Valdemar Ribeiro* |
Nos anos passados do tempo
colonial português do qual
as saudades em Angola não são
muitas pois foram
tempos de muito sofrimento para o povo angolano ,
os cemitérios eram
lugares de muito respeito e considerados
sagrados .
Nas cidades ,
nas vilas , nas aldeias e
nos quimbos , os
cemitérios urbanos e
os cemitérios autóctones ,
eram espaços de
total respeito , sagrados ,
arborizados , aonde se
podia passear , orar , recordar
os entes
queridos , ter saudades .
Alguns cemitérios
autóctones de hoje
, em lugares
mais distantes no interior de
Angola , longe
da civilização e poluição moral urbana ,
os cemitérios continuam
a ser espaços
sagrados e de
respeito .
Em contraste ,
nos dias de
hoje , século
XXI , quarenta e
dois anos de
independência , os cemitérios
em Angola em
todas as cidades e
vilas , exceptuando um cemitério
denominado “ Alto das
Cruzes” em
Luanda , são
lugares que não
se deseja voltar e
provocam indignação e
é esta a
razão que motiva este
artigo cujo titulo se
denomina “ANGOLA - A
INDIGNAÇÃO DOS MORTOS
“ .
Nos tempos passados , os cemitérios
eram lugares sagrados ,
organizados , limpos , asseados
, ajardinados , aonde
se podia ir prestar
homenagens aos entes
queridos que já se
tinham ido embora desta terra e
eram lugares aonde se
podia passear numa bela tarde
de sol .
Podia-se
ir ao cemitério para relembrar os entes
queridos , orar para darem protecção aos
vivos e
com as saudades
alimentadas por sentimentos
de respeito pelos mortos
queridos , os cidadãos retornavam aos seus
lares com a
alma saciada e alegre pois
tinham cumprido com seu
dever moral de não esquecer aqueles que
lutaram por esta
terra e por estas
famílias .
Nestes cemitérios , as
campas eram embelezadas ,
plantavam-se flores ao
redor , perfumavam-se os
falecidos , as
campas não eram espoliadas
, não eram roubadas nem
eram espezinhadas pois
haviam caminhos limpos
e asseados ao redor
de cada campa .
Havia respeito por
estes lugares de oração aos mortos .
Neste ano
de 2018 fomos ao cemitério de SANTA ANA , em
Luanda , aonde a classe média urbana é
enterrada pois
lã ia ser enterrado um familiar querido
O velório ,
na noite anterior ,
foi feito com toda a
dignidade no mausoléu anexo apesar
de ser caro o aluguer deste
espaço municipal .
No dia seguinte , pelas 11 horas ,
foi feito o enterro .
Como o automóvel funerário
que transportava o corpo não podia
entrar no cemitério , o corpo foi transladado para um
carro de transporte
manual apropriado para este tipo
de evento .
No caminho ,
à entrada do cemitério , não
se viam espaços
ajardinados ao redor mas
continuava a parecer tudo normal pois
estávamos em Luanda ,
cidade que em
termos de ambiente
está muito depauperada
inclusive de árvores e os responsáveis pelo
ambiente nada fazem
De repente, enquanto
se caminhava atrás
da urna até ao local
de enterro , o carro manual que transportava o corpo parou e foi
informado aos familiares
do falecido que
o corpo iria ser enterrado
a uns cem metros daquele local , por
detrás das campas que se
viam longe .
Pegou-se o
caixão nos ombros pois até
as alças do caixão não tinham segurança
suficiente para
transportá-lo à mão
apesar de ter sido um caixão caro
, e seguiu-se a pé mas
quando se procuravam as vias que levavam
à cova aonde
seria enterrado o corpo
, não se
viam caminhos pois
todos os espaços entre as
principais campas estavam
ocupadas por outras
campas de terra e
cimento e os
caminhos desapareceram completamente e aquele
espaço parecia abandonado .
Preocupados
pela falta de uma
via , tentou-se vislumbrar
uma solução para levar o
ente querido até à
sua ultima morada
mas para infelicidade dos acompanhantes
constatou-se que a
única solução seria continuar
a transportar o caixão pesado nos
ombros , aos
trancos e barrancos
, sujeitos a
quebrar alguma perna
ou a cair
no chão , no
meio daquela terra
abandonada e ressequida sem
uma flor e sem uma relva que refrescasse o
caminho dolorido .
Note-se que as
pessoas que acompanhavam o enterro
estavam bem vestidas
e algumas senhoras
calçavam sapatos de
tacão alto , como é normal ,
em respeito e homenagem
ao ente falecido e porque
supuseram que o
cemitério de SANTA ANA
estava bem cuidado certamente .
Galgando por
cima das
campas , sem respeito aos mortos
de outros , subindo
e descendo ,
quase caindo o caixão , com
algumas pessoas a
magoarem-se e cheios
de suor e lágrimas
e sujos
de terra ,
lá se conseguiu chegar à cova aonde
seria enterrado o ente
querido .
O buraco já estava
aberto e com
terra à volta e
não se conseguia
passar por cima desta
terra senão enterravam-se os pés e
quem tentou passar saiu
todo enlameado .
A Administração
do cemitério nem
sequer orienta os funcionários
a abrir corretamente
uma cova , colocando
a terra apenas
em dois lados ou
em um ,
para se enterrar os
mortos com segurança e
sem sem perigo de se cair
dentro .
O sol e o
calor já
estava a escaldar
.
