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Tereza Halliday* |
No artigo “Habemus
Bispo” (DP 25/3/2013, p.C5), Valéria Barbalho narrou a chegada do primeiro bispo
de Caruaru, Pe: D. Paulo Hipólito de Souza Libório. Atiçou-me lembranças
adormecidas desde a infância. Dele ouvi falar que era muito
vaidoso, amava a pompa do seu cargo, estendia ostensivamente a mão aos fiéis
para que beijassem seu anel episcopal.
Foi esse bispo que
recebeu a visita de um dos militantes da campanha em prol da construção do
Hospital Infantil Jesus Nazareno: maçom e espírita kardecista, era pois, um
“herege”. Segundo o dicionário, “pessoa que professa ideias contrárias ao que
foi definido pela Igreja como sendo matéria de fé; pessoa que defende ideias
divergentes de determinado grupo religioso dominante”. Segundo os ditames da
Igreja Católica de então (antes do Concílio Vaticano II) esse homem
qualificava-se para excomunhão - ele e seus “irmãos” da Loja Maçônica Dever e
Humanidade, na qual chegara ao grau 30. Haviam conseguido o apoio
dos rotarianos e de comerciantes destacados da cidade – carolas, crentes (hoje,
“evangélicos”), agnósticos, comunistas. Também tiveram grande sucesso com a
“Campanha da Garrafa”, precursora da reciclagem. Mobilizou toda a cidade a doar
frascos de vidro, que foram revendidos, resultando em mais fundos para a
construção do hospital.
A causa do
hospital infantil era maior do que diferenças religiosas e partidárias. Obter o
apoio de D. Paulo seria muito benéfico, principalmente durante a famosa Festa do
Comércio, evento de fim de ano em frente à Igreja da Conceição. A conversa entre
o bispo e o herege foi afável. Ficou assegurado o apoio da “Santa Madre Igreja”
(como os fieis eram ensinados a chamar), para um hospital beneficente cujo nome
homenageava o Cristo. Na despedida, apertaram-se as mãos e o bispo disse,
amigavelmente: “O senhor é jovem. Ainda tenho esperança em sua conversão”.
Esperou em vão.
O interlocutor de D.
Paulo era crítico do “fausto do Vaticano”, mas tinha profundo respeito e empatia
por padres e freiras que, humildemente, dedicavam suas vidas a ajudar os mais
fracos e pobres. Tinha princípios e hábitos que em nada desonrariam igrejas e
grupos que alegam seguir Jesus de Nazaré: era honesto e compassivo, ajudava os
outros em segredo, deplorava ostentações, tratava subordinados com mansidão,
granjeando o respeito e a estima de todos os que trabalharam com ele. Como
voluntário, foi de extrema dedicação aos velhinhos da Casa dos Pobres São
Francisco de Assis, que ajudou a construir. Sabia de cor a prece
atribuída a esse reverenciado cristão: “Faze de mim instrumento da tua paz...
onde houver ódio, que eu leve o amor... onde houver desespero, que eu leve a
esperança... onde houver tristeza, que eu leve a alegria (dançava com as
velhinhas do abrigo!)... onde houver discórdia que eu leve a união”
(várias vezes, agiu como conciliador). Pelo exemplo, mais que por
palavras, esse herege me deu excelentes lições de cristianismo.
Era meu pai.
*brasileira de Pernambuco, artesã de textos