22/01/2017

Medicamentos fora de uso em nossas casas: onde mora o perigo?



Mário Russo
Há uma perceção popular de que os medicamentos (quase sempre comprimidos) que temos em casa não são perigosos e que são tão pequenos que podemos descartar com o dito “lixo doméstico” através dos sistemas de gestão municipal ou mesmo deitando pela sanita abaixo. A maioria das pessoas também não faz ideia das quantidades que tem em casa, se estão dentro da validade ou não. Só vão verificar, os que o fazem, quando aparece alguma maleita costumeira e vasculham nas caixas de comprimidos se existe algum que sirva (automedicação).
De facto, toda a gente tem medicamentos em casa para tratamentos esporádicos ou permanentes. Um estudo feito recentemente em Portugal concluiu que em média, em cada residência há cerca de 1100 g de medicamentos, dos quais 72% estão sem uso mas com datas de validade em dia e 8% fora de validade, sendo os restantes 20% os que estão em uso.
Quanto ao descarte dos medicamentos vencidos ou fora de uso, normalmente são descartados através de descargas nas sanitas para a rede de drenagem de águas residuais desembocando nas ETAR municipais, ou através dos sistemas de gestão de resíduos urbanos. Apenas uma percentagem pequena é corretamente descartada em ecocentros disponíveis em todas as cidades e vilas de Portugal ou através das farmácias que os recolhem gratuitamente.
Nestes casos os medicamentos terão o encaminhamento correto, evitando danos ao ambiente que a maior parte das pessoas nem faz ideia dos danos e da gravidade que as más práticas acarretam.
A UE promulgou uma Diretiva em 2004 que impõe aos Estados Membros a implementação de esquemas de recolha dos medicamentos sem uso, ou resíduos farmacêuticos domiciliares. Em Portugal a entidade que tem essa responsabilidade é a VALORMED, empresa sem fins lucrativos constituída pelos farmacêuticos, industriais do medicamento e distribuidores, que providencia a recolha e o posterior encaminhamento para as diversas unidades de tratamento em função da periculosidade do resíduo em causa. Espera-se que em 2020 já se consiga que 20% deste tipo de resíduo farmacológico seja separado corretamente para ter o destino adequado. Ainda estamos longe desta meta.
Porque é que se deve ter maior atenção na gestão deste tipo de resíduos, sendo tão pouco o que cada família possui:
Os medicamentos contêm ingredientes farmacológicos ativos que causam danos ambientais e de saúde pública quando descartados nos sistemas de drenagem de águas residuais ou de resíduos urbanos, cuja consequência ainda é pouco conhecida sobretudo em termos de saúde pública e ao longo do tempo. No entanto, análises em águas de rios na Europa evidenciou a presença destes ingredientes ativos que colocam em risco a saúde pública porque são em muitos casos fontes de água para a preparação de água para abastecimento público. Há evidências dos seus efeitos disruptivos na reprodução de populações de peixes, assim como na criação de condições de resistência bacteriológica aos antibióticos. Cada vez mais se assiste ao aumento progressivo da resistência de certas cepas de bactérias patogénicas a antibióticos usuais, pondo em causa a eficiência de terapêuticas ainda há poucos anos eficazes.
Aquilo que pode parecer inofensivo na realidade é muito perigoso. Por isso são resíduos com legislação especial e considerados perigosos e como tal assim devem ser geridos.
Urge passar a palavra para que ninguém descarte os medicamentos nos esgotos ou juntamente com os resíduos urbanos. Devem ser separados e entregues nas farmácias ou em ecocentros que os encaminharão de forma adequada.