28/10/2010

Entrevista a Joaquim Jorge

Por Sara Batalha*

“Os cidadãos têm o que merecem”


Joaquim Jorge, um homem inconformado e cheio de ideias fundou em 2006 um centro de debates políticos e cívicos, conhecido como Clube dos Pensadores. Tem como objectivo pôr as pessoas a pensar e a agir, de forma a aproximar os cidadãos da política portuguesa. Apesar de criticar a sociedade e os partidos políticos pensa num cargo de poder para conseguir pôr em prática as suas ideias.

Acessível, simpático e informal, Joaquim Jorge aceita a entrevista como quem tem a necessidade de se exprimir. Com as suas ideias vincadas, não hesita em opinar ou criticar quando necessário.

Considera-se um activista cívico?
Considero-me uma pessoa inconformada que detesta injustiças e se isso é ser inconformado ou activista acho que sim. O clube é uma nova forma de activismo cívico, com toda a certeza.

Quer mudar a forma como os portugueses vêem a política?
Claro, eu procuro fazer aquilo que o Cavaco Silva diz. Que é aproximar a política dos cidadãos e os cidadãos da política. Porque quando eles vão lá não há protocolo, não há perguntas prévias e, portanto, estão sujeitos a tudo. Eu admiro os convidados, ouvem aquilo que às vezes não querem ouvir. Mas ficam com a noção do país real.

Acha que o papel do Clube já faz a diferença?
Fica-me mal a mim ser presunçoso. Agora, uma pessoa que fez 46 debates com uma média de 300 pessoas… Em que eu não posso dar nada, eu não dou cargos, não dou lugares, o que é que eu dou? É as pessoas dizerem o que lhes vai na alma, darem a sua opinião. As pessoas ficam aliviadas ter alguém que as ouça.

Acha que os portugueses estão um bocado “adormecidos”, que não se interessam muito?
Não, é evidente que o que está a dizer tem um bocado de piada. A maioria vai ao Clube não é por causa do Joaquim Jorge, nem do Clube nem do convidado, é para aparecer na televisão, sacar uns telefones, meter cunhas, quer dizer…

Mas mais da parte dos cidadãos, que não se interessam muito…
Os cidadãos têm o que merecem. Eu procuro ter o que mereço.

Então, são um bocado culpados…
Claro, eu sou uma pessoa mal vista, com mau feitio, porque digo não e chamo a atenção do que está mal. Isso é uma qualidade.

Sobre a participação dos portugueses na política. Não acha que o poder centralizado em Lisboa faz com que as pessoas fora da capital percam o interesse?
Claro. Isto é um bando de elites que se julgam importantes. Eu como cidadão, posso nunca querer exercer nenhum cargo, mas tenho os meus direitos e têm que ser respeitados. Mas onde é que está escrito que todos têm de ser governantes ou deputados. Uma pessoa do dia-a-dia tem muito valor. Pelo que faz, pelo que exerce, pela posição que tem. Isto é, o Clube consagra uma das coisas mais importantes que há. As pessoas com mais valor estão em casa. Na política a maioria são medíocres. As pessoas estão em casa, mas não estão para se incomodar.

Uma pessoa que não tem poder, que não é do Governo, pode fazer-se ouvir?
Deveria poder fazer-se ouvir, e não faz. Porque o problema deste país é uma coisa que eu luto, é que quem deveria de ir para o poder não é quem está no poder. Quem está no poder, a velha política, os vícios dessa política… Devia de haver uma nova política. Deveria ser dada uma oportunidade à sociedade civil. Os partidos… Eu sou a favor dos partidos, gostava que eles funcionassem de outra maneira. Eu gostaria de ser deputado independente, defender as causas das pessoas, a cidadania, os seus direitos. Um governo faz sempre um programa de cima para baixo, era ao contrário, de baixo para cima. Que aprendam com o Barack Obama. Não é só na net, é ouvir as pessoas. Porque é que não se faz? Dá trabalho. E ouve-se o que não se quer. Fala-se muito em nome das pessoas, mas depois corre-se com as pessoas. Mas o problema da democracia é que tem picos de cidadania, quando se vai votar. Aliás, como é que é possível, estarmos numa altura de novas tecnologias não se poder usar esse instrumento para votar. Eu posso ter uma opinião e não gostar de ir à mesa de voto. Voto na Net.

