06/02/2018

ANGOLA - MOVIMENTO DE INDIGNAÇÃO DOS MORTOS - 2018




Valdemar Ribeiro*
Nos  anos  passados  do  tempo colonial português  do  qual  as  saudades em Angola não são muitas  pois  foram  tempos  de  muito sofrimento para o povo  angolano   ,  os  cemitérios  eram  lugares  de  muito respeito  e  considerados sagrados .
Nas  cidades ,  nas  vilas  ,  nas  aldeias  e  nos  quimbos ,  os  cemitérios  urbanos  e  os  cemitérios  autóctones ,  eram  espaços  de  total respeito ,  sagrados  ,  arborizados ,  aonde  se  podia  passear , orar , recordar os  entes  queridos ,  ter  saudades .
Alguns  cemitérios  autóctones  de  hoje  ,  em  lugares  mais  distantes no interior  de  Angola  ,  longe  da civilização  e   poluição moral   urbana ,   os  cemitérios  continuam  a  ser  espaços  sagrados  e  de  respeito .
Em  contraste ,    nos  dias  de  hoje  ,  século  XXI ,  quarenta  e  dois  anos  de  independência ,  os  cemitérios     em Angola   em  todas  as  cidades e  vilas  ,  exceptuando   um cemitério   denominado  “ Alto das  Cruzes”     em  Luanda  ,     são lugares   que  não  se  deseja  voltar  e  provocam indignação    e  é  esta  a  razão   que motiva  este  artigo  cujo titulo  se  denomina  “ANGOLA -  A    INDIGNAÇÃO  DOS   MORTOS “ .
Nos tempos passados , os  cemitérios  eram  lugares  sagrados ,  organizados ,  limpos  ,  asseados ,  ajardinados ,  aonde  se  podia  ir prestar  homenagens  aos  entes  queridos  que já  se  tinham ido  embora  desta terra   e   eram lugares  aonde  se  podia passear numa bela tarde  de  sol .
Podia-se ir  ao cemitério  para relembrar os  entes  queridos ,  orar para  darem protecção  aos  vivos    e  com  as  saudades  alimentadas  por  sentimentos  de  respeito pelos  mortos  queridos ,  os  cidadãos retornavam aos  seus  lares  com  a  alma  saciada   e  alegre pois  tinham  cumprido com  seu  dever  moral   de  não  esquecer aqueles  que  lutaram  por  esta  terra  e por  estas  famílias .
Nestes  cemitérios ,    as  campas  eram  embelezadas ,  plantavam-se  flores  ao  redor ,  perfumavam-se  os   falecidos  ,  as  campas  não eram     espoliadas ,  não eram roubadas  nem  eram  espezinhadas  pois  haviam  caminhos  limpos  e  asseados  ao redor  de  cada  campa .
Havia  respeito  por  estes  lugares de oração  aos mortos .
Neste  ano  de  2018  fomos   ao cemitério de  SANTA ANA  ,  em Luanda ,  aonde  a  classe  média  urbana  é  enterrada     pois  lã  ia  ser   enterrado um familiar  querido     
O velório  ,  na  noite  anterior ,  foi feito com  toda  a  dignidade  no mausoléu   anexo apesar  de  ser caro o  aluguer deste  espaço  municipal  .
No dia  seguinte , pelas  11 horas ,  foi  feito o  enterro .
Como o automóvel  funerário    que transportava o corpo  não podia  entrar no  cemitério ,  o corpo foi transladado para  um  carro  de  transporte  manual  apropriado para  este tipo  de  evento .

