01/07/2013

O FUTURO DO ULTRAMAR

Miguel Mota
Foram os portugueses habituados a ouvir, sem possibilidade de discussão, o dogma do Portugal indivisível em que – dizia-se mas nem sequer se fazia – as
províncias estavam todas em igualdade de condições e os seus cidadãos, qualquer que fosse a sua cor da pele, ou credo, ou local de nascimento, orgulhosos de serem portugueses. É legítimo pôr em causa essa afirmação, como qualquer afirmação em que a prova e contraprova sejam proibidas e impedidas à força.
Mas, pelas, mesmas razões, não é legítimo afirmar que o Ultramar português não quer ser parte de Portugal, especialmente quando, embora desde o 25 de Abril, não haja a força a impedi-las, não houve ainda tempo para fazer a prova e a contraprova.

Se não é legítimo decidir, «a priori», em favor de uma ou outra destas posições, muito menos legítimo é decidir, não só que o Ultramar não quer ser parte Portugal, mas que «deve» ser imediatamente entregue aos outros grupos armados – indiscutivelmente armados por países estrangeiros – que de uma forma ou de outra e com escasso apoio das populações de que se dizem campeões, têm lutado contra Portugal.

Que razões se podem invocar para entregar a esses grupos o domínio de vastos territórios e alguns milhões de cidadãos? Que democratas são esses que, tendo passado anos a clamar por eleições livres, como a única forma de decidir o destino dos povos, berram agora que alguns povos devem ser entregues a uns grupos que não são o resultado de eleições, de um plebiscito, de um referendo? Se pensarmos que esses povos são grupos heterogéneos, que foram aglutinados por uma presença portuguesa de alguns séculos; se pensarmos que neles se incluem alguns centos de milhares de brancos, nascidos na metrópole ou em África – alguns com várias gerações de África – e muitas centenas de milhares de mestiços em vários graus, resultado de uma miscegenação intensa; se pensarmos que muitos desses homens, pelo menos, e de todos os grupos, se consideram portugueses, há que concluir que a entrega do conjunto a qualquer grupo que não seja resultante de um plebiscito livre e consciente é uma traição que a Metrópole não tem o direito de cometer. Que a Metrópole não tem o direito de cometer, sejam quais forem as pressões internacionais.
 Bem sabemos nós as razões das pressões internacionais, particularmente americanas, russas, chinesas ou de quaisquer satélites daqueles três países. Nenhum deles vem pugnando pelos interesses e liberdades dos povos do Portugal ultramarino, mas antes são movidos por outras razões.
Ainda há bem poucos anos a descriminação racial era nos Estados Unidos algo fantasticamente diferente do que havia em Angola, por exemplo. Amando os Estados Unidos, um país onde vivi e trabalhei um total de perto de cinco anos e onde tenho numerosíssimos amigos, não posso deixar de mencionar que no ano de 1957-58, que vivi no estrado de Tennessee, tive ocasião de ver o que era, nessa altura, a superioridade portuguesa em matéria de preconceitos raciais.

Quanto aos países do Leste, mormente a Rússia e a China, porque será que não aplicam em casa aquilo que apregoam para fora? Lembram-se da Hungria em 1956? Lembram-se da Checoslováquia em 1968? Porque existirá em Berlim o muro da vergonha?

Claro que as imensas potencialidades económicas e estratégicas do Ultramar português não podem deixar de tentar qualquer grande potência …

Noutros casos a fúria anti-Portugal é apenas o resultado de uma dor que o povo costuma chamar «de cotovelo». Países que foram grandes colonialistas e que, por motivo do seu tipo de actuação, foram corridos logo que o após-guerra a isso deu azo, sentem uma certa inveja de Portugal continuar a existir quase intacto em 1974. E o «quase» aparece aqui porque uma das parcelas – o Estado da Índia – foi conquistado pelo enorme vizinho do lado que, não tendo, ao longo dos vários anos, conseguido convencer os goeses a deixarem Portugal, e atropelando todas as suas hipócritas afirmações de paz resolveu invadi-la e conquistá-la militarmente. Como a França conquistaria o Luxemburgo ou o Mónaco se a isso resolvesse meter ombros.
Verifica-se ainda o estúpido facto de ser espantoso o desconhecimento do mundo em relação ao Ultramar português. Uma fantástica propaganda, facciosa e mentirosa vem, desde o fim da guerra, inundando o Mundo inteiro. Sou testemunha do que é essa ignorância e do espanto que muitos estrangeiros mostram quando são postos perante muitos factos que ignoravam ou quando visitam o Ultramar português. E a culpa desse facto, se é em parte, de quem faz a propaganda mentirosa, também o é – e muito – dos governos de Salazar e Marcelo Caetano, que nem souberam, para defesa da política que apregoaram, usar os elementos válidos de que dispunham. Permitam-me que transcreva, de um artigo quer publiquei, há cinco anos, no «Jornal do Comércio» de 4/5 de Janeiro de 1969, os seguintes parágrafos:

