Nesta ditadura partidocrática que nos impuseram sem referendo, abriu-se há tempos uma pequena janela, que foi a possibilidade de se candidatarem “independentes” às eleições para as câmaras municipais. A janela é pequena porque, embora haja essa possibilidade, os partidos continuam a apresentar candidatos (em vez de se limitarem a apoiar os que entenderem), algo que deveria ser exclusivo dos cidadãos eleitores, como no caso da eleição para o Presidente da República, a única eleição democrática em Portugal.
Os portugueses parece não perceberem que, numa democracia (o sistema em que o poder político reside no povo), a primeira liberdade é a de um cidadão decidir em quem delega, pelo voto, o seu poder. A exigência dum número razoável de apoiantes dum candidato justifica-se para não haver um exageradíssimo número de candidatos em que quase ninguém votaria. No caso da eleição para o Presidente da República o número de apoiantes fica, aproximadamente, entre 0,1 e 0,2 % dos eleitores, percentagem que parece ser razoável.
Os portugueses queixavam-se, com razão, de que, para efeitos práticos, havia um senhor que lhes dizia em quem é que eles tinham “licença” de votar para eleger quem os iria “representar” no parlamento. Agora têm quatro ou cinco senhores que fazem exactamente o mesmo e apenas lhes fica a liberdade de escolher a lista do “ditador” que consideram “menos pior”. Dizem-lhes que isto é “democracia” e eles acreditam. Santa ingenuidade!
A pequenina janela democrática vai ser usada nas próximas autárquicas. Começou no Redondo, onde Alfredo Barroso, até aqui eleito pelo Partido Comunista, foi “excomungado” pelo partido, que decidiu apresentar outro candidato. Como parece que muitos cidadãos do Redondo, mesmo os não comunistas, acham que Alfredo Barroso é bom Presidente da Câmara, ele tenciona candidatar-se como independente. (Querem lá saber do partido! Aliás, ele nunca implantou no Redondo qualquer comunismo...).
Antes desta possibilidade de candidaturas independentes dos partidos, já se tinha dado um caso parecido, como relatei no “Linhas de Elvas” de 24-12-1997. Um candidato que estava para ser proposto pelo PS (então no governo) para as autárquicas de 14-12-1997 declarou, creio que a uma estação de rádio, que “quem está com o governo come; quem não está cheira”. O PS não gostou e decidiu apresentar outro candidato. Mas como os habitantes desse concelho queriam aquele presidente e ele não podia concorrer como independente, foi candidato pelo PPM (Partido Popular Monárquico) e foi eleito. Como, então, escrevi: “Porque deu subitamente um desejo de monarquia nesses eleitores? Obviamente que não. Queriam lá saber disso! O que queriam era o seu antigo autarca e, se a maneira de o ter era votar “monárquico”, votava-se monárquico!”
Outros casos de candidatos independentes se anunciam, com grande desespero dos partidos, que vêem fugir-lhes o antidemocrático poder que tinham e que, em grande parte (principalmente para a Assembleia da República) ainda detêm. Mas é bom que os cidadãos raciocinem e, quando têm essa possibilidade, escolham em liberdade. É claro que vai continuar a haver quem vote no partido ou em quem o partido recomenda. Alguns fazem-no por fanatismo, incapazes de raciocinar por si. Outros por interesse, já que os partidos, principalmente os maiores, já nada têm de ideologia – veja-se o que tem feito um partido rotulado de “socialista” e “de esquerda”... – e são apenas formas de controlar o poder e, principalmente, agências de emprego. Mas se os cidadãos portugueses, naqueles casos raros em que têm alguma liberdade, não a usam e, em vez de raciocinar, vão carneiralmente votar naquilo que determinado partido manda, não podem depois queixar-se dos males que vão sofrer.
Miguel Mota
Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado. Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética