António Fernandes |
O Nosso Café foi fundado, diziam, em protesto contra o
aumento do café servido em chávena, por um conjunto de cidadãos Bracarenses que
se associaram naquela que foi, no tempo, a maior sociedade comercial existente.
Nessa sociedade pontuaram ilustres personalidades das
forças vivas da cidade que, na clandestinidade, lutavam contra o regime
totalitário instalado no País e a sua extensão tentacular local, criando assim,
também, um espaço de discussão e tertúlia intelectual que com alguma
regularidade era “visitado” pela PIDE/DGS. Oficialmente e de forma dissimulada.
Teria eu os meus dezasseis anos quando comecei a
frequentar “O Nosso Café”.
Morava na vizinha freguesia de Gualtar e, porque os
transportes públicos no tempo eram escassos, era n'O Nosso Café que passava
todo o tempo livre de que dispunha.
Limitação que afetava toda a população juvenil e de
outras faixas etárias e que por isso procuravam os estabelecimentos de
hotelaria, os cafés, para passarem o seu tempo disponível. Até porque, as
freguesias não dispunham de espaços com a mesma função e tinham outras
dinâmicas de vida.
O Nosso Café era, e ainda hoje é, um dos edifícios mais
bonitos da cidade mesmo não sendo uma obra de arquitetura convencional. Foi
construído num tempo arquitetónico de transição entre o uso do granito e o da
argamassa (cimento) não só na sua construção mas também, nas suas fachadas.
Daí, a sua fachada e colunas assim como a varanda exterior.
No seu interior pontuavam:
• A Diana: uma escultura de mulher nua com um arco numa
mão e a outra mão puxando a corda do citado em posição de atirar uma flecha.
Era um autêntico desafio “erótico” aos jovens que despontavam para a fase da
puberdade e que olhavam deslumbrados aquele escultural corpo de mulher nua.
Estátua que terá provocado algumas acaloradas polémicas numa cidade
profundamente religiosa.
• As escadas de acesso ao piso superior que ostentavam a
traça de opulência da “Bell Époque” com uma elegância fina para a época.
A sua clientela “transpirava”:
• A multiculturalidade e a interculturalidade social; • O
perfil de cliente, o que usava as suas instalações, era multifacetado, desde: a
diversidade profissional; multinacional; estrato social diferenciado; formação
escolar e académica, entre outros;
A sua função social e cívica enquanto estabelecimento de
hotelaria de referência:
• Era o ponto de encontro local sempre que alguém de uma
outra localidade qualquer se deslocava a Braga para tratar de assunto pessoal,
empresarial ou outro.
• Mas era, sobretudo, a sala de encontro e de espera de
todas as pessoas: amigos; namorados; casais; convívio; estudo; passatempo;
reunião: e demais motivos.
• Ponto de encontro privilegiado de intelectuais;
sindicalistas; empresários; artistas de todas as áreas; estudantes;
trabalhadores; e outros.
• De discussão política antes e depois da Revolução de
Abril de 1974 entre todas as correntes do pensamento desde a extrema esquerda à
extrema direita.
Notas finais:
• Foi n'O Nosso Café que descobri a minha irreverencia e
inconformismo perante um modelo social e político viciado e podre que ainda
hoje teima em manter marcas profundas no tecido social.
• Foi n'O Nosso Café que pela primeira vez fui
confrontado com a luta das mulheres pela igualdade de género num tempo em que,
pela primeira vez, a PSP - Policia de Segurança Publica, abriu concurso para
agentes do sexo feminino. Uma das colegas de O Nosso Café concorreu e, foi
admitida.
Uma marca indelével de O Nosso Café:
• O Sebastião, já corcovado e de bandeja na mão. Um
personagem da cidade por excelência que merecia um perpetuar dessa memória
coletiva que foi O Nosso Café.