16/07/2016

Entrevista de Joaquim Jorge ao FNT


ENTREVISTA
Farol da Nossa Terra (FNT) – O que representa para si esta homenagem da Freguesia da sua cidade?
JOAQUIM JORGE (JJ) – Representa um gesto simbólico e marcante. Nunca deixei de falar de S. Mamede de Infesta, onde nasci. Vivi em S. Mamede de Infesta até aos 17 anos. Depois dos 17 aos 27 anos vivi na Maia. Actualmente vivo em Gaia. A Maia para comigo não tem procedido bem. Convidei, um dia, o presidente da Câmara Municipal da Maia, Bragança Fernandes, para apresentar um livro meu na Escola Príncipe da Beira, edifício emblemático, em Gueifães, todavia, nunca houve um gesto, uma atitude, uma palavra, da parte dele, depois dessa data. Vou deixar de falar da Maia, local onde vivem os meus pais. Em Gaia, Luís Filipe Menezes agraciou-me com a medalha de mérito cívico na comemoração dos 25 anos de elevação a cidade. O actual presidente galardoou-me com um processo-crime.

FNT – O que esteve na base da atribuição da medalha?
JJ – Isso teria que perguntar ao seu presidente, António Mendes, mas não estarei errado se tiver que ver com a minha acção cívica no Clube dos Pensadores. Fiquei sensibilizado. Mostra que é um homem atento e democrata e, o mais importante, que ama S. Mamede de Infesta.

FNT – Porquê aquele processo-crime?
JJ – Não sei, terá que perguntar ao presidente da Câmara de Gaia.

FNT – Por que escreveu que em Gaia há muita litigância e má-fé?
JJ – Este presidente convive mal com as críticas e o dissenso. Um presidente de Câmara não é dono da cidade e muito menos dos cidadãos. A sua extrema susceptibilidade, que tenta impor-se aos demais, não é consentânea com o cargo que ocupa.

FNT – Diversas vezes tem criticado a gestão da Câmara Municipal de Gaia. Admite integrar um futuro executivo?
JJ – Faço críticas baseadas em razões e argumentos. Isso de ser candidato a presidente da Câmara Municipal de Gaia tem que se lhe diga. Para integrar um executivo tenho que ser convidado. Mas noto um nervoso miudinho do actual poder. Tenho sido abordado por muitas pessoas. Vamos ver! Todavia, para se ser candidato independente é preciso muita base monetária, mais que capacidade e inteligência.

FNT – O que o levou a escrever que a democracia é bastante mais do que votar de quatro em quatro anos?
JJ – Na cabeça do presidente da Câmara Municipal de Gaia está a sua vitória nas eleições e tem quatro anos para fazer o que lhe apetece. Não importa, nem conta, não cumprir promessas eleitorais, rasgar compromissos assumidos. Devemos e temos que ter a ousadia e a determinação de incomodar, chamando à atenção, e fazer pensar, quem nos lê, escuta e vê, com uma visão diferente do poder instalado. É importante assinalar outros pontos de vista. Por fim, exigir que nos prestem contas e que expliquem as suas decisões. É isso que vou fazendo, com a minha escrita. Uma Câmara em que constantemente se fala de dívidas deve seguir outro caminho. Como cidadão, prefiro o preço da água mais baixo, IMI mais baixo, ruas e jardins limpos, segurança na via pública com correcta iluminação, entre outras coisas, por exemplo, uma boa programação cultural. Prefiro menos festas e festinhas e melhor qualidade de vida dos cidadãos ao longo do ano. Mais atenção aos cidadãos e menos outras coisas de encher o olho.

FNT – O que o levou a fundar o Clube dos Pensadores?
JJ – Não sei, talvez a minha irreverência. Não gosto muito que me dêem ordens e me digam o que devo fazer. Os partidos são assim que funcionam e eu não tenho pachorra. O gosto por intervir começou tarde na minha vida, mas ainda a tempo. Se não tiveres alguém que te guinde num partido não vais a lado nenhum. Toda a minha vida, nunca gostei de grupos. Um grupo é redutor e há tendência para todos pensarem da mesma maneira. Deste modo, o Clube foi uma forma de intervir para além dos partidos políticos

FNT – Quando escolheu o nome Clube dos Pensadores, o que pretendia?
JJ – Quem escolheu o nome não fui eu, mas sim a minha mulher. A ideia é pôr as pessoas a pensar. Algumas pessoas criticam o nome porque a ideia de pensar não tem que ver com vultos do pensamento, mas unicamente com a simbiose do erudito e popular, independente do grau académico de cada um.

FNT – O que move tantas figuras públicas a aceitarem o seu convite para as conferências do Clube dos Pensadores?
JJ – Não sei. Talvez seja por se tratar de um espaço interessante em que há acção, sem pontos mortos e tempo para falar. Deste modo, não é uma seca. Também penso que se tornou um ponto de referência. Repare que tive todos os candidatos presidenciais!

FNT – O incidente da conferência com Miguel Relvas, a que a televisão deu ênfase, trouxe mais visibilidade ao Clube dos Pensadores?
JJ – Por um lado, sim. Mas o Clube já era conhecido. Desculpe a jactância. Nem tudo que passa na abertura do telejornal é importante.

FNT – Por que razão têm as suas conferências sempre lugar no Hotel Holiday Inn?
JJ – Por uma questão de logística. É perto da minha residência. Mas o poder actual em Gaia não se tem comportado bem com o Clube. O Clube eleva bem alto o nome de Gaia, sem nunca ter um euro do erário público. Mas o poder tem destas coisas, pensa que não exista mais nada para além dele. Eu já vi presidentes da Câmara irem à sua vida e eu continuar. Luís Filipe Menezes sempre teve para comigo um comportamento correcto e irrepreensível. O seu lema era tudo que eleve Gaia bem alto é bem-vindo. Com o actual presidente, o lema é tudo que eleve Gaia para além de dele não é bem-vindo. Estilos e maneiras de ser muito diferentes. Gaia está órfã de Luís Filipe Menezes. Gaia necessita de uma pessoa com savoir faire.