O padre
quase caiu no buraco antes
de iniciar a
cerimónia de despedida .
Quem assistia
a tudo isto e percebia
toda esta realidade , sentia-se
constrangido , humilhado
e indignado e realmente
era de lamentar .
Havia uma
completa falta de dignidade .
Um pai ,
uma mãe , um parente ,
põe um filho ou uma filha no mundo ,
cuida dele ,
sacrifica-se por ele , luta para
lhe oferecer o melhor com o máximo
de dignidade possível para que
seja um
cidadão ou cidadã respeitados ,
estes cidadãos
lutam depois por seu país , por sua
nação , trabalham ,
sacrificam-se e quando
chega a hora
de ir embora
são enterrados desta
forma indigna .
Como fica um
pai quando após tantos
anos a proteger
seu filho ou filha , passou anos
alegres e triste com eles
e por eles
, e de
repente , sem nada poder fazer
, vê
seu filho ou filha
a ser abandonado ou largado num buraco
sem dignidade , num
buraco aonde ficará
definitivamente , sem uma flor
a perfumar sua campa , sem um
caminho para poder voltar quando quiser prestar homenagem a
seu ente querido ,
sem uma árvore a fazer sombra , sem um passarinho a
cantar ao redor ……
Aonde está
a dignidade humana ou a dignidade dos mortos angolanos ,
dos entes queridos
que já se
foram ou ainda
se vão ? Que
país é
este ?
O povo angolano , numa grande maioria
, está habituado
a frequentar os melhores
lugares na Europa , América
e na Ásia ,
está habituado a ver
os cemitérios em outros países , conhece
o viver de outros povos , o
povo angolano de
certa forma é
cosmopolita pois aprendeu um
pouco do mundo global .
Quando este
angolano que se
diz cidadão do mundo regressa
ao lar e constata
que o lugar aonde seu ente
querido vai ser enterrado
e onde ele
no futuro também
será enterrado está
sujo , desordenado , impuro , dessacralizado , ele
não se
indigna contra si mesmo ?
Aonde está a dignidade
de seus filhos e
de seus entes
que já se
foram ?
A vida continua a
passar agora ,
neste momento , e os mortos
angolanos nada são , nada representam , apenas já
se foram como
a chuva sem
deixar rastos ? E quem
vislumbrou uma nação
nova mais sorridente
e bela , mais
desenvolvida ?
Simplesmente os entes
queridos foram-se e nada
mais importa , menos incómodos
ou será que o
choro nas despedidas
não é
verdadeiro ?
O cemitério
de SANTA
ANA em Luanda e
todos os outros
cemitérios em Angola
são fáceis de serem
melhorados e lhes darem mais dignidade se
houver um movimento
da sociedade civil
a exigir isso
nesta nova república ou
se houver vontade
política para tal pois
a solução não é complexa
nem onerosa .
Sem
implicar em muitos custos ,
basta que a
administração do cemitério
construa paredes com 2 ou mais
metros de altura
e com
pequenas gavetas bem identificadas aonde
se possa depositar
as cinzas dos ossos dos
mortos numa pequena caixa
sagrada .
Os cemitérios
também teriam de ter um
crematório aonde os ossos
dos mortos são cremados
e guardados numa pequena
caixa a ser
entregue aos familiares .
Pelo menos um
principal cemitério em cada Província
deve ter um crematório para cremar
os corpos de
quem assim o deseja
pois isso pode facilitar em
muito o controle
de espaços e
é a maneira
mais moderna e
respeitosa de se
tratar dos entes
queridos que se vão
.
As campas mais
antigas e as
campas que estão
desordenadas seriam abertas
com toda a dignidade ,
seriam recolhidos os ossos e cremados e
entregues aos familiares
para serem recolhidos definitivamente às gavetas na
paredes aonde poderiam ficar por imenso tempo para
quem o desejar .
Dessa
forma os
caminhos dos cemitérios
seriam novamente abertos e só
poderiam ser enterrados os mortos
nos espaços permitidos .
Os cemitérios poderiam voltar a ser
reflorestados e limpos
e dessa forma
simples , haveria maior dignidade e
respeito para
com os entes falecidos .
Os angolanos devem indignar-se
em nome de seus
entes queridos e em respeito
àqueles que um dia ali
foram parar .
Os portugueses
e outros ,
e são muitos
milhares , que um dia
no passado ali deixaram
naquelas moradas
em Angola seus
entes queridos ,
deveriam também criar
um movimento na
NET para se
juntar a um movimento de
INDIGNAÇÃO DOS MORTOS EM ANGOLA.
Os cemitérios
em Angola têm de voltar
a ser lugares
sagrados e respeitados
como o eram num
passado não muito longe e os
quais foram vividos
por muitas pessoas
ainda vivas felizmente e
que desfrutaram bem desta realidade
anterior ., angolanos e
portugueses
XXXXXXXXXXXXX.
OBS.: Está a ser
criado no FACEBOOK um
grupo com este
nome aonde as
pessoas podem assinar
e tecer seus
comentários respeitosos e sugerir
soluções aos administradores angolanos .
É importante
haver total respeito critico
pois de outra forma
este movimento não terá
sucesso .
Não podemos
esquecer que estamos
na vida para
aprender , consertar o que está
errado e melhorar
o que está bem .
É o lema do novo
governo angolano e
temos esperança de
dias melhores após
tantos anos de
luta.
Tem de ser um
movimento de elevação.
*Professor, economista , empresário Industrial e ambientalista