… «É também claro que a essa propaganda poderia – e deveria – opor-se outra propaganda, melhor dizendo, Informação bem elaborada e fornecida em doses maciças por Portugal. O que fazemos nesses ponto é muitíssimo pouco e manifestamente insuficiente. Dessa nossa deficiência         advém muito do êxito da propaganda contrária.
… … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … …
Pois só a conquista de Goa, a nossa Emissora Nacional iniciou um modesto programa para o estrangeiro! Há muito não compreendo como Portugal se pode dar ao luxo de não lançar para o ar, diariamente, 50 ou 60 horas de emissão radiofónica em 20 ou 30 línguas diferentes. Tem-nos custado bem cara essa «economia».
Para termo de comparação, basta dizer que a Suécia, por exemplo, tem uma emissão diária em Português, e já há mais de 12 anos fui entrevistado pela secção portuguesa da rádio japonesa.»

Das afirmações da Junta de Salvação Nacional podemos concluir que ela não consentirá qualquer tentativa de entrega do Ultramar aos grupos de guerrilheiros e que, pelo contrário, promoverá uma consulta democrática para que a população de cada uma das actuais províncias decida o seu futuro.
Poderá dizer-se que essas províncias têm vindo a ansiar pela liberdade. Evidentemente! Muitas vezes – antes do 25 de Abril – eu referi que achava perfeitamente natural que um português – de qualquer cor – em Luanda ou em Bissau, desejasse uma liberdade que não tinha! A liberdade por que todos os portugueses, afinal, ansiavam!

Mas isso não quer, necessariamente, dizer que qualquer desses territórios, liberto de uma e dominação económica e política, pretenda isolar-se do conjunto. Pode ser que, pesadas as vantagens – reais – de Portugal ser este conjunto que ainda é, mas numa comunidade REALMENTE igual, com ênfase na promoção das populações mais atrasadas – tanto no Ultramar como na Metrópole – com activa participação nos governos locais e no governo do País, alguns – ou todos – desses territórios QUEIRAM ser parte de Portugal, segundo estatuto a definir. Com que direito, então, alguns da Metrópole os expulsariam da sua Pátria?

            De um extremismo de proibição, aos jornais, de falar na hipótese de separação do Ultramar, estou a ver, nos mesmos jornais – mas agora livres da censura do Governo -, uma enorme predominância da ideia da entrega do Ultramar aos movimentos dos guerrilheiros. Não creio que isso seja o reflexo da opinião da grande maioria dos metropolitanos e essa irresponsabilidade da Grande Imprensa pode dar ao Ultramar uma falsa ideia do que aqui se passa e fazer nascer graves e injustos ressentimentos.

            Até ao dia 25 de Abril os movimentos dos guerrilheiros tinham a sua justificação no facto de ser essa a única maneira de fazerem ouvir a sua voz. Mas, agora, podem bater-se democraticamente pelas suas ideias, em confronto com quaisquer outras que porventura existam na Guiné, em Angola, em Moçambique. Por isso o ataque pelas armas não tem razão, a não ser que esses movimentos não estejam interessados em autodeterminação, nem em democracia, mas apenas em impor a sua vontade, mesmo que ela vá contra a opinião da maioria. Nesse caso, têm que ser drasticamente repudiados por Portugal, pela comunidade internacional e pelas Nações Unidas, em obediência aos princípios que se apregoam.

            É óbvio que a guerra, com uma política aberta como a da Junta de Salvação Nacional, há muito já deveria ter acabado. Mas se acredito que alguns dos desertores abandonaram o País por não concordarem com essa mesma guerra, afigura-se-me provável que a grande maioria deles fugiu, pura e simplesmente, com medo e fá-lo-ia em qualquer caso e com qualquer tipo de guerra. Esses, podem ficar pelo estrangeiro; não merecem o nome de portugueses e certamente não são dignos de enfileirar ao lado das fardas que fizeram o 25 de Abril. A quase glorificação dos desertores parece-me igualmente algo que soa a falso na Imprensa diária.


            Todos estes pontos que levantei me parecem ser – além do programa da Junta de Salvação Nacional – a opinião da maioria dos portugueses. Mas é preciso que essa maioria não seja silenciosa e grite bem alto a sua opinião. É preciso que essa voz seja ouvida no Ultramar e que a Junta de Salvação nacional sinta o seu apoio. E – talvez acima de tudo – é preciso que ela indique, insofismavelmente, ao Governo Provisório –que não foi eleito, mas apenas escolhido segundo as tendências que à Junta se revelaram – qual a linha de rumo que o País deseja que ele siga
 texto de 25 de Maio de 1974