Mário Russo |
Escrevo este texto consternado
com o que se passou este fim de semana trágico com o país até ao centro a arder
diante da impotência dos meios de defesa disponíveis que me deixaram a sensação
que o Governo acabava de passar a imagem de total incapacidade para defender o
país em caso de uma emergência séria. Não é por faltarem avisos quanto às
alterações climáticas que se pode desculpar com argumentos burocráticos como
terminar por imposição de calendário as fases de proteção já previstas. Não se
compreende que nada se tenha retirado de lição do que correu mal em Pedrógão
Grande e foi tudo.
Sem dúvida que não é preciso
nenhum relatório de especialistas para se ter chegado à conclusão que em
Pedrógão Grande tudo correu mal. E se, como na altura disse o Secretário de
Estado, que a eficiência na resposta tinha sido alta, a única coisa que se
teria de retirar como lição é que tendo resultados tão trágicos, se teria de
mudar tudo, porque não funcionou, inclusive a maneira de avaliar, porque dizer
que foi elevada eficiência de resposta é a maior contradição que se pode dizer
diante da catástrofe.
Mas algo que é incompreensível é
a posição da Ministra em manter-se no seu posto. Claro que a senhora não é
culpada pela tragédia, mas é a responsável política e deveria deixar a tarefa
facilitada ao PM demitindo-se e deixando que outro com mais energia e sem a
fragilidade sobre seus ombros possa injetar outro ânimo e orientação. É como
uma equipa que não assimila a mensagem do treinador e perde por goleadas. Mesmo
que o treinador seja muito bom, a injeção de ânimo é iniciada com a demissão do
treinador e a sua substituição. Aqui impõe-se isso, até para evitar o desnorte
em que hoje se encontra o setor e desconfiança generalizada da população.
Certamente que a senhora é muito
competente em muitas outras coisas, mas revelou-se totalmente despreparada para
o cargo e mesmo amadora em matéria de gestão de recursos humanos e de meios ao
substituir toda a cadeia de comando no início da época crítica de fogos.
Simplesmente inconcebível. Só um profundo desconhecimento da matéria justifica
tal amadorismo e até subestimar os eventos climáticos extremos que as condições
meteorológicas nos revelam a cada momento.
Não é preciso ser especialista no
assunto, mas não sendo um leigo total, mais ainda é notório constatar as razões
para o desastre sistemático em matéria de incêndios de grandes proporções. É
bom realçar que o histórico de áreas ardidas é de décadas, tal como as
promessas de se alterar o panorama com os mesmos resultados deploráveis. O
ordenamento da nossa floresta tem sido, reiteradas vezes, apontado como um dos
fatores facilitadores dos incêndios, pois a área de eucalipto e pinheiro bravo é
muito exagerada e desproporcionada. Para dar uma ideia, há uns 15 dias passando
por uma zona de Pedrógão, constatamos que uma área ardida era interrompida por
uma área que não ardeu e a diferença era que a ardida era eucalipto e pinheiro
bravo e a outra de espécies autóctones. Basta observar.
Claro que ficarmo-nos apenas por
isto é pouco. Estes desastres revelam que todos temos responsabilidades, seja
de uma ou outra maneira. Há uma confrangedora falta de planeamento e sobra
muito em puro amadorismo.
Posso elencar e questionar
algumas coisas que são de senso comum:
Os meios de combate a incêndios
são privados e objeto de contratações anuais por milhões de euros, facilitando
interesses corporativos nos incêndios. Se os meios fossem do Estado, com corpos
de bombeiros profissionais, pilotos de aeronaves e uma estrutura bem organizada
em que a prevenção receberia mais dinheiro que o combate, aboliria tais
interesses e acautelaria a floresta;
Porque não existem guarda-rios e
vigilantes da floresta como no passado que conhecem como ninguém todos os
recantos? Estes teriam de ser em número adequado e não uns míseros 140
operacionais para um território do tamanho de Portugal. É mais barato ter pelo
menos uns 1500 operacionais (média europeia) que deixar o país a arder a cada
ano milhares de hectares. Mas os governos pensam sempre em poupar…que sai caro;
Que é feito do plano de
instalação de centrais de biomassa previstas e cujos concursos foram lançados?
