28/03/2010

João Cravinho falou sobre o combate à corrupção e dos off-shores

Quando se fala em combate à corrupção e em off-shores é o nome de João Cravinho, um dos últimos Senadores da Republica, como lhe chamou Joaquim Jorge, que vem à cabeça de qualquer português bem informado. Pois bem, foi este homem culto e afável, vertical e impoluto, meigo e decidido, que, diante de uma plateia interessada, dissertou sobre o complexo tema que é a corrupção. Fê-lo de forma pedagógica e cristalina, chamando os “nomes aos bois” e sem os redondos discursos que o tema propicia, em especial a políticos.

Não perdoa ao seu partido a ligeireza com que se descartou deste combate que é difícil porque necessita da mobilização da sociedade para considerar repugnante a actividade e não condescender, como acontece, com tais práticas.
Começou por explicar o que são os off-shores, locais de jurisdição do segredo, normalmente sedeados em ilhas, que são paraísos fiscais de países europeus, da América ou Japão, entre outros.
São organizados e implantados pelas cúpulas do poder financeiro para esconder algo: o dinheiro e rendimentos de actividades lícitas e ilícitas. Desde a fuga aos impostos, até o contrabando de armas, narcotráfico, prostituição se beneficiam destes paraísos.

O terrorismo é abastecido por estes paraísos e só por isto é que nos EUA, após o 11 de Setembro, se começou a olhar para os off-shores de modo a combatê-los, em que Obama, Senador, era um dos arautos.

Mas não há vontade política para o fazer. E a corrupção em escala está sempre associada precisamente a um off-shore, em que as autoridades podem conhecer o administrador de um trust ou de uma Fundação, mas não sabe quem é o verdadeiro detentor do bem (dinheiro). É o segredo absoluto.
O que espanta é que toda esta organização é planeada e executada pela alta finança, para fugir a impostos e obter maiores rendimentos com a guarda de dinheiros “quentes” de clientes de topo, independentemente da origem do mesmo.

Estima-se que descansem nestes paraísos fiscais qualquer coisa como 18 triliões de USD$ e que a lavagem de dinheiros anualmente represente 3,5% do PIB mundial, ou seja, não é coisa pouca.

Como os povos estabelecem as suas prioridades, segundo a sua cultura, só a mobilização da sociedade para o flagelo da corrupção pode potenciar o combate à corrupção, mas também passa pela acção repressiva. Porém, aqui esbarra com a justiça, que é lenta e capturada pelo poder económico e político.

Neste combate a OCDE e o FMI publicam as célebres listas negras dos paraísos fiscais, para dissuadir estas práticas de segredo bancário sem responsabilidades, obrigando os países sede de offshores a aceitarem rubricar tratados. O que se passa é que uma coisa é dizer, e outra é fazer. João Cravinho referiu o caso dos EUA que em 6 anos de acordo com um desses paraísos, só conseguiu deter 4 meliantes.

Cravinho vai depor na Comissão Parlamentar sobre este tema e JJ perguntou se iria redundar em algo. Acha que vai dar em alguma coisa, melhor do que o que está hoje. Também não é favorável que figuras como o PR e o PM façam depoimentos nestas comissões. De facto, parece elementar respeitar as soberanias destes órgãos, que podem actuar de motu próprio no combate a este flagelo.

Paulo Morais, da plateia, reiterou que falta vontade política para enfrentar a situação e não é por falta de legislação, mas porque ela é usada para branquear situações, nomeadamente na área da construção e no urbanismo, com consequências no ordenamento do território.

A corrupção é uma luta constante e persistente, muito complexa, desde logo pela definição e mais ainda pela interpretação que dela deve ser dada. Só causando um rotura violenta na sociedade se pode abanar a consciência para o mal que é.

Um debate tranquilo, de um Senador da Republica, que transmitiu serenidade, seriedade e pedagogia, bem capitaneado por Joaquim Jorge que fez a apresentação eloquente de Cravinho, com detalhes fantásticos da sua vida e obra.

Mário Russo





Janeiro página 24