08/06/2018

Braga tem memória: O Nosso Café!




António Fernandes 
O Nosso Café foi fundado, diziam, em protesto contra o aumento do café servido em chávena, por um conjunto de cidadãos Bracarenses que se associaram naquela que foi, no tempo, a maior sociedade comercial existente.

Nessa sociedade pontuaram ilustres personalidades das forças vivas da cidade que, na clandestinidade, lutavam contra o regime totalitário instalado no País e a sua extensão tentacular local, criando assim, também, um espaço de discussão e tertúlia intelectual que com alguma regularidade era “visitado” pela PIDE/DGS. Oficialmente e de forma dissimulada.

Teria eu os meus dezasseis anos quando comecei a frequentar “O Nosso Café”.
Morava na vizinha freguesia de Gualtar e, porque os transportes públicos no tempo eram escassos, era n'O Nosso Café que passava todo o tempo livre de que dispunha.
Limitação que afetava toda a população juvenil e de outras faixas etárias e que por isso procuravam os estabelecimentos de hotelaria, os cafés, para passarem o seu tempo disponível. Até porque, as freguesias não dispunham de espaços com a mesma função e tinham outras dinâmicas de vida.

O Nosso Café era, e ainda hoje é, um dos edifícios mais bonitos da cidade mesmo não sendo uma obra de arquitetura convencional. Foi construído num tempo arquitetónico de transição entre o uso do granito e o da argamassa (cimento) não só na sua construção mas também, nas suas fachadas. Daí, a sua fachada e colunas assim como a varanda exterior.

No seu interior pontuavam:
• A Diana: uma escultura de mulher nua com um arco numa mão e a outra mão puxando a corda do citado em posição de atirar uma flecha. Era um autêntico desafio “erótico” aos jovens que despontavam para a fase da puberdade e que olhavam deslumbrados aquele escultural corpo de mulher nua. Estátua que terá provocado algumas acaloradas polémicas numa cidade profundamente religiosa.
• As escadas de acesso ao piso superior que ostentavam a traça de opulência da “Bell Époque” com uma elegância fina para a época.

A sua clientela “transpirava”:
• A multiculturalidade e a interculturalidade social; • O perfil de cliente, o que usava as suas instalações, era multifacetado, desde: a diversidade profissional; multinacional; estrato social diferenciado; formação escolar e académica, entre outros;

A sua função social e cívica enquanto estabelecimento de hotelaria de referência:
• Era o ponto de encontro local sempre que alguém de uma outra localidade qualquer se deslocava a Braga para tratar de assunto pessoal, empresarial ou outro. 
• Mas era, sobretudo, a sala de encontro e de espera de todas as pessoas: amigos; namorados; casais; convívio; estudo; passatempo; reunião: e demais motivos.
• Ponto de encontro privilegiado de intelectuais; sindicalistas; empresários; artistas de todas as áreas; estudantes; trabalhadores; e outros.
• De discussão política antes e depois da Revolução de Abril de 1974 entre todas as correntes do pensamento desde a extrema esquerda à extrema direita.

Notas finais:
• Foi n'O Nosso Café que descobri a minha irreverencia e inconformismo perante um modelo social e político viciado e podre que ainda hoje teima em manter marcas profundas no tecido social.
• Foi n'O Nosso Café que pela primeira vez fui confrontado com a luta das mulheres pela igualdade de género num tempo em que, pela primeira vez, a PSP - Policia de Segurança Publica, abriu concurso para agentes do sexo feminino. Uma das colegas de O Nosso Café concorreu e, foi admitida.

Uma marca indelével de O Nosso Café:
• O Sebastião, já corcovado e de bandeja na mão. Um personagem da cidade por excelência que merecia um perpetuar dessa memória coletiva que foi O Nosso Café.