Preocupa-me
que a capacidade de propagação viral da televisão venha a legitimar formas de expressão
que me soam incorretas (digo soam e não que o são porque, porventura, neste
momento até já podem estar a ser integradas no léxico português, sem que eu o
saiba, com o argumento de que a língua é viva e como tal sujeita a modificações).
Não questiono o acordo ortográfico, que até já adotei, mas custa-me ouvir conjugações
de verbos que aprendi como incorretas e que são usadas constantemente por
pessoas de responsabilidade na televisão, e que, mais tarde ou mais cedo, poderão
ser legitimadas com o argumento do seu uso generalizado. Refiro-me aos verbos
com duplo Particípio Passado.
Eu
aprendi na escola que nos verbos com duplo particípio passado, quando
conjugados com os auxiliares ter e haver se usava o particípio passado regular
(a terminar em -ado ou –ido). Por outro lado, na voz passiva, com
auxiliar ser e estar, se usava a forma irregular apocopada do particípio.
Verifico, há uns tempos a esta parte, que se
está a pôr de lado, de forma sistemática, a forma regular do particípio passado
e a empregar-se a forma irregular também com os auxiliares ter e
haver. Os erros mais frequentes que ouço na televisão e ao
vivo: Ter morto (matado); ter impresso (ter imprimido); ter vago (vagado); ter
sujeito (ter sujeitado); ter salvo (ter salvado); ter expulso (ter expulsado);
ter extinto (ter extinguido); ter aceite, (ter aceitado). Uma curiosidade: sabe-se lá porquê, mas o corretor automático do Word “partilha” da minha opinião de que estes
exemplos que mencionei estão de facto errados, com a exceção do ter morto que
aceita como correto.
Quando
submeti a minha tese, já passaram uns anitos, fui ver os modelos de teses
anteriores e em todas elas no agradecimento praxe estava escrito: “À
Universidade X por me ter aceite como aluna de doutoramento”. Na altura para
fugir ao uso desta forma, do meu ponto de vista incorreta, mas para não ser
considerada, no mínimo, excêntrica por ser a única a escrever “ter aceitado”,
usei a conjugação dupla ter sido aceite.
Claro que há
verbos que só têm uma forma de particípio passado e outros em que só a forma
irregular é usada, neste caso são as chamadas exceções, não sei o porquê delas,
mas não discuto porque assim as aprendi (ex: verbo escrever, ter escrito e não
ter escrevido), mas qualquer dia as exceções passam a ser a regra e as regras
serão exceções vá-se lá saber porquê!
Eu
própria já começo a questionar o uso das formas regulares que me soam mal
por estarem tão em desuso, mas como tenho vontade de aprender e a pretensão de
falar bem, até porque sou professora, gostava muito de ser elucidada por alguém
que saiba mais do que eu destas matérias. Tenho consultado alguns dicionários e
sites e não há coerência na explicação
do porquê destas coisas.
Custa-me
aceitar que a ocorrência sistemática de um erro e sua vulgarização através da
imprensa televisiva e escrita acabe por o legitimar.
Manuel Vaz Velho
Manuel Vaz Velho
*escrito novo AO