Exmo. Senhor Dr. Rui Moreira
Não posso deixar de lhe enviar este meu curto e-mail sobre a sua coluna de opinião publicada no Publico. Só a falta de compaixão, a falta de conhecimento, legitima o seu artigo.
Morre-se na estrada. Muito. Sempre demais. A mim a estrada já me levou o que eu tinha de bom na vida. Cada vez que isso acontece, a dor do choque é a primeira. A seguir são sempre tempos maus: anos e anos em tribunal, anos e anos no Instituto de Medicina Legal e nas seguradoras, nos médicos.
São estes detalhes para si irrelevantes? A ONU, O Santo Padre, o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Estrada, o Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, a União Europeia reconhecem este drama.
Sem querer mostrar-lhe o meu caso pessoal em busca da sua piedade irrelevante, digo-lhe que fiquei sem pai e sem mãe em acidentes onde a velocidade nunca foi a culpada e os meus pais foram vítimas de gente que não devia andar na estrada. Dez anos de tribunal. Indemnizações que não valem um salário mensal de um presidente da Galp ou da EDP por mês ou mesmo a suas ajudas de custo mensais. Duas fabricais de têxteis fechadas porque o gestor morreu. 200 ha de terreno agrícola abandonado porque o família perdeu quem era capaz de gerir esse património. Uma família destruída.
Para que saiba, foi a velocidade que matou duas senhoras que iam às seis da manhã a trabalhar nas limpezas e que atravessavam a passadeira e que deixaram filhos, fome e desespero. O seguro e os advogados tratam de defender a senhora que vinha do Lux muito bem-disposta, mas aquelas famílias, ficaram sem nada. Gostava de ter lido que a sua coluna de opinião e saber se se tinha preocupado em saber quem pagou o funeral, quem sustenta os filhos pequenos, se a seguradora - esse bando de malfeitores - assumiu a culpa.
A Associação que o senhor refere como "multista" de cidadãos que se intitulam de "auto-mobilizados", cuja representatividade é nula", conseguiu impor na sociedade e na agenda, o drama e a guerra civil das estradas portuguesas. O comentário que faz desta associação é tão soez e tão pouco correcto que desculpe que nem vou comentar.
Só lhe queria dizer: olhe para os números dos mortos e feridos. Para aqueles que ficam sem família, sem saúde e sem trabalho.
É bom falar de alto, senhor Dr. È confortável, certamente.
Eu nunca seria capaz de escrever isso. Sabe porquê? Porque a vida não é assim.
A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados conseguiu muito, sem palácios vetustos nem subsídios do Estado arregimentados como se sabe e lê nos jornais, sem holofotes dos comentários das TV's e sem voz nas rádios, sem a simpatia e a colagem aos partidos e aos lobbies corporativos que incendeiam a vida portuguesa.
A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados partiu do nada. Partiu do labor e da dor de gente de boa vontade que achou que tinha a obrigação de fazer algo pelos outros. Ao longo do século XX, estima-se que tenham morrido 35 milhões de pessoas nas estradas de todo o mundo, a que se somariam mais de mil milhões de feridos.
Esta gente que se juntou e formou a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, deve o Senhor Dr. qualifica-los de pueris, no seu íntimo.
Porque eu já passei por muito e tenho fé e nunca desejo aos outros o que passei, desejo que o Senhor Dr. não passe pelos caminhos das pedras que passamos nem fique com quartos vazios e coração cheio de saudade. E com o nome dos nossos escritos em pedras em locais silenciosos rodeados de ciprestes.
O Senhor Dr. reduz a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados a um lugar imerecido e injusto e fá-lo de uma forma soez e com desconhecimento do que o drama das estradas significa.
Não o vou incomodar mais senhor Dr.
Só mais um desabafo: eu também gostaria de ter uma vida confortável e sem dor. Mas não posso. Sinto a falta dos que já não tenho na minha vida, tenho julgamentos adiados e que se arrastam 10 anos, uma justiça criminosa, um sistema todo ele cúmplice de panaceias jurídicas, tenho que ir a consultas médicas, tenho que engolir em seco e falar com as seguradoras, tenho que acordar de noite e acalmar a minha filha que acorda com pesadelos, tenho que procurar emprego porque fiquei sem ele, tenho que pedir o carro emprestado porque fiquei sem carro. Tenho que ir para a fila do centro de saúde porque não tenho dinheiro para médicos e tratamentos privados.
No Angelus de 18 de Novembro de 2001, Sua Santidade o Papa João Paulo II disse: “Invoco a compaixão do Senhor por todos aqueles que, tragicamente, perderam as suas vidas em acidentes de viação. Peço a Deus que apoie os feridos, que muitas vezes sofrem por toda a vida, e também as suas famílias, as quais os apoiam nas suas provações. Apelo uma vez mais aos condutores para o seu cuidado e responsabilidade, para que todos os condutores respeitem sempre os outros."
A última palavra. A si falta-lhe compaixão pelos outros e conhecimento ou falta de vontade conhecer a dimensão do problema dos acidentes da estradas. . E isso é indesculpável. Também a vida política é uma vocação e missão ao serviço do bem comum. Mas...devo estar de novo a ser pueril.
