10/08/2008

Morrer Morrindo


Quando o sol esfriava a cabeça do cristo redentor e o fogo do desejo piscava no céu, disfarçado em primeira estrela, a língua da cidade balbuciava orações. Ave marias. Pai nossos. Salve rainhas. Credos. Água no copo. Radiofonia romana em césares subindo ladeiras.
Depois, quando a noite caía, acendia-se uma vela. De sete dias. Para um anjo em guarda. A intensidade da chama media a espada. Longa, se intensa; curta, se pálida. Em casos extremos as asas e a espada eram reforçadas pelo éter das almas benditas. "Alma dos inocentes, daqueles que morreram rindo com a boca e os olhos", dizia Benedita, a babá de Mauro, meu irmão caçula.
Morrer sorrindo... Como alguém pode morrer sorrindo? Morrindo? Morrer era então morrir. "Mas só para poucos", Benedita revelava, iluminada pelo tremeluzir frio da vela.
Quando morriu, num casebre perdido na clareira de uma favela, congelou o olhar de esperança e os deixou de herança para os filhos. Um tico de esperança muita. O mesmo tico que Deus deve ter deixado quando morriu para criar o Todo Tudo Possível.

Marcia Frazão

escritora brasileira