Sempre com a desculpa das emissões gasosas de GEE e do compromisso de Kioto da
sua redução. Porém sem serem contabilizadas as emissões em cada incêndio destes
provoca e mais ainda a forte redução do sequestro de carbono com o
desaparecimento dessa floresta ardida. As centrais ajudariam economicamente à
limpeza das florestas porque passaria a ter valia económica todo o mato limpo;
Um sistema de comunicações eficiente
é fundamental. O SIRESP revelou-se ineficiente por duas vezes quando mais era
preciso. Em Pedrógão Grande e agora. Ainda há dúvidas que existem
responsabilidades, quiçá criminais, da empresa e dos políticos que negociaram
um sistema com tamanhas deficiências sem responsabilizar a empresa e apenas o
Estado?
Fará sentido um comando
centralizado em Lisboa que não conhece o terreno para comandar as operações no
terreno? Ainda ontem ouvi uma responsável da Proteção Civil em Lisboa a dizer
que uma frente de fogo em Viera do Minho, no Distrito da Guarda ou o de
Guimarães, também na Guarda… dão a imagem de que não pode ser tudo
centralizado. Há que redefinir este organograma de proteção civil em que tem de
haver descentralização do comando após as primeiras decisões da central (que
pode replicar as 5 Regiões Administrativas) e no terreno terão de ser apoiados
pelas estruturas locais, como os vigilantes da natureza que no local conhecerão
melhor que ninguém os terrenos. Mas com o número que temos é impossível. Ouvi o
Ministro Capoulas Santos, após Pedrógão, dizer que iam entrar 50 novos
vigilantes (um número ridículo), mas até agora não entrou ninguém. Podem dizer
que são atrasos da burocracia, etc. Se é verdade, é preciso mudar a lei. E a
responsabilidade é do Parlamento, eivado de deputados absolutamente inaptos e
cuja atividade altamente defeituosa custa mais de 4% do PIB (segundo um estudo
académico de doutoramento) ao país.
As matas não são limpas, as
pessoas são negligentes: onde está a fiscalização que deveria ser do Estado e das
Câmaras, para responsabilizar o comportamento criminoso destas pessoas/entidades?;
As concessionárias de rodovias,
as Câmaras e a antiga Junta Autónoma das Estradas (agora Instituto das
Estradas) não cumprem com a limpeza das bermas de proteção sem combustível e
não há fiscalização de ninguém, nem nossa a denunciar;
O sistema judicial é brando com
os criminosos incendiários. Faça-se um levantamento das penas que os juízes
aplicam e veja-se a brandura, soltura dos criminosos que depois reincidem.
Desculpas em Tribunal, pelos juízes, quase sempre a culpar a sociedade pelos
distúrbios, que envergonha qualquer um. Não é possível que os Portugueses sejam
mais malucos e perturbados que os restantes povos. O que é mau é o sentimento
de impunidade que existe e se mantém, com a bênção do nosso ineficiente sistema
de justiça e dos senhores juízes, relapsos e muitas vezes absolutamente
impreparados tecnicamente, porém altivos e arrogantes.
Há culpa de todos e é o país que
tem de refletir profundamente. Isto não pode continuar, porque é a imagem de
desleixo e incompetência de um país que se quer mostrar moderno e preparado.
Assim não dá.
Não dá para aceitar que o Governo
não tenha já resolvido as indemnizações dos prejuízos de Pedrógão, com
desculpas inaceitáveis de tramitações jurídicas, porque quem é de bem, resolvia
logo alterando ou promulgando legislação específica e de exceção, caso fosse
esse o problema.
Restaurar a confiança dos
Portugueses na Proteção Civil só é possível mudando cabeças nos comandos. É uma
verdadeira idiotice argumentar que a demissão dos responsáveis políticos e de
comando não altera nada, porque senão manteríamos ad eterno as mesmas pessoas
no governo, se não houvesse mudanças de ação consoante os protagonistas.
António Costa tem de sair do seu
conforto, que é o desconforto dos Portugueses e ainda mais daqueles que nele
confiam, para alterar o rumo de Portugal neste domínio, e fazer as alterações
que se impõem, porque é o clamor das ruas. A senhora Ministra tem de ser
demitida para se restabelecer da pressão a que tem sido sujeita e
restabelecer-se a confiança da população. A estrutura de comando que falhou tem
de ir embora e ser substituída por profissionais. É preciso
desgovernamentalizar este setor que não passa de um cabide de empregos
políticos de afetos aos partidos que ciclicamente nos governam.