 R$, ou seja, de 485€ a 1120 € por mês )  e, via de regra, de baixa qualificação especializada. Que esperar de gente desalentada, desmotivada e impreparada? O desastre.
De que adianta a elaboração e entrega de relatórios ultra sofisticados e altamente especializados para análise desses técnicos que não “vêm um boi num palácio”? Que medidas tomariam se não sabem interpretar os resultados das diversas sondagens, medições, etc?
No caso de Brumadinho, a primeira notícia dizia que centenas de funcionários estavam no refeitório da empresa mineradora quando se deu o rompimento da barragem. Pensei que esses pelo menos se salvaram da enxurrada. Mas não, infelizmente pereceram, tal como dezenas ou centenas que ainda estavam nos escritórios. Isto porque, inacreditavelmente, estes edifícios da empresa estavam implantados a jusante das barragens (3 no local). Coisa nunca vista. Pergunto, um técnico bem qualificado alguma vez faria isso? Claro que não. Pergunto, que qualificação tinham os técnicos da conceção/projeto, da aprovação interna na empresa para a construção com implantação em cota abaixo das barragens, logo, à mercê de ser colhido em toda a linha em caso de rompimento? Que fizeram os fiscais dos órgãos de fiscalização que não viram estes absurdos? Onde estavam os técnicos que licenciaram as edificações de uma mina com os edifícios de apoio técnico administrativo implantados numa cota que está no trajeto de descarga das lamas das barragens em caso de desastre?  E, como é que os gestores da empresa Vale não avaliaram o risco e impediram a localização nessa cota, podendo escolher outra a montante das barragens, que é o recomendável e mais que lógico? Esta linha de comportamento técnico inapropriado só pode ser explicada por “escola” da irresponsabilidade.
Enquanto o poder público, em todas as esferas, não refundar o Estado Brasileiro no que toca à política dos recursos humanos nas diversas esferas (milhões de empregos de baixos salários, metade dos quais cunhas dos políticos, sem necessidade para os serviços) acabando com a política de salários miseráveis, vai continuar a padecer de baixa qualidade na gestão pública, assim como a qualidade de vida das populações; os licenciamentos de grandes empreendimentos com elevados impactos ambientais não terão as garantias de salvaguarda de medidas mitigadoras; as fiscalizações serão ineficientes e inconsequentes e a vida de milhares de pessoas que vivem nas áreas de influência dessas unidades industriais estará em perigo.
No Brasil existem mais de 24 mil barragens de todos os tipos, sendo mais de 700 para receber rejeitos de mineradoras, como a de Brumadinho, sem qualquer fiscalização O que virá no futuro? Provavelmente estaremos um destes dias, uma vez mais, a chorar os mortos e a voltar a ouvir promessas. Que eu esteja errado, seria muito bom.