No caminho  ,  à  entrada do cemitério ,      não  se  viam  espaços  ajardinados   ao redor  mas  continuava  a  parecer tudo    normal pois  estávamos  em Luanda  ,  cidade  que  em  termos  de  ambiente  está muito  depauperada inclusive  de  árvores e os responsáveis  pelo  ambiente  nada fazem
De repente,    enquanto  se  caminhava  atrás  da urna  até  ao local  de  enterro ,  o carro  manual   que transportava o corpo parou e  foi  informado  aos  familiares  do falecido   que  o  corpo iria  ser    enterrado  a  uns  cem metros daquele  local  ,  por  detrás  das campas que  se  viam  longe .
Pegou-se   o caixão  nos ombros pois  até  as  alças  do caixão não tinham  segurança  suficiente  para transportá-lo  à   mão  apesar  de  ter sido um caixão  caro  ,    e  seguiu-se   a  pé     mas  quando se procuravam  as  vias   que levavam  à  cova   aonde  seria  enterrado  o  corpo ,  não se  viam  caminhos      pois  todos os  espaços entre  as  principais   campas  estavam  ocupadas  por  outras  campas de  terra  e  cimento  e  os  caminhos  desapareceram  completamente e  aquele  espaço parecia  abandonado .
Preocupados pela falta  de  uma  via   ,  tentou-se  vislumbrar  uma  solução para levar  o  ente  querido até  à  sua  ultima  morada   mas  para infelicidade dos  acompanhantes  constatou-se  que   a  única  solução  seria  continuar  a  transportar o caixão pesado  nos  ombros  ,   aos trancos  e  barrancos  ,  sujeitos  a  quebrar  alguma  perna   ou  a  cair  no  chão  ,  no meio  daquela  terra    abandonada  e  ressequida   sem  uma  flor e sem uma  relva  que refrescasse  o  caminho  dolorido .
Note-se  que  as pessoas  que  acompanhavam o  enterro  estavam    bem  vestidas  e  algumas  senhoras  calçavam  sapatos  de  tacão alto ,  como é  normal ,   em respeito  e  homenagem  ao  ente falecido e  porque  supuseram  que  o  cemitério de  SANTA  ANA    estava  bem  cuidado certamente .
Galgando por cima  das  campas ,  sem respeito  aos  mortos de  outros   ,  subindo  e  descendo  ,   quase  caindo o caixão ,  com  algumas  pessoas  a  magoarem-se   e   cheios  de  suor  e lágrimas  e    sujos  de  terra   ,   lá  se  conseguiu chegar à  cova   aonde  seria  enterrado o  ente  querido .

O buraco  já estava  aberto  e  com  terra  à   volta   e  não  se  conseguia  passar por  cima  desta  terra  senão  enterravam-se os pés  e  quem   tentou passar  saiu  todo  enlameado  .

