Francisco Azevedo Brandão |
«A resistência , antes de mais um estado de espírito, parece ganhar o primado na análise da conjuntura complexa de fatores sociais, culturais, políticos, económicos, religiosos, de conhecimento ou desconhecimento dos outros.
Para sublinhar a importância da resistência, recorde-se a rebelião dos devedores, que nos EUA, por 1876, se traduziu em que os fazendeiros endividados de Massachusetts organizaram uma melícia de 1500 homens para evitarem a confiscação do seu gado e terras. Quando Jefferson respondeu de Paris à sua angustiada amiga Abigail Adams, que o espírito de resistência ao governo é tão valioso em certas ocasiões que desejo que ele seja sempre mantido vivo, não estava a prever as guerras assimétricas, não avaliou a derrota de Napoleão na Península Ibérica, e não previu os desastres posteriores à guerra fria.
De facto, as solidariedades transnacionais, e os objetivos dos deserdados da fortuna, ou da liberdade política, ou dos direitos humanos, ou dos que guardam a memória da falta de segurança dos seus direitos, dão lugar ao conceito de multidão que Hardt e Negri utilizaram, não para referir as multidões demoníacas, mas para referir a fé, mais que tendência, na linguagem de Michel Foucault, e que se traduz na existência de múltiplas redes que desafiam os modelos militares soberanos ou imperiais, porque também de facto são militares sem qualquer legitimidade reconhecida pelo direito vigente, incluindo organizações de solidariedade contra o tráfego das pessoas, contra a utilização das crianças na guerra, contra os governos depóticos, como está acontecendo no turbilhão do Mediterrâneo, ou aluta ainda mal iniciada para que a engenharia económica e financeira, que levou ao desastre atual, seja obrigada a reconhecer a ética, como doutrinou Amartya Sem.
Uma nova rebelião dos devedores , agora em termos transnacionais, transculturais, legitimada e sustentada pela multidão atingida pelos efeitos de políticas em que não participou, e só conheceu pelos efeitos, pode aprofundar uma nova temática da polemologia, de perspetiva universal e fora dos quadros legais existentes, mas ultrapassados pelos factos dolorosos que lhe não reconhecem ainda a legitimidade».
*texto de Adriano Moreira -«Memórias do Outono Ocidental – Um Século Sem Bússola». Almedina Editora