06/09/2009

Ainda há Velhos do Restelo


O enriquecimento do anedotário político nacional feito pelos dois deputados socialistas eleitos pelo distrito brigantino, representantes dedicados dos interesses do seu partido, tem sido extremamente rico no decurso da discussão sobre a Linha do Tua. “A ferrovia não pode ser para transportar quatro pessoas de manhã e quatro à tarde ou um cabaz de laranjas”; ainda bem que não é o caso da Linha do Tua, que transportou em 2006 – último ano de funcionamento “normal” – 42.000 pessoas, metade das quais turistas.

São 114 passageiros por dia, 172 na época alta, no meio de horários asfixiados e publicidade oficial nula. Pergunto-me, mero cidadão nordestino, quantas carreiras de autocarro no distrito se poderão gabar destes números, e quantas aldeias terão transporte público todos os dias? Quanto às laranjas, decerto a piada será dirigida a todos quanto antes tinham acesso por exemplo a cimento a escassos quilómetros da sua porta, e agora mandam-no vir do Pocinho, com um simpático agravamento nos custos de transporte.

Faz-me confusão que uma região que, segundo Mota Andrade, não tenha pessoas que justifiquem o investimento numa via-férrea, tenha ao mesmo tempo pessoas que justifiquem o investimento numa auto-estrada e duas novas estradas. Que incongruência é essa, quando apenas com o dinheiro da derrapagem da auto-estrada trasmontana (120 milhões de euros, mal a obra começou) se conseguiria reabrir quase 5 vezes a Linha do Douro, entre o Pocinho e Barca d’Alva?

Falemos de assuntos sérios, porque de Velhos do Restelo não consta a evolução da História. Puebla de Sanábria, a 30km de Bragança, terá uma estação de Alta Velocidade (AV) num horizonte entre 2012 e 2014. Nesse mesmo horizonte, Bragança terá o seu aeródromo consideravelmente alargado, pronto a receber voos de companhias low cost. Numa ponta, a AV e o Lago da Sanábria; na outra ponta, a Linha do Douro e o Douro Património da Humanidade, que já ultrapassou Lisboa e Porto enquanto região turística; pelo caminho está o novo aeroporto de Bragança. Conectando todas estas realidades está a Linha do Tua.

Quanto à discussão sobre uma barragem no Tua e a possibilidade da destruição irreversível da Linha do Tua, essa então está ao nível da discussão do sexo dos anjos. O único ponto positivo desta obra é o de contribuir para a produção de no máximo 0,5% da energia eléctrica nacional, e sublinhe-se que o Vale do Elba, Património da Humanidade na Alemanha, foi o 2º sítio da História a perder o galardão da UNESCO, e apenas por causa da construção de uma ponte, em Junho passado. Uma vez que a UNESCO tem uma reputação a manter, se decide que uma ponte descaracteriza um sítio, decidirá certamente que uma barragem descaracteriza o Douro Vinhateiro, retirando-lhe assim o galardão de Património da Humanidade, o que seria ruinoso para a reputação do país e para o Turismo da região. Quem assume essa responsabilidade, por teimosia cega, ou por interesse, ou por subserviência à EDP, que dê um passo em frente.

E agora, pensemos todos juntos: a fonte de energia com maior peso nas importações nacionais é o petróleo; o sector de actividade com maior consumo de energia é o dos transportes (60% do petróleo consumido em Portugal vai para este sector); cerca de 80% da energia gasta no sector dos transportes é da responsabilidade do transporte rodoviário; 95% do transporte interno é rodoviário; 82% do transporte interno é feito em transporte particular; os carros não andam a electricidade (qual o peso dos carros eléctricos sobre os demais?); a dependência energética de Portugal é de 99%; para produzir 1000 euros de riqueza, Portugal precisa de mais 40kg de equivalente de petróleo que a média da União Europeia, e está a precisar de cada vez mais, enquanto a UE precisa de cada vez menos; em Junho de 2008 o país parou, porque centenas de camionistas fizeram greve; “o que a região necessita é de boa rodovia”, diz Mota Andrade.

Desisto; a lógica deste senhor é ininteligível. Quando Mirandela, Bragança e a Puebla de Sanábria se revelam totalmente a favor da reabertura e prolongamento da Linha do Tua, dizer com toda a convicção que nem o PS nem nenhum outro partido contemplarão na sua estratégia o caminho-de-ferro para a região (Mota Andrade dixit) não é ousado: é uma bruta tolice, não se sabe bem se por desespero se por falta de argumentos e total desconhecimento da realidade do Nordeste. Mas é esse afinal o papel dos Velhos do Restelo: arrastar-nos para as trevas da ignorância e da estagnação.

Daniel Conde
Lisboa, 7 de Setembro de 2009