07/05/2013

O HEREGE E O BISPO

Tereza Halliday*
No artigo “Habemus Bispo” (DP 25/3/2013, p.C5), Valéria Barbalho narrou a chegada do primeiro bispo de Caruaru, Pe: D. Paulo Hipólito de Souza Libório. Atiçou-me lembranças adormecidas desde a infância.  Dele ouvi falar que era muito vaidoso, amava a pompa do seu cargo, estendia ostensivamente a mão aos fiéis para que beijassem seu anel episcopal.

Foi esse bispo que recebeu a visita de um dos militantes da campanha em prol da construção do Hospital Infantil Jesus Nazareno: maçom e espírita kardecista, era pois, um “herege”. Segundo o dicionário, “pessoa que professa ideias contrárias ao que foi definido pela Igreja como sendo matéria de fé; pessoa que defende ideias divergentes de determinado grupo religioso dominante”. Segundo os ditames da Igreja Católica de então (antes do Concílio Vaticano II) esse homem qualificava-se para excomunhão - ele e seus “irmãos” da Loja Maçônica Dever e Humanidade, na qual chegara ao grau 30.  Haviam conseguido o apoio dos rotarianos e de comerciantes destacados da cidade – carolas, crentes (hoje, “evangélicos”), agnósticos, comunistas. Também tiveram grande sucesso com a “Campanha da Garrafa”, precursora da reciclagem. Mobilizou toda a cidade a doar frascos de vidro, que foram revendidos, resultando em mais fundos para a construção do hospital.

 A causa do hospital infantil era maior do que diferenças religiosas e partidárias. Obter o apoio de D. Paulo seria muito benéfico, principalmente durante a famosa Festa do Comércio, evento de fim de ano em frente à Igreja da Conceição. A conversa entre o bispo e o herege foi afável. Ficou assegurado o apoio da “Santa Madre Igreja” (como os fieis eram ensinados a chamar), para um hospital beneficente cujo nome homenageava o Cristo. Na despedida, apertaram-se as mãos e o bispo disse, amigavelmente: “O senhor é jovem. Ainda tenho esperança em sua conversão”. Esperou em vão.

O interlocutor de D. Paulo era crítico do “fausto do Vaticano”, mas tinha profundo respeito e empatia por padres e freiras que, humildemente, dedicavam suas vidas a ajudar os mais fracos e pobres. Tinha princípios e hábitos que em nada desonrariam igrejas e grupos que alegam seguir Jesus de Nazaré: era honesto e compassivo, ajudava os outros em segredo, deplorava ostentações, tratava subordinados com mansidão, granjeando o respeito e a estima de todos os que trabalharam com ele. Como voluntário, foi de extrema dedicação aos velhinhos da Casa dos Pobres São Francisco de Assis, que ajudou a construir.  Sabia de cor a prece atribuída a esse reverenciado cristão: “Faze de mim instrumento da tua paz... onde houver ódio, que eu leve o amor... onde houver desespero, que eu leve a esperança... onde houver tristeza, que eu leve a alegria (dançava com as velhinhas do abrigo!)... onde houver discórdia que eu leve a união” (várias vezes, agiu como conciliador).  Pelo exemplo, mais que por palavras, esse herege me deu excelentes lições de cristianismo.  Era meu pai.
*brasileira de Pernambuco, artesã de textos