31/07/2010

Foz Côa 10 anos depois


Mário Russo

Em vez de uma barragem no rio Côa, um governo de Guterres assumiu parar a sua construção e fazer daquele espaço um santuário arqueológico. Emergiram os arqueólogos que maximizaram a sua importância na sociedade e enalteceram o governo pela atitude tomada.

O governo prometeu um museu, que depois de 10 anos foi inaugurado, ao custo de 18 milhões de euros. Vila Nova de Foz Côa é uma cidade pertencente ao Distrito da Guarda na subregião do Douro, com cerca de 3 300 habitantes, cabendo a cada habitante uma fatia de 5500 € deste investimento.

É muito chique enaltecer esta bravata do governo, como se fosse a única forma de preservar as gravuras ali existentes, quando existe tecnologia que permitiria transladar para um museu visitável por milhões de pessoas, como acontece com os grandes museus, que não estão no Egipto, por exemplo, e exibem colecções fantásticas da história dos faraós.

Das promessas de visitas ao campo arqueológico, nem 10% dos visitantes, e o museu será um elefante branco, visitado por alguns milhares de visitantes por ano, com um custo de manutenção de bradar aos céus.

Portugal perdeu uma barragem necessária para produção de energia limpa e uma fonte de armazenamento de água que pode ser crucial para a sobrevivência em tempos de secura.

As necessidades de água em Portugal são de 11 hectómetros cúbicos para satisfazer todas as actividades e apenas dispõe de 6, dependendo de bacias internacionais que têm origem em Espanha e que é fácil de perceber qual o destino da água, em caso de se constatarem alterações climáticas a ditar períodos prolongados de carência de água.

Portugal não tem reservas estratégicas de água e é altamente vulnerável neste domínio. A eficiência hídrica é um problema que não se resolve por decreto. No entanto, dá um ar de cultura elevada defender, de forma cega, situações similares à de Foz Côa, bem armadilhada por Carrilho. Como ninguém quer ficar com a imagem de inculto, toca a defender soluções fáceis.

Não está em causa a defesa do património cultural e paisagístico. Porém, quando temos soluções que servem a ambas as vertentes, abdicar delas é que não parece sensato, como foi o caso. Uma barragem molda a paisagem com um lago de beleza inolvidável. Aproxima as margens e salienta pormenores de rara beleza. Potencia a fixação de actividades diversas e de pessoas numa região enfraquecida e em progressiva perca populacional.

Um museu, feito para salientar a riqueza da arte rupestre, serve no local isolado, mas pelos vistos não serviria se fosse construído em Vila Real, no Porto ou em Lisboa, com os espólios previstos e ainda mais enriquecido com os blocos com as gravuras existentes transladadas e que seria visitável e rentabilizado, milhares de vezes mais que esta megalomania para satisfazer auditórios de interesses.

Este é mais um exemplo dos equívocos estratégicos do nosso percurso comum. Se fosse aplicado em benefício do povo português a mesma verba per-capita, seriam 10 mil milhões de contos (moeda antiga), ou 550 mil milhões de euros. Convenhamos que é faraónico.

Mas o pior de tudo é que poderia haver o museu (mesmo em Foz Côa) e a barragem e a respectiva albufeira, que conduziria a uma profunda alteração na região, beneficiando verdadeiramente aquele povo, com todas as actividades lúdicas, turísticas e e de exploração energética previstas. Juntavam-se diversas vertentes: a cultura, a lúdica, turismo, desporto radical, comércio, hotelaria e restauração, desportos náuticos, competições internacionais, produção de energia renovável. Mas a visão dos dirigentes foi turvada pelo discurso fácil de oportunistas de plantão.