O que, fundamentalmente, caracteriza uma zona rural é o facto de a sua actividade principal ser a Agricultura. Por esse facto, só é possível promover o Desenvolvimento Rural se se desenvolver a Agricultura. É ela que irá criar a riqueza de base que tornará possível o desenvolvimento de outras actividades, comerciais (a montante e a jusante), culturais e outras.
Para desenvolver a Agricultura, quaisquer que sejam as condições naturais, é necessário que o Estado tenha bem desenvolvidos dois serviços. O primeiro é uma Investigação Agronómica de alto nível, cuja função última é constantemente descobrir como agricultar melhor, no seu sentido mais lato, desde o planeamento à comercialização.
Há muitos anos que venho defendendo estes princípios que, aliás, considero elementares. A prova desta afirmação está numa lista (certamente incompleta) de uns 60 artigos que publiquei em diferentes jornais e revistas, ao longo de 40 anos. (Ver “Referências Bibliográficas”).
A razão de tanta insistência é o facto de os responsáveis pelo sector, ao longo dos anos, não terem sido capazes de pôr em prática um sistema, apesar dele não ser intrinsecamente difícil.
O que não tem sido feito e, até, o que tem sido destruído, ao longo de algumas décadas, no Ministério da Agricultura, é a causa do estado lastimável da nossa Agricultura.
Por esse facto - e como há anos venho propondo, embora sem qualquer êxito - impõe-se iniciar urgentemente um Programa Intensivo de Investigação e de Extensão no Ministério da Agricultura.
Os dez minutos de que disponho não permitem entrar em mais pormenores, que terei muito prazer em desenvolver sempre que surja oportunidade.
Parece-me útil utilizar o tempo de que ainda disponho para mostrar que os “custos” de tais serviços são, na realidade, fabulosos investimentos, que rendem juros elevadíssimos. Como já tenho escrito e vou demonstrar, são de tal ordem que o próprio orçamento do Estado lucra enormemente.
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Assim como acontece com a investigação médica, de que só uma pequena parte é directamente aplicável ao doente, também na investigação agronómica só uma pequena parcela dos resultados é directamente utilizável pelo agricultor. Estudos de Taxonomia, Genética, Fisiologia ou Estatística não originam, directamente, maior ou melhor produção. Mas sem eles todo o restante edifício sofre e não é possível ter bons resultados.
São muito escassos os trabalhos de Investigação e de Extensão de que temos elementos quantificados ou mesmo estimativas credíveis. No entanto, utilizando alguns desses casos, mostrarei o que se pode obter.
Um dos raros exemplos em que se obteve informação sobre o quantitativo recolhido a mais como resultado da investigação agronómica ocorreu há já bastantes anos. A misteriosa doença das videiras do Douro conhecida pelo nome de “maromba” causava graves prejuízos. O problema foi estudado na Estação Agronómica Nacional, então ainda em Sacavém e foi encontrada a solução. A maromba era resultado duma carência de boro, um dos oligoelementos necessários às plantas. Indicada a terapêutica, a maromba desaparecia e as vinhas acusavam um importante aumento de produção.
Num artigo que publiquei em 1969 e baseado nas estatísticas das quantidades semeadas com semente seleccionada das variedades de trigo produzidas pela Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, estimava em mais de 25.000 contos por ano o que o País colhia a mais com esses trigos ali fabricados. Isso era, ao tempo, mais de cinco vezes o orçamento anual da Estação de Melhoramento de Plantas.
Reportando-me aos tempos modernos e sem que disponha de números (apesar de ter tentado obtê-los) quero referir um caso que é do conhecimento geral.
Certamente todos conhecem a uva ‘D. Maria’, uma excelente variedade de uva de mesa, muito apreciada e que encontramos em abundância em todos os mercados. O que, provavelmente, poucos sabem é que essa variedade foi criada na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, pelo Eng.º Agrónomo José Leão Ferreira de Almeida, infelizmente já falecido. Ela foi seleccionada na descendência do cruzamento, por ele efectuado, entre duas outras variedades.
Há alguns anos tentei saber qual a área cultivada em Portugal com a uva ‘D. Maria’ e qual seria o valor do acréscimo de produção por hectare em relação às variedades que substituiu. Não foi possível obter esses dados mas, da enorme quantidade de uva ‘D. Maria’ que vemos nos mercados é óbvio que só ela paga, todos os anos, a despesa da Estação Agronómica Nacional.
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Para a Extensão, o único trabalho bem documentado e quantificado que conheço é a chamada “Experiência Agrícola de Sever do Vouga”, levada a cabo pela Shell entre os anos de 1958 e 1968.
Durante esse período a Shell colocou no concelho de Sever do Vouga o Eng.º Agrónomo Reinaldo Jorge Vital Rodrigues - infelizmente também já falecido - com o objectivo de aí realizar Extensão Agrícola - embora não usasse essa palavra - aconselhando os agricultores de forma a que eles pudessem fazer melhor agricultura.
Nos primorosos relatórios que todos os anos publicava podemos ver o que foi esse trabalho e em todos eles, no fim, apresentava o gráfico das despesas que a Shell efectuava com a “Experiência” e dos aumentos de rendimento líquido obtido pêlos agricultores em consequência do seu trabalho de Extensão. No Quadro I encontramos esses valores que, em representação gráfica podemos ver na Fig. 1.
Como se vê, enquanto as despesas aumentam muito pouco, os aumentos de rendimento líquido aumentam muito mais.
Num artigo que publiquei em 1969, apresentei os reflexos, para o orçamento do Estado, dos resultados desse trabalho. Considerei nessa altura que o Estado cobrava, em impostos, cerca de 20% do PIB.(Hoje é muito mais, creio que perto dos 40%). Assim, qualquer despesa feita pelo Estado que cause no PIB um aumento cinco vezes esse valor será totalmente reembolsado no fim do ano! Se a despesa causar no PIB um aumento de dez vezes o seu valor, o reembolso vem com 100% de juros!
No Quadro II apresento a relação entre os aumentos de rendimento líquido dos agricultores e as despesas feitas pela Shell com a “Experiência”. Como vemos, a partir de 1964 já essa relação era superior a cinco e em 1968 era de cerca de dez.
Os exemplos que dei mostram que, se o Estado fizer os trabalhos que descrevi e que considero fundamentais - isto aplica-se igualmente à Investigação - o orçamento só está a emprestar dinheiro e a juros fabulosos. Porque não o temos feito capazmente, temos uma agricultura em mau estado e temos um País pobrezinho.
É isto que é preciso fazer se quisermos ter um bom Desenvolvimento Rural.