12/08/2014

UM LUGAR NA TUA ALMA



 
Tereza Halliday
Fui morar em Caruaru aos seis meses de idade e saí de lá aos 13 anos, para só voltar em esparsas visitas. Minha introdução ao mundo deu-se nessa cidade do agreste pernambucano: os primeiros odores, sons, cores, paladares, texturas. Primeiros convívios, primeira professora, primeira queda de bicicleta, primeiros amigos profundos (Maria Laura e Zé Luiz), primeiro alumbramento com a festa de São João.  Acontecia na minha rua e adjacências, sem caixas de som, sem marketing. E não precisava disso para ser a maior festa do mundo.  A Caruaru do trem – janela do mundo a mostrar-me cercas de avelós, estações ferroviárias pinturescas, canaviais, até chegar ao litoral, onde me identifiquei para sempre com o mar.

            Caruaru era, então “cidade pequena, porém decente”. Tornou-se uma indecência como todas as pequenas cidades brasileiras que viraram travestis de metrópole. Hoje, é grande, com indicadores de progresso do bom e do ruim: centro educacional e cultural e repeteco de insegurança e imobilidades urbanas. A cada visita, menos a cidade é minha.   É como se a de hoje e a de ontem fossem cidades distintas, apenas xarás.  Mas a “minha” Caruaru não é apenas “uma fotografia na parede”, como a nostálgica Itabira de Drummond. É um marco dentro de mim e não dói. Dá gosto de lembrar. Referenciais ainda de pé na Caruaruzona, que não é o país vislumbrado por Nelson Barbalho: o irremovível monte do Bom Jesus, a Estação Ferroviária, meu playground na infância, onde andei de carro de linha e de trolley de vara; a fachada do Colégio Diocesano, lembrando o antigo “Colégio de dr. Luiz” (Colégio de Caruaru), onde estudei.  Como alucinação, a memória da catedral monstruosamente demolida para dar lugar a substituta modernosa e sem raiz, o que fez minha mãe não mais querer visitá-la.

            A vida não anda para trás. Sustenta-me a assertiva de Marc Chagall: “Só é meu o lugar que se encontra na minha alma”. E não é a Caruaru de hoje. Quais lugares se encontram na tua alma?


Este texto é dedicado a caruaruenses da gema: Valéria Barbalho, Malude Maciel e Irmãos Mastroianni.