Com os meus melhores cumprimentos
Maria Teresa Goulão
Não posso deixar de lhe enviar este meu curto e-mail sobre a sua coluna de opinião publicada no Publico. Só a falta de compaixão, a falta de conhecimento, legitima o seu artigo.
Morre-se na estrada. Muito. Sempre demais. A mim a estrada já me levou o que eu tinha de bom na vida. Cada vez que isso acontece, a dor do choque é a primeira. A seguir são sempre tempos maus: anos e anos em tribunal, anos e anos no Instituto de Medicina Legal e nas seguradoras, nos médicos.
São estes detalhes para si irrelevantes? A ONU, O Santo Padre, o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Estrada, o Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, a União Europeia reconhecem este drama.
Sem querer mostrar-lhe o meu caso pessoal em busca da sua piedade irrelevante, digo-lhe que fiquei sem pai e sem mãe em acidentes onde a velocidade nunca foi a culpada e os meus pais foram vítimas de gente que não devia andar na estrada. Dez anos de tribunal. Indemnizações que não valem um salário mensal de um presidente da Galp ou da EDP por mês ou mesmo a suas ajudas de custo mensais. Duas fabricais de têxteis fechadas porque o gestor morreu. 200 ha de terreno agrícola abandonado porque o família perdeu quem era capaz de gerir esse património. Uma família destruída.
Para que saiba, foi a velocidade que matou duas senhoras que iam às seis da manhã a trabalhar nas limpezas e que atravessavam a passadeira e que deixaram filhos, fome e desespero. O seguro e os advogados tratam de defender a senhora que vinha do Lux muito bem-disposta, mas aquelas famílias, ficaram sem nada. Gostava de ter lido que a sua coluna de opinião e saber se se tinha preocupado em saber quem pagou o funeral, quem sustenta os filhos pequenos, se a seguradora - esse bando de malfeitores - assumiu a culpa.
A Associação que o senhor refere como "multista" de cidadãos que se intitulam de "auto-mobilizados", cuja representatividade é nula", conseguiu impor na sociedade e na agenda, o drama e a guerra civil das estradas portuguesas. O comentário que faz desta associação é tão soez e tão pouco correcto que desculpe que nem vou comentar.
Só lhe queria dizer: olhe para os números dos mortos e feridos. Para aqueles que ficam sem família, sem saúde e sem trabalho.
É bom falar de alto, senhor Dr. È confortável, certamente.
Eu nunca seria capaz de escrever isso. Sabe porquê? Porque a vida não é assim.
A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados conseguiu muito, sem palácios vetustos nem subsídios do Estado arregimentados como se sabe e lê nos jornais, sem holofotes dos comentários das TV's e sem voz nas rádios, sem a simpatia e a colagem aos partidos e aos lobbies corporativos que incendeiam a vida portuguesa.
A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados partiu do nada. Partiu do labor e da dor de gente de boa vontade que achou que tinha a obrigação de fazer algo pelos outros. Ao longo do século XX, estima-se que tenham morrido 35 milhões de pessoas nas estradas de todo o mundo, a que se somariam mais de mil milhões de feridos.
Esta gente que se juntou e formou a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, deve o Senhor Dr. qualifica-los de pueris, no seu íntimo.
Porque eu já passei por muito e tenho fé e nunca desejo aos outros o que passei, desejo que o Senhor Dr. não passe pelos caminhos das pedras que passamos nem fique com quartos vazios e coração cheio de saudade. E com o nome dos nossos escritos em pedras em locais silenciosos rodeados de ciprestes.
O Senhor Dr. reduz a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados a um lugar imerecido e injusto e fá-lo de uma forma soez e com desconhecimento do que o drama das estradas significa.
Não o vou incomodar mais senhor Dr.
Só mais um desabafo: eu também gostaria de ter uma vida confortável e sem dor. Mas não posso. Sinto a falta dos que já não tenho na minha vida, tenho julgamentos adiados e que se arrastam 10 anos, uma justiça criminosa, um sistema todo ele cúmplice de panaceias jurídicas, tenho que ir a consultas médicas, tenho que engolir em seco e falar com as seguradoras, tenho que acordar de noite e acalmar a minha filha que acorda com pesadelos, tenho que procurar emprego porque fiquei sem ele, tenho que pedir o carro emprestado porque fiquei sem carro. Tenho que ir para a fila do centro de saúde porque não tenho dinheiro para médicos e tratamentos privados.
No Angelus de 18 de Novembro de 2001, Sua Santidade o Papa João Paulo II disse: “Invoco a compaixão do Senhor por todos aqueles que, tragicamente, perderam as suas vidas em acidentes de viação. Peço a Deus que apoie os feridos, que muitas vezes sofrem por toda a vida, e também as suas famílias, as quais os apoiam nas suas provações. Apelo uma vez mais aos condutores para o seu cuidado e responsabilidade, para que todos os condutores respeitem sempre os outros."
A última palavra. A si falta-lhe compaixão pelos outros e conhecimento ou falta de vontade conhecer a dimensão do problema dos acidentes da estradas. . E isso é indesculpável. Também a vida política é uma vocação e missão ao serviço do bem comum. Mas...devo estar de novo a ser pueril.
Com os meus melhores cumprimentos
Maria Teresa Goulão