A  Administração  do  cemitério  nem  sequer  orienta os  funcionários  a  abrir  corretamente  uma  cova ,  colocando  a  terra  apenas  em  dois  lados  ou  em  um  ,   para  se  enterrar os  mortos  com segurança  e  sem  sem perigo  de  se  cair  dentro  .
O sol e o calor  já  estava  a  escaldar  .
O padre quase  caiu no buraco  antes  de  iniciar  a  cerimónia  de  despedida .
Quem  assistia  a  tudo isto  e percebia  toda  esta realidade ,  sentia-se  constrangido  ,   humilhado  e  indignado   e  realmente  era  de  lamentar .
Havia  uma  completa falta  de  dignidade .
Um  pai  , uma mãe ,  um  parente ,  põe um filho ou uma  filha  no mundo ,  cuida  dele  ,  sacrifica-se por  ele ,  luta para  lhe oferecer o melhor com o máximo  de  dignidade possível  para que  seja   um  cidadão ou  cidadã  respeitados ,    estes  cidadãos  lutam depois por  seu   país  , por sua  nação ,  trabalham  ,  sacrificam-se    e  quando  chega  a  hora  de  ir  embora  são  enterrados  desta  forma   indigna .
Como fica um pai  quando  após tantos  anos  a  proteger  seu filho ou filha ,  passou  anos  alegres  e  triste  com eles  e  por  eles  ,  e  de  repente ,  sem nada poder fazer ,  vê  seu  filho  ou filha  a  ser  abandonado ou largado  num buraco  sem  dignidade ,  num  buraco  aonde  ficará  definitivamente ,  sem uma  flor  a  perfumar sua campa ,  sem  um caminho para poder  voltar  quando quiser prestar homenagem  a  seu  ente  querido ,  sem uma árvore  a  fazer sombra ,  sem um passarinho  a  cantar  ao redor ……
Aonde  está  a  dignidade humana  ou  a  dignidade dos mortos  angolanos ,  dos  entes  queridos  que  já  se  foram  ou  ainda  se  vão  ?  Que país  é  este ?
O povo  angolano , numa grande  maioria  ,  está  habituado  a  frequentar os melhores lugares  na Europa  ,   América  e  na  Ásia ,  está  habituado  a  ver os  cemitérios  em outros países ,   conhece  o viver  de outros povos ,  o  povo  angolano  de  certa  forma  é  cosmopolita pois  aprendeu um pouco  do mundo  global .
Quando  este   angolano  que  se  diz  cidadão do mundo  regressa  ao lar  e  constata  que o lugar aonde  seu  ente  querido  vai ser  enterrado   e  onde  ele  no  futuro  também  será  enterrado    está  sujo , desordenado ,  impuro ,  dessacralizado ,    ele     não  se  indigna  contra  si mesmo ?     Aonde  está  a   dignidade   de  seus  filhos e  de  seus  entes  que  já  se  foram ?
A  vida  continua  a  passar  agora  ,  neste  momento  ,     e os mortos  angolanos  nada  são , nada representam ,  apenas já  se  foram  como  a  chuva  sem  deixar rastos ?  E  quem  vislumbrou  uma  nação  nova  mais  sorridente  e  bela  , mais  desenvolvida ?    
Simplesmente os  entes  queridos  foram-se   e  nada  mais importa ,  menos  incómodos    ou será  que o  choro  nas  despedidas   não  é  verdadeiro ? 
O cemitério de  SANTA  ANA  em Luanda  e  todos  os  outros  cemitérios    em Angola  são fáceis  de  serem  melhorados  e  lhes darem mais  dignidade   se  houver  um  movimento  da  sociedade   civil  a  exigir  isso  nesta  nova república    ou  se  houver  vontade  política  para  tal     pois  a  solução não é  complexa   nem  onerosa .
Sem implicar  em muitos custos  ,   basta  que  a  administração do cemitério  construa  paredes com  2 ou mais  metros  de  altura  e    com  pequenas  gavetas  bem identificadas   aonde  se  possa  depositar  as  cinzas  dos  ossos  dos  mortos  numa pequena  caixa  sagrada .
Os  cemitérios  também  teriam  de  ter  um  crematório aonde  os  ossos  dos  mortos  são cremados  e  guardados  numa pequena  caixa  a  ser  entregue  aos  familiares .
Pelo menos  um  principal cemitério em cada Província  deve ter um crematório  para  cremar  os  corpos  de  quem  assim o  deseja  pois isso pode  facilitar  em  muito  o  controle  de  espaços  e  é  a  maneira  mais  moderna  e  respeitosa  de  se  tratar  dos  entes  queridos  que  se  vão .
As campas  mais  antigas  e  as  campas  que  estão  desordenadas   seriam  abertas  com toda  a  dignidade ,  seriam recolhidos os ossos  e  cremados e  entregues  aos  familiares  para serem  recolhidos  definitivamente às gavetas  na  paredes  aonde  poderiam ficar por imenso tempo   para  quem  o      desejar   .
Dessa forma  os  caminhos  dos  cemitérios  seriam novamente  abertos  e  só poderiam ser  enterrados os  mortos  nos  espaços  permitidos .
Os    cemitérios poderiam voltar  a  ser reflorestados  e  limpos  e  dessa  forma  simples ,  haveria  maior  dignidade  e  respeito   para  com os entes  falecidos .
Os  angolanos devem  indignar-se  em nome  de  seus  entes  queridos e  em respeito  àqueles  que  um  dia  ali  foram  parar .
Os  portugueses  e  outros  ,  e  são  muitos  milhares ,   que  um  dia no passado  ali  deixaram  naquelas    moradas  em  Angola    seus  entes  queridos  ,  deveriam  também  criar  um  movimento  na  NET  para  se  juntar  a um  movimento de  INDIGNAÇÃO DOS MORTOS  EM  ANGOLA.
Os  cemitérios  em  Angola  têm  de  voltar  a  ser   lugares  sagrados  e  respeitados  como o  eram  num  passado não muito longe  e   os  quais  foram  vividos  por  muitas  pessoas  ainda  vivas  felizmente e  que  desfrutaram  bem  desta  realidade  anterior .,  angolanos  e  portugueses

XXXXXXXXXXXXX.

OBS.: Está  a  ser  criado no  FACEBOOK  um  grupo  com  este  nome   aonde  as  pessoas  podem  assinar  e  tecer  seus  comentários  respeitosos e  sugerir  soluções  aos  administradores  angolanos .
É importante  haver  total respeito  critico  pois  de outra  forma  este  movimento  não terá  sucesso .
Não  podemos esquecer  que  estamos  na  vida  para  aprender  ,  consertar o que  está  errado  e  melhorar  o que  está  bem .
É o lema  do novo governo  angolano  e  temos  esperança  de  dias  melhores  após  tantos  anos  de  luta.
Tem  de  ser um  movimento  de  elevação.

*Professor, economista , empresário Industrial e ambientalista