O ambiente dos partidos prejudica um bocado essa conjuntura...
Os problemas dos partidos são os aparelhos. Porque os partidos são tropa. Têm uma hierarquia. É preciso dizer aos portugueses que o serviço militar obrigatório já acabou. As pessoas têm de começar por outro lado. Mudar as coisas. Se houver uma opinião pública atenta, inteligente e actuante com toda a certeza temos melhores governantes.

Não há liberdade de pensamento?
Às vezes. O Clube dos Pensadores tem liberdade de pensamento, mas está nas bordas da sociedade. Quem vai à televisão são os comentadores do partido A, B, C. A maioria das pessoas nem se vê ali representado. Mas isso é o ciclo vicioso. É o inner circle de Lisboa.

Acha que, no Norte, as pessoas têm um espírito mais revolucionário?
Não. O mau feitio, o querer ser do contra, aqui no Porto foi tudo ao ar. Repare o que se passa no Porto: portagens, SCUT, falências, desemprego, não vejo ninguém fazer nada.

Então, fala-se muito e faz-se pouco?
Sim, porque os deputados são eleitos pelo círculo do Porto, mas depois representam a Nação. As pessoas antes de defenderem os interesses do povo e das suas terras defendem os interesses delas.

Os jovens, que são o futuro do país, podem fazer a diferença?
Podem, é ir para o estrangeiro e mandar umas divisas para Portugal, já era bom.

Cá dentro não há hipótese?
Não. É preciso uma revolução de mentalidade e de postura, de ser e de estar.

O poder da palavra é suficiente?
O problema do poder da palavra é que as palavras deviam ter consequências. Em Portugal, fazem rir porque "olha para o que eu digo não olhes para o que eu faço". O poder do exemplo em Portugal não existe.

Somos um país de corruptos?
Moralmente corrupto e mal frequentado. Devia ser frequentado por outro tipo de pessoas. Veja o exemplo do Nélson Mandela. Quando ascendeu ao poder, a primeira coisa que fez foi doar um terço do seu ordenado para uma instituição de solidariedade social. Veja há quantos anos ele esteve no poder. Aqui para se cortar 5%...

Gostava de trazer o Nélson Mandela ao Clube. É possível?
Não, não é possível. Eu não sou utópico. Mas eu gostava. Ele é a minha fonte de inspiração. Ele não tem condições físicas para vir ao Clube. Mas gostava um dia de tornar o Clube internacional. Adoro o Felipe González, gostava do Adolfo Suarez, que é mais fácil porque está aqui ao lado mas está com Alzheimer. Foi um excelente primeiro-ministro de transição. Ou o Presidente do Brasil, eu gostava.

Temos que olhar primeiro para fora e aprender com os outros?
Não, porque nós somos bons. Muito bons. Parece um paradoxo o que eu estou a dizer. Porque quem é bom tem que ir embora. Carlos Queiroz, António Damásio... Nunca se dá valor às pessoas. No Clube, aqui no Norte, muita gente não gosto disto, por inveja, raiva ou ciúmes.

Tem inimigos?
Eu adoro ter inimigos. Se eu não tiver inimigos não valho nada.

Os jornalistas podem ser prejudiciais ou benéficos para a política?
Os jornalistas deviam ser os guardiões da verdade, mas nem sempre são, por causa do poder económico.

São influenciados e influenciáveis?
Claro, porque são precários, não fazem o que querem, fazem o que lhes mandam. Eu acho que o Clube dos Pensadores devia ainda ter muito mais projecção. Nunca dão no prime time. Há a ditadura do prime time, entre as oito e as oito e meia.

Muitos jovens não conhecem o Clube, só sabem que já apareceu na televisão.
Mas isso também mostra que são incultos. Porque os jovens são muito incultos. Se puser a palavra Clube dos Pensadores no google, tem um milhão de itens. Mas eu não apareço no prime time, eu nunca dei uma grande entrevista a uma hora nobre. Se der dizem todos que gostam, que acham um máximo, mas depois nunca me dão essa oportunidade.

