Miguel Mota |
É
altura, agora, de meditar nalguns aspectos muito graves, para evitar, pelo
menos, cair em erros idênticos a outros cometidos no passado ou em erros novos
que, por estarem à vista, se tornam inevitáveis.
A
população, em massa, demonstrou um equilíbrio e uma grande moderação, que
muitos não julgariam possíveis. Mas na euforia dos primeiros momentos e numa
reacção compreensível, cometeram-se alguns desmandos, certamente reprováveis.
Se muitos deles foram espontâneos e «inocentes», não seriam outros friamente
preparados por quem tem interesse em que Portugal não seja um país calmo e
civilizado?
A
Junta de Salvação Nacional e as Forças Armadas tiveram um comportamento
inexcedível. E nesse magnífico exemplo devemos encontrar a causa do bom
comportamento da população. Mas a tarefa não está terminada e é dever de todos
nós dar a ajuda necessária para a construção do futuro.
A
massa do povo reagiu muito bem – porque, certamente, não estava satisfeita com
o que tinha. Mas ela não é capaz de executar. Ela só se manifesta (quando pode)
contra ou a favor do que está e (nos regimes democráticos) entregando um
mandato a quem melhor a convenceu de que vai executar bem. Nos países com longa
tradição democrática e na ausência de golpes de Estado de qualquer proveniência
há sempre a possibilidade de, passado um determinado período de tempo, emendar
a mão se acaso a massa se enganou. Mas se, entretanto, se criou um sistema que
tal lho impede, isso pode representar muitas dezenas de anos de mais ou menos
drástica falta de liberdade. A História mostra-nos que tais sistemas tanto podem
vir duma extrema direita como duma extrema esquerda.
Não
tenhamos quaisquer dúvidas: muitos deles hão-de vir agora, hipocritamente, se
necessário chorando lágrimas de crocodilo, dizer como sempre estiveram em
desacordo com o anterior regime – para colherem os benefícios que puderem e que
a liberdade actual facilitará. Se não convém que haja rancores, se é mesmo
conveniente esquecer muitos agravos, não deverão ser olvidados os actos
cometidos ao longo destas décadas, para que os seus responsáveis não tenham
oportunidade para os repetir. Há que julgar os homens pelos seus actos passados
e não pelo que prometem para o futuro. É tão fácil prometer …
Por outro lado, vão também aparecer alguns
políticos a apresentar os seus programas – aliciantes, sem dúvida – mais ou
menos abertamente apoiados em Moscovo ou Pequim … É preciso que os futuros
eleitores meditem neste facto muito simples: aquelas liberdades e aquilo que
esses políticos prometem não existem – nem na Rússia, nem na China, os países
em que eles se inspiram, em que se apoiam e de que por vezes recebem ordens.
Assistimos
com júbilo à libertação dos presos políticos das prisões portuguesas. Os nossos
camaradas russos ainda não tiveram essa alegria – e oxalá a tenham em breve.
À
senha que encarniçou alguns portugueses contra os ex-agentes da polícia
política será a mesma que mostrarão muitos honestos cidadãos russos quando lhes
for dada idêntica oportunidade – e oxalá também a tenham em breve.
O
direito à greve é reconhecido em todos os países democráticos: Mas não o era em
Portugal, como não o é na Rússia ou na China …
O
cidadão português tinha sérias limitações na sua liberdade e via ser-lhe
coarctado pela censura o acesso a parte da informação. Mas na Rússia e na China
essas liberdades nem existem…
Depois
da experiência que tivemos, como é que o produto exportado por esses países nos
pode servir?
Estou,
com estas palavras, a agitar o papão comunista, como os do antigo regime
faziam? Claro que não! Estou apenas a chamar a atenção para aqueles factos
irrefutáveis.
Estou a defender o regime de Salazar
e Marcelo Caetano? Certamente que não! Ao longo de mais de 25 anos, bastante
critiquei e alguma coisa ficou em escritos que falam por si.
Mas,
por isso, não estou interessado em voltar a ter o mesmo – ou pior – seja com
que rótulo for.
Receios
infundados? É impossível tal coisa acontecer? Além dos variados exemplos que há
pelo mundo, eu já vi a actuação de alguns «democratas» portugueses, sempre que
a oportunidade se lhes ofereceu … Portugal vai ter que saber distinguir entre
os verdadeiros democratas e aqueles para quem a democracia é «para uso
externo».
É
maravilhoso derrubar uma ditadura dum dos extremos. Seria trágico se lhe
seguisse outra, de qualquer dos extremos.
A
massa dos eleitores portugueses vai ter que participar – e participar com muita
ponderação. Estou habituado a ver, em muitos campos, a actividade concentrar-se
apenas nos extremistas – dos dois lados – não sendo raro que a grande maioria,
do centro, equilibrada e honesta, fique apática e calada, o que já fez nascer o
nome de «maioria silenciosa». Pois é essa maioria, habitualmente silenciosa, na
realidade um grande conjunto de portugueses de boa vontade, que precisa de
dinamizar-se – e não estar à espera de «ser dinamizada» - para não sofrer
depois as consequências más que lhe serão impostas por uma minoria extremista.
E convém não esquecer que qualquer dessas minorias extremistas não precisa de
muito para se firmar no Poder. Logo que consegue ocupar algumas posições-chave,
muda as regras de jogo e acaba com a democracia. Os exemplos – dos
dois lados, repito – são já bem numerosos pelo Mundo …
Vai haver quem ache
estranho, neste momento de vitória e euforia, levantar «espantalhos» que
aparecem como nuvens negras num céu de límpido azul. Mas se queremos um exemplo,
não temos sequer que o ir buscar ao estrangeiro. É preciso não esquecer que o
28 de Maio, a revolução de 1926, foi tão simples como a de 1974 e recebeu
igualmente delirantes aclamações de um povo que também não estava nada
satisfeito com o que tinha. Foi tal e qual! Depois é que se descambou no que se
viu …
É enorme a
responsabilidade da Junta de Salvação Nacional, em relação a esse ponto. Se,
depois de feita, a revolução até parece ter sido fácil – muito mais fácil e
muito mais «limpa» do que a maioria poderia imaginar - a verdade é que a tarefa
do pós-revolução vai ser tremendamente difícil. Há que garantir que a História
não se repita e que o 25 de Abril não seja igual ao 28 de Maio – ou algo do estilo,
seja da esquerda, seja da direita. Seria, realmente, muito triste se daqui a 48
anos tivesse que haver um outro Movimento das Forças Armadas.
Viva PORTUGAL!
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texto escrito em ,4 de Maio de 1974