24/06/2013

O FUTURO DE PORTUGAL

Miguel Mota
          A hora é certamente de regozijo para todos aqueles que amam a liberdade e sempre pensaram que Portugal devia contar-se entre os países civilizados do Mundo. Não podem regatear-se elogios e agradecimentos aqueles que, tudo arriscando, particularmente a vida e a liberdade, levaram a cabo, duma forma tão bela, aquilo que para muitos parecia impossível ou longínquo.

            É altura, agora, de meditar nalguns aspectos muito graves, para evitar, pelo menos, cair em erros idênticos a outros cometidos no passado ou em erros novos que, por estarem à vista, se tornam inevitáveis.

            A população, em massa, demonstrou um equilíbrio e uma grande moderação, que muitos não julgariam possíveis. Mas na euforia dos primeiros momentos e numa reacção compreensível, cometeram-se alguns desmandos, certamente reprováveis. Se muitos deles foram espontâneos e «inocentes», não seriam outros friamente preparados por quem tem interesse em que Portugal não seja um país calmo e civilizado?

            A Junta de Salvação Nacional e as Forças Armadas tiveram um comportamento inexcedível. E nesse magnífico exemplo devemos encontrar a causa do bom comportamento da população. Mas a tarefa não está terminada e é dever de todos nós dar a ajuda necessária para a construção do futuro.

            A massa do povo reagiu muito bem – porque, certamente, não estava satisfeita com o que tinha. Mas ela não é capaz de executar. Ela só se manifesta (quando pode) contra ou a favor do que está e (nos regimes democráticos) entregando um mandato a quem melhor a convenceu de que vai executar bem. Nos países com longa tradição democrática e na ausência de golpes de Estado de qualquer proveniência há sempre a possibilidade de, passado um determinado período de tempo, emendar a mão se acaso a massa se enganou. Mas se, entretanto, se criou um sistema que tal lho impede, isso pode representar muitas dezenas de anos de mais ou menos drástica falta de liberdade. A História mostra-nos que tais sistemas tanto podem vir duma extrema direita como duma extrema esquerda.

         Não creio que seja desejável termos um Nurenberg português, ou seja, uma feroz «caça» aos homens do antigo regime. Mas também não creio que seja de aceitar que qualquer dos que, pelos seus actos, até 25 de Abril, nos mostraram bem o que são, venha a infiltrar-se nos novos quadros. É preciso que o País, muito firmemente faça terminar a carreira daqueles que já mostraram que o seu objectivo não é servir, mas sim, servir-se, a si e aos amigos.

            Não tenhamos quaisquer dúvidas: muitos deles hão-de vir agora, hipocritamente, se necessário chorando lágrimas de crocodilo, dizer como sempre estiveram em desacordo com o anterior regime – para colherem os benefícios que puderem e que a liberdade actual facilitará. Se não convém que haja rancores, se é mesmo conveniente esquecer muitos agravos, não deverão ser olvidados os actos cometidos ao longo destas décadas, para que os seus responsáveis não tenham oportunidade para os repetir. Há que julgar os homens pelos seus actos passados e não pelo que prometem para o futuro. É tão fácil prometer …

             Por outro lado, vão também aparecer alguns políticos a apresentar os seus programas – aliciantes, sem dúvida – mais ou menos abertamente apoiados em Moscovo ou Pequim … É preciso que os futuros eleitores meditem neste facto muito simples: aquelas liberdades e aquilo que esses políticos prometem não existem – nem na Rússia, nem na China, os países em que eles se inspiram, em que se apoiam e de que por vezes recebem ordens.

            Assistimos com júbilo à libertação dos presos políticos das prisões portuguesas. Os nossos camaradas russos ainda não tiveram essa alegria – e oxalá a tenham em breve.

            À senha que encarniçou alguns portugueses contra os ex-agentes da polícia política será a mesma que mostrarão muitos honestos cidadãos russos quando lhes for dada idêntica oportunidade – e oxalá também a tenham em breve.

            O direito à greve é reconhecido em todos os países democráticos: Mas não o era em Portugal, como não o é na Rússia ou na China …

            O cidadão português tinha sérias limitações na sua liberdade e via ser-lhe coarctado pela censura o acesso a parte da informação. Mas na Rússia e na China essas liberdades nem existem…

            Depois da experiência que tivemos, como é que o produto exportado por esses países nos pode servir?

            Estou, com estas palavras, a agitar o papão comunista, como os do antigo regime faziam? Claro que não! Estou apenas a chamar a atenção para aqueles factos irrefutáveis.

            Estou a defender o regime de Salazar e Marcelo Caetano? Certamente que não! Ao longo de mais de 25 anos, bastante critiquei e alguma coisa ficou em escritos que falam por si.

            Mas, por isso, não estou interessado em voltar a ter o mesmo – ou pior – seja com que rótulo for.

            Receios infundados? É impossível tal coisa acontecer? Além dos variados exemplos que há pelo mundo, eu já vi a actuação de alguns «democratas» portugueses, sempre que a oportunidade se lhes ofereceu … Portugal vai ter que saber distinguir entre os verdadeiros democratas e aqueles para quem a democracia é «para uso externo».

            É maravilhoso derrubar uma ditadura dum dos extremos. Seria trágico se lhe seguisse outra, de qualquer dos extremos.

            A massa dos eleitores portugueses vai ter que participar – e participar com muita ponderação. Estou habituado a ver, em muitos campos, a actividade concentrar-se apenas nos extremistas – dos dois lados – não sendo raro que a grande maioria, do centro, equilibrada e honesta, fique apática e calada, o que já fez nascer o nome de «maioria silenciosa». Pois é essa maioria, habitualmente silenciosa, na realidade um grande conjunto de portugueses de boa vontade, que precisa de dinamizar-se – e não estar à espera de «ser dinamizada» - para não sofrer depois as consequências más que lhe serão impostas por uma minoria extremista. E convém não esquecer que qualquer dessas minorias extremistas não precisa de muito para se firmar no Poder. Logo que consegue ocupar algumas posições-chave, muda as regras de jogo e acaba com a democracia. Os exemplos    dos dois lados, repito    são já bem numerosos pelo Mundo …

          A extraordinária obra realizada desde 25 de Abril é só o começo da tarefa. Há que consolidar e criar, ao longo de um ano, um sistema que nos garanta um futuro estável, normal, verdadeiramente democrático.

Vai haver quem ache estranho, neste momento de vitória e euforia, levantar «espantalhos» que aparecem como nuvens negras num céu de límpido azul. Mas se queremos um exemplo, não temos sequer que o ir buscar ao estrangeiro. É preciso não esquecer que o 28 de Maio, a revolução de 1926, foi tão simples como a de 1974 e recebeu igualmente delirantes aclamações de um povo que também não estava nada satisfeito com o que tinha. Foi tal e qual! Depois é que se descambou no que se viu …

É enorme a responsabilidade da Junta de Salvação Nacional, em relação a esse ponto. Se, depois de feita, a revolução até parece ter sido fácil – muito mais fácil e muito mais «limpa» do que a maioria poderia imaginar - a verdade é que a tarefa do pós-revolução vai ser tremendamente difícil. Há que garantir que a História não se repita e que o 25 de Abril não seja igual ao 28 de Maio – ou algo do estilo, seja da esquerda, seja da direita. Seria, realmente, muito triste se daqui a 48 anos tivesse que haver um outro Movimento das Forças Armadas.

Viva PORTUGAL!

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texto escrito em ,4 de Maio de 1974