Fui morar em Caruaru aos
seis meses de idade e saí de lá aos 13 anos, para só voltar em esparsas visitas.
Minha introdução ao mundo deu-se nessa cidade do agreste pernambucano: os
primeiros odores, sons, cores, paladares, texturas. Primeiros convívios,
primeira professora, primeira queda de bicicleta, primeiros amigos profundos
(Maria Laura e Zé Luiz), primeiro alumbramento com a festa de São João.
Acontecia na minha rua e adjacências, sem caixas de som, sem marketing. E não
precisava disso para ser a maior festa do mundo. A Caruaru do trem – janela do
mundo a mostrar-me cercas de avelós, estações ferroviárias pinturescas,
canaviais, até chegar ao litoral, onde me identifiquei para sempre com o
mar.
Caruaru era,
então “cidade pequena, porém decente”. Tornou-se uma indecência como todas as
pequenas cidades brasileiras que viraram travestis de metrópole. Hoje, é grande,
com indicadores de progresso do bom e do ruim: centro educacional e cultural e
repeteco de insegurança e imobilidades urbanas. A cada visita, menos a cidade é
minha. É como se a de hoje e a de ontem fossem cidades distintas, apenas
xarás. Mas a “minha” Caruaru não é apenas “uma fotografia na parede”, como a
nostálgica Itabira de Drummond. É um marco dentro de mim e não dói. Dá gosto de
lembrar. Referenciais ainda de pé na Caruaruzona, que não é o país vislumbrado
por Nelson Barbalho: o irremovível monte do Bom Jesus, a Estação Ferroviária,
meu playground na infância, onde andei de carro de linha e de trolley de vara; a
fachada do Colégio Diocesano, lembrando o antigo “Colégio de dr. Luiz” (Colégio
de Caruaru), onde estudei. Como alucinação, a memória da catedral
monstruosamente demolida para dar lugar a substituta modernosa e sem raiz, o que
fez minha mãe não mais querer visitá-la.
A vida não
anda para trás. Sustenta-me a assertiva de Marc Chagall: “Só é meu o lugar que
se encontra na minha alma”. E não é a Caruaru de hoje. Quais lugares se
encontram na tua alma?
Este texto é dedicado a
caruaruenses da gema: Valéria Barbalho, Malude Maciel e Irmãos
Mastroianni.