FNT – Escreveu em Março deste ano que em dez anos de Clube de Pensadores aprendeu a ver quem é amigo e quem não é. Pode aclarar o que visava?
JJ – Nestas coisas, que têm grande envolvimento social e visibilidade mediática, há sempre os oportunistas. Eles pensam que eu não estou a ver as suas intenções…

FNT – Disse ainda que aprendeu a ver os interesseiros e que lhe dá jeito dizerem que o conhecem. Pode também falar disso?
JJ – Para esse tipo de pessoas, estar ao meu lado é importante. Acham que sou uma pessoa conhecida, com muitos contactos e influência. Todavia, eu sou a mesma pessoa que iniciou o Clube dos Pensadores. Tinha antes profissão e emprego e nunca utilizei o Clube para o que fosse, para além de informar os cidadãos e dar-lhes voz.

FNT – Como sentiu o elogio de Hélio Bernardo Lopes ao afirmar que o Clube dos Pensadores não tem parado na sua tarefa de levar a muitos portugueses a voz e o pensamento de concidadãos já bastante referentes?
JJ – Não entendi como elogio, mas como crítica, e respeito a sua opinião. Contudo, o Hélio Bernardo, que não conheço pessoalmente, nunca esteve presente num debate. Desafio o Hélio Bernardo a fazer uns debates com as figuras que propõe, terá todo o meu apoio.

FNT – Disse também Hélio Bernardo Lopes que o Clube não abriu ainda as suas portas a portugueses desconhecidos do grande público e que até o próprio não se furtaria a uma intervenção. Acha que pode o poderia convidar?
JJ – É uma ideia a ter em conta. Sabe, há pessoas com elevado nível intelectual, mas não puxam gente para assistir. Não é fácil tirar as pessoas de casa, da sua zona de conforto, para irem ouvir alguém sem ter nada para dar. Nos partidos há lugares nas listas e um possível emprego. O Clube não tem nada para dar, para além de vivências, gratificação moral e querer aprender-se.

FNT – Hélio Bernardo Lopes tem revelado nas suas crónicas diárias que muito tem para dar em sabedoria e experiência moral e social!…
JJ – Se o FNT o diz eu tenho isso em conta. Mas se me permite, o Joaquim Jorge também tem muito para dar em sabedoria, experiência social e em cidadania. O Joaquim Jorge ainda recentemente esteve presente no ISCAP do Porto e na FNAC do Porto para falar da sua experiência. O Joaquim Jorge não é unicamente moderador de debates. O que me diz convidar o Joaquim Jorge para ir dar uma palestra a Carregal do Sal?

FNT – O desafio talvez não caia em saco-roto!…
JJ – E eu fico à espera!…

FNT – Recentemente, escreveu que estamos rodeados de políticos empertigados e que dialogar com um político empertigado é impossível. Pode especificar?
JJ – No Clube dos Pensadores os convidados adaptam-se bem ao estilo formal/informal nos debates. Começa logo pelas pessoas se tratarem pelo nome sem títulos académicos. Eu sou licenciado e as pessoas tratam-me pelo nome. Deste modo, dou logo o exemplo. Temos que deixar-nos de ser um país de doutores a armar aos canudos. As pessoas valem pelo que são, não pelos seus títulos.

FNT – É por isso que também escreveu que a política em Portugal não é excitante, é uma seca?
JJ – A política em Portugal é previsível. Ora agora governas tu, que a seguir vou eu. Ora PS, ora PSD. No poder dizem uma coisa, na oposição dizem outra. Enfim! O meu partido é Portugal. Os interesses partidários passam-me ao lado.

FNT – Parece haver um contra-senso dizer que os interesses partidários passam-lhe ao lado tendo antes dito, para justificar o convite a políticos conhecidos, que nos partidos há lugares nas listas e um possível emprego. Quer clarificar?
JJ – O clube é um open mind, tem um misto de erudito e popular, um misto de partidário e sociedade civil. O importante é o convidado ter um banho de realidade. O clube tem muitos convidados para além dos partidos. Empresários, sindicalistas, músicos, universitários, etc. Porventura, os políticos passem mais na imprensa. O Clube já teve jogadores de futebol, entre os quais Vítor Baía, Drulovic, Ricardo Costa, etc. Teve o músico Pedro Abrunhosa e tantos outros. Justiça seja feita que o Clube dos Pensadores tem contribuído para abertura dos partidos às pessoas e na forma como se deve fazer uma reunião e na sua condução.

FNT – Tem algo a acrescentar, além do que foi questionado?
JJ – Gostava que a política e os seus actores políticos fizessem política de outro modo e de outra forma. O desinteresse e a abstenção devem-se exclusivamente aos políticos, às suas atitudes e comportamentos. As pessoas hoje em dia querem uma relação diferente com a política e os políticos. Se não houver uma aproximação aos cidadãos, a democracia, como a vemos, tem os dias contados. Por fim, muito mais que falar muito, aconselho a falar pelo exemplo. Em vez de dizer, deve-se fazer e praticar. Deixo um conselho ao presidente da Câmara Municipal de Gaia: a liberdade de expressão é o oxigénio das democracias. Parafraseando Augusto Branco, poeta e escritor brasileiro, “os políticos gostam do ideal de liberdade de expressão até o momento em que começam a ouvir aquilo que eles não gostariam que dissessem a respeito deles”.
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Entrevista conduzida por Lino Dias