19/02/2008

OPINIÃO


Caro Joaquim Jorge

Na passada Segunda-feira à noite estive em Matosinhos, a assistir pela primeira vez a um debate organizado pelo Clube-dos-Pensadores, dedicado ao tema “Poder Local vs Poder Central”, e pelo qual o felicito desde já, quer pela eficiente organização, quer pela rigorosa moderação, tendo permitido um grande número de intervenções, sem monopólios nos discursos. Arquitecta de profissão, e adepta de bons debates entre cidadãos como forma de transmissão/partilha de conhecimento e informação, entendi que não seria um grande abuso da minha parte, partilhar uma pequena reflexão relacionada com o tema do debate, suscitada pelo que lá ouvi. Apesar de se ter falado de muitos temas diferentes nas cerca de duas horas e meia que durou o debate, incluindo os inevitáveis temas “quentes” do momento, como as eventuais candidaturas de alguns oradores às próximas eleições autárquicas, ou até a questão do Mercado do Bolhão, chamou-me a atenção um tema referido por alguém na assistência – os projectos PIN –, e que, no meu entender, ilustra bem a dicotomia Poder Central/Poder Local existente na minha área predilecta de reflexão – o urbanismo.

Resumidamente, os projectos PIN (ou, traduzindo, projectos de Potencial Interesse Nacional), são projectos que, cumprindo determinadas características, podem ser reconhecidos directamente pelo Governo como tendo prioridade em relação aos restantes processos urbanísticos que estejam a decorrer nos municípios. Ou seja, metaforicamente, correspondem às pulseiras laranja das urgências dos hospitais que adoptaram a “triagem de Manchester”, podendo por isso, beneficiar de certas benesses... tais como, por exemplo, tempos reduzidos para a apreciação dos projectos, ausência de discussões públicas, os PDMs e outros planos municipais podem ser simplificadamente alterados de forma a “absorver” os projectos PIN, entre outras regalias estabelecidas na legislação recentemente aprovada... ou seja, estamos assim perante uma forma de o Governo (Poder Central) “deixar” a sua marca nas decisões urbanísticas emanadas pelas entidades a quem, constitucional e legalmente, incumbem e competem tais decisões, os municípios