06/01/2013

A liberdade fundamental



Miguel Mota 
“Com o 25 de Abril alcançou-se a liberdade” escreveu Velez Correia no Linhas de Elvas de 13/12/2012.

Faltou acrescentar liberdade “de expressão” que agora, em Portugal, inclui o “direito” de insultar e o “direito” de apedrejar. Tal como a quase totalidade dos portugueses, ao falar de liberdades, ignora aquela que é fundamental para um sistema ser considerado democrático.

Por definição, democracia é o sistema em que o poder político (deliberadamente ou por ignorância, as pessoas esquecem-se de acrescentar esta característica) não reside numa ou num reduzido número de pessoas, mas nos cidadãos, a que se acrescenta a limitação de “maiores de 18 anos”. A democracia é uma forma de governo e só se aplica em situações em que todos os membros duma comunidade têm todos os mesmos direitos. Aplica-se numa sociedade científica ou recreativa (nalgumas só os sócios efectivos têm o direito de voto) e nas nações que são democráticas. Não se aplica nas comunidades onde há uma hierarquia, como uma escola, um exército ou um hospital. Não se vota a forma de tratar um doente; faz-se o que o médico determina. Num exército o general manda mais que um coronel, este mais que um capitão e este mais que um sargento. Numa escola, não se votam a notas a dar a cada aluno; é o professor quem decide. Os que falam em “democratização do ensino” o que querem dizer é generalização do ensino ou algo semelhante.

Em democracia, sendo os cidadãos maiores de 18 anos os donos do poder político, a sua principal liberdade é a de decidir em qual ou quais dos seus concidadãos vão delegar esse poder, pelo voto, para, por delegação sua, repito, alguns irem legislar e governar, pois não é possível consultar todos -  excepto em raros casos de muito grande importância – para todas as decisões a tomar.

Essa democracia existe em Portugal apenas para a eleição do Presidente da República. Candidata-se quem o deseja e os partidos limitam-se a apoiar o candidato que entenderem. Os que fizeram esta Constituição nada democrática devem ter deixado essa democracia porque se trata dum cargo de grande projecção e escasso poder. O veto presidencial de nada vale – só o pedem os que mostram não conhecer a Constituição – porque, para um diploma vetado ser suplantado pela Assembleia da República, em vez de exigir uma maioria qualificada – como sucede nos países com Constituição decente – apenas exige a maioria simples que, obviamente, volta a aprova-lo.

Para as autarquias abriu-se aquilo que já designei por “uma pequena janela democrática”: é possível, também (eu queria que fosse exclusivamente), candidatarem-se quaisquer cidadãos com, naturalmente, um certo número de apoiantes do círculo respectivo, para não haver um exagerado número de candidatos em quem quase ninguém votaria. Como se sabe, isso já deu bons resultados em vários concelhos.

Para a Assembleia da República, as eleições mais importantes, pois delas depende o legislativo e o executivo, o sistema está perfeitamente blindado. Os cidadãos não se podem candidatar a deputados – em democracia, certamente que podem – e quando vão votar, para delegar o que seria exercer o seu poder político, não o podem fazer livremente mas apenas em quem meia dúzia de ditadores decidiu que seriam candidatos. Era disso que eu principalmente me queixava na anterior ditadura, algo bem mais importante, para o país ter democracia, do que aquela estúpida censura, que nem era capaz de impedir a divulgação do que se desejava. As pessoas que dizem – e escrevem – que os deputados foram eleitos pelo povo mostram não saber que estão ali porque foram eleitos pelos chefes dos partidos, que decidiram que eles seriam candidatos. O povo apenas teve licença de escolher alguns dos que os partidos lhes apresentam – e em listas de ordem fixa!

Os portugueses, coitados, julgam que, porque podem protestar, estão em democracia. Vão para casa satisfeitos porque protestaram, sem verem que nada da política mudaram.

Este governo é uma desgraça. Mas, de houver eleições, apenas podem tirar o PSD e ... pôr no governo o PS que, é bom não esquecer, foi quem afundou as finanças – tirando aos pobres e remediados para dar aos ricos – e submeteu o país à vergonha da troika! Não podem eleger algumas das pessoas competentes e honestas que ainda existem em Portugal. Se, em vez desta ditadura, tivéssemos democracia, certamente podiam.