11/02/2010

Salários: breve nota anti-populista


Eduardo Vítor Rodrigues



Ontem, na discussão do Orçamento de Estado para 2010, Paulo Portas brindou-nos com mais uma pérola do seu populismo da ala mais direita da Direita, confundindo-se com o BE (vejam como já vai o debate no país!): reduzir os salários dos políticos. Depois da saga contra o RSI e contra os salários dos funcionários públicos, eis agora os políticos.
Ou muito me engano, ou foi assim que começaram os processos históricos que acabaram com a tomada do património da Igreja. E, ou muito me engano, ou vai propor de seguida a redução dos salários dos portugueses, na linha do FMI e de Almunia, e das reformas e pensões, na linha da sustentabilidade da Segurança Social.

Esta proposta é apenas mais um condimento para a desvalorização simbólica a que os políticos estão sujeitos, com consequências na imagem da Democracia.
Admito até que alguns portugueses, muitos dos que votaram Salazar como a figura do século, concordem com esta proposta. Eu não concordo (e não beneficio nem nunca beneficiei de salário político, registo já aqui os interesses!). Acho mais: acho que quem propõe isto está à procura da legitimidade para propor a redução dos salários dos portugueses, com o argumento do aumento da competitividade.

Não concordo, como não concordo com a redução de salários dos trabalhadores como medida anti-crise. Deixo apenas dois argumentos, dos muitos que tenho:

1. A redução dos salários dos portugueses seria a condução à penúria. Somos um dos países com o salário mínimo e o salário médio (são coisas diferentes) mais baixos da Europa; acumulamos dualismos brutais, que o coeficiente de Gini português demonstra; temos um dos mais elevados níveis de endividamento fixo e estrutural (de longa duração) das famílias (crédito à habitação, entre outros); sabe-se que a redução de salários pressiona as políticas públicas; e sabe-se que a redução de salários favorece a (já forte) economia informal. Assim, reduzir salários aos portugueses teria duas consequências principais: aumento da pobreza, do crédito malparado e da fraude fiscal, por um lado, e aumento dos lucros dos possidentes, sem qualquer efeito redistributivo. Logo, sendo de Esquerda, uma Esquerda responsável, mas ainda não sequestrada pelo liberalismo (deixando de ser de Esquerda…), não posso concordar.

2. A redução dos salários dos políticos também não me merece acordo. Sabemos que a política nem sempre atrai os melhores, que se cansam com muitas balelas de práticas partidárias caciquistas e desprovidas; sabemos que o mundo empresarial privado tem uma força de atracção por via salarial muito forte (eu conheço aquele argumento segundo o qual quem quer servir a causa pública troca um vencimento de 20 mil euros por um salário de 3500 euros, mas ainda estou à espera do primeiro – até o Rui Águas e o Dito trocaram o amor benfiquista pelos escudos portistas…); sabemos que muita da classe política já lá tem gente que nem de borla devia servi-la (e só lá está, porque ocupou o espaço deixado vago pelos melhores); sabemos que a política não pode permitir enriquecimento ilícito, mas também não pode ficar miserabilista (logo, sequestrada pelos interesses económicos predatórios).

Também sabemos que a diminuição de salários facilitaria ainda mais o part-time no Parlamento. Aliás, eu não percebo porque razão o Dr. Portas não defendeu a exclusividade dos Deputados; é bem mais fácil defender a redução de salários quando a maioria dos Deputados, incluindo da sua bancada, vão lá fazer um part-time, estando depois ao serviço de grandes empresas e escritórios, onde ganham milhões, aproveitando dessa relação institucional para o jogo do poder e das influências.

O Dr. Portas acredita que ganha votos com isto. Admito até que ganhe. Num tempo de crise, estas fórmulas têm eco, quando muitos portugueses vivem dificuldades. Mas o argumento é esse mesmo: essas reduções populistas dos vencimentos não ajudam os portugueses; ao fragilizar a Democracia e deixar os portugueses mais vulneráveis nas mãos dos possidentes (e dos seus interesses), abrem o flanco à sucção dos direitos sociais mais básicos, como o apoio na doença, na velhice ou o aumento da precariedade. Para ficar bem na foto, todos diremos: eu também abdico de uma parte do salário! Quem ganha com isso? O país? Nem pensem. Perdem quase todos.

Sei que me podem dizer que a Grécia adoptou a medida. Mas fê-lo para legitimar simbolicamente a redução salarial dos trabalhadores, a quem não são dados outros rendimentos ou benesses. Por razões simbólicas e não económicas. E eu não quero razões simbólicas em Portugal, senão é admitir que a redução dos salários dos portugueses está à bica… E isso seria péssimo.

O Dr. Portas diz que a redução dos salários dos políticos poderia gerar uma poupança de 5 milhões de euros. È mais ou menos o valor que João Jardim transfere por ano para os clubes de futebol da Madeira. E tendo em conta que o Dr. Portas aprovou mais de 50 milhões de euros/ano para a Madeira e estoirou mais de 900 milhões de euros no Tridente e no Arpão (1), percebe-se o populismo oportunista da proposta.

Enquanto o país suportar estas propostas como balelas, tudo correrá. Quando isso deixar de acontecer, e vingarem estas atoardas, teremos sedimentado o caminho da berlusconização de Portugal.

(1) Pomposos nomes dos submarinos adquiridos pelo Dr. Portas, com um custo de mais de 0,5% do PIB português.

professor universitário, membro honorário do CdP e presidente da Concelhia do PS/ Gaia