10/02/2010

O Pântano


Mário Russo



Portugal vive dias de grande preocupação e mesmo desesperança ante uma crise persistente, e os últimos acontecimentos só vieram reforçar o sentimento de desassossego, emergindo cada vez mais a convicção de que na órbita do topo do governo há um “comando” com tentáculos de um polvo de contornos cada vez mais definidos.

A magnitude da crise económica actual exige de todos os governos uma concentração e competência que jamais foram postas à prova anteriormente. Sócrates é reconhecidamente uma pessoa com perfil para governar. No entanto, as sucessivas confusões impróprias de um político com as suas funções, tornam-no problema, e não solução.

Um país anestesiado, ou como diz Felícia Cabrita, com uma imprensa vergonhosamente cobarde a branquear os acontecimentos e os mais altos dignitários do sistema judicial a aparar o jogo político, tem contribuído para o pântano em que vivemos.

O episódio das escutas é paradigmático, porque estamos a caminho de uma Venezuelização. Podemos aceitar que formalmente não foram autorizadas, porque envolve a mais alta figura do governo. No entanto, que se passou, passou e foi demasiado grave para se assobiar para o lado. O que nos deve preocupar é a desconsideração que o PGR e o Presidente do Supremo têm do conteúdo dessas escutas.

O problema é que o PM foi apanhado nesse submundo. Não era para ele, mas ele lá estava e a gravidade do que é relatado não pode ser desconsiderada. Mas ainda vem aí mais revelações.

O que me preocupa já não é o que os “comandos pretorianos” do PM tem vindo a fazer para se perpetuar no poder, nem aos ditos atropelos ao estado de direito. O que me preocupa é o silêncio dos homens bons do PS.

O que me preocupa é ver o silêncio de Mário Soares que, por infinitamente menos, disse que temos direito à indignação e que também disse de Sócrates o que o gato não diz do bofe, aquando da luta pela liderança no PS que o opôs ao seu filho.

O que me preocupa é ver a mais alta magistratura judicial de cócoras diante dessa facção que capturou o poder, que comprou a liberdade de imprensa e que amordaça a vida nacional. Os calculismos de tantos nesta situação nebulosa, é arrepiante.

O pântano que ninguém quer ver, está diante de todos, com o país a afundar-se na podridão dos dias que correm. Os políticos e as mais altas autoridades fazem contas de outros rosários diante da agonia de um povo.

A história julgará este comportamento indecoroso destes responsáveis, mas prestará, certamente, o tributo a uma mulher de uma coragem inigualável, Felícia Cabrita, o rosto da esperança e que ainda há heróis (heroínas) corajosos em Portugal.