A falta de informação é um motivo da falta de interesse?
Não. É a comunicação social que acha que isto não merece o relevo que deve ter, só tem quando eu levo lá os convidados. O conceito já merecia ser falado, isto vai fazer cinco anos, não é dois dias.

Só é noticiado quando vão lá figuras públicas mais conhecidas...
Sim, e por arrasto falam do Clube. Mas isso, também, é a minha técnica de tornar isto conhecido. O Clube vive de pessoas e se isto não for falado não vai ninguém. É claro que se for falado é importante. Eu também já aprendi muito com a comunicação social. Se isto sai num jornal é importante, se não sai não existe.

Não fica frustrado com a sociedade portuguesa?
Eu aceito as pessoas como elas são. E procuro, no Clube, aproveitar o que elas me querem dar. Uns escrevem, outros estão presentes, outros gostam de ouvir, outros pensam alto, outros pensam calados...

É bom pensar calado?
Não, porque há muita gente que pensa e não fala e depois no fim há outro debate depois de acabar o debate, porque são tímidas. Isso é espectacular. Claro, que eu precisava de muitas mais ajudas, mas agora com a crise. As pessoas não querem saber disso.

Não se interessam?
Não. Nem querem. As pessoas querem o imediato. O português tem o defeito muito grande, é o desenrascanço, é o agora. Não percebem que isto é um trabalho a longo prazo.

Mas fica satisfeito com o resultado do Clube dos Pensadores?
Fico. Eu aprendi uma coisa com o Ayrton Sena. Eu gosto de me testar sempre a mim próprio. Eu já faço coisas que nunca pensei fazer. Sou honesto, nunca pensei que desse para isto.

Pois, como é que um biólogo passa a dedicar-se à política?
Eu sempre gostei de política. Gosto de intervir. Detesto injustiças, se tiver que dar um berro… Eu acho que antes do 25 de Abril ia preso, com toda a certeza.

Mas vale a pena dar o berro?
É gratificante ir na rua e as pessoas virem ter comigo, pedirem-me coisas para ajudar. Além disto eu tenho um programa de rádio e às vezes pedem-me coisas e eu consigo ajudar as pessoas. Ver pessoas que não via há trinta anos e pelo Clube voltaram a falar comigo. Também não estou à espera de nada.

Faz porque gosta?
Claro. As pessoas acham que eu faço isto para ter lucro. Não faço nada disso. Eu divirto-me com isto.

Já pensou trabalhar como político?
Eu gostava de pôr em prática as minhas ideias, num cargo. Tenho montes de ideias, o programa de baixo para cima, quando se fala disso do orçamento participativo, eu já falo disso há muito tempo. Por exemplo, no IRS, eu já propus, uma pessoa que tem cuidado com a sua saúde e não gasta medicamentos, não fica cara ao Serviço Nacional de Saúde, devia ter um benefício fiscal. A um aluno que passa sempre, que tem boas notas uma vantagem, a um que reprova uma desvantagem. Isso é que é premiar a excelência e a prevenção.

Como é, então, a sociedade portuguesa ideal?
Não há sociedade ideal. Tenta-se melhorar as coisas. Há sempre coisas para fazer. Era uma sociedade muito mais educada e com muitos mais valores e princípios. Não me parece que isso exista. Agora, é lógico que o principal valor é ter não é ser, é o dinheiro, não é o bem comum. Não tenho nada pena das pessoas que agora estão à rasca com o dinheiro, que não se metessem em compras… Tenho pena é de quem não tem dinheiro para comer. Não tenho pena dessa gente de luxos e coisas supérfluas, com todo o respeito. Somos um país de novos-ricos, não só em dinheiro como com a mania do intelectual.

Prevê um futuro bom para Portugal?
Eu penso positivo. Mas acho que isto está a precisar de uma volta. É preciso outro tipo de governantes. É preciso uma nova política sem os vícios da velha política. Com novas pessoas que nunca estiveram no poder.


Mas, se calhar, quando chegarem ao poder volta tudo ao mesmo…
Tira-se os de lá.

Então, é um círculo vicioso…
Não, porque a democracia participativa é constante, não é só quando há eleições. O problema é esse. A democracia participativa devia ser próxima da representativa, e não é.

O problema parte tanto dos governantes como dos cidadãos…
O problema do governante é que ele devia andar de metro, ir ao café, fazer uma vida normal. Não ter sempre carros, assessores, protecção… Eu percebo que depois isso também dava outro tipo de problemas, era só cunhas e pedidos. Mas um governante é como nós, só que está numa outra função. Eu não sei se gostaria de ter uma vida de governante.

Sente-se bem com o Clube dos Pensadores e com o que tem vindo a fazer?
Sinto, mas não posso fazer debates toda a vida. Não ganho nada com isto. Tem imensos custos psíquicos, físicos e monetários. É gratificante, mas eu já contribuí com a minha parte. As pessoas acham que eu sou um totó, que sou um lírico, um utópico, que falo, falo, falo… Eles, os partidos e quem está no poder, nem ligam. O problema é que isto é uma bola de neve que cada vez tem mais gente. Está-se a tornar um tambor.
Isto é um bom fórum de debate de ideias. Fica sempre qualquer coisa.

Não se ficam só pelas ideias?
Pois, mas para a acção o que é que eu vou fazer? Um golpe de Estado? Alguém me poderia convidar para um cargo, sei lá. Por exemplo, eu não me importava de ser deputado independente, ser presidente de um observatório de cidadania, uma Câmara não porque tinha de concorrer como independente e isso é muito complicado. Não quer dizer que não faça, mas não penso nisso.

É impossível sem o apoio dos partidos?
É possível, mas as armas não são iguais. Não estou habituado a perder. Os partidos são como o FC Porto, Benfica e Sporting, são sempre os mesmos. As pessoas criticam mas votam sempre neles. Os partidos deviam estar abertos à sociedade civil. Os partidos têm de se aproximar das pessoas. Eu faço isto por bem, apesar de todas as críticas porque o êxito tem esse inconveniente.

Aceita as críticas como construtivas ou destrutivas?
Ou dizem que ganho dinheiro com isto, que faço por interesse… Eu sou um submisso. Porque é que em Portugal tudo o que se faz tem segundas intenções? Uma pessoa que tivesse segundas intenções não estava nisto há cinco anos. Quem é que diz que se eu
exercesse um cargo não poderia ser melhor do que os outros? Se exercesse um cargo e não pudesse fazer o que digo vinha-me embora.

Não acha que, se chegasse a um cargo, as ideias que tem agora podia não conseguir cumpri-las…
Então não ia para lá. Nós temos de ser diferentes. Porque é que eu não podia ter um gabinete e ter a porta aberta para as pessoa irem lá falar comigo, todas. O mal da política é não haver comunicação. Os políticos são surdos. Onde um político vai só fala e não ouve nada. Seria interessante um político ir a um sítio e estar calado e ouvir. Era isso que eu fazia. Se eu tivesse um programa de Governo, para me candidatar a qualquer sítio, não falava, ouvia. E depois é que fazia o trabalho.

As pessoas podem ter ideias e iniciativas mas não conseguir concretizá-las…
Há bocado falou-me nos debates e nas ideias, mas as pessoas vão para casa e ficam a pensar. Alguma coisa fica.

No pensamento…
Não só pensamento, esclarecimento. Para não se deixar ludibriar.

Mas parte-se para a acção?
Então, eu não tenho acção? Fazer um debate não é acção?

Mas da parte das pessoas que vão assistir ao debate.Acredita que as pessoas ficam com vontade de mudar, de agir?
Acho que sim. Fazer um debate é acção. O Clube não é só isso, também tenho a rádio, tenho um blog, tenho um programa de televisão, aí não há interactividade mas nos outros sítios há.

Tem ideias novas para o Clube?
Vou apresentar um novo livro. O primeiro entrou em segunda edição, em Lisboa. Lisboa compra mais que o Porto. Não posso ser contra Lisboa. O livro é uma espécie de caderno, é espectacular, em que eu critico. Tem uma parte de quem participa, dos cidadãos. E não posso dizer mais nada.



* aluna do 2ºano do Curso Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia, da Universidade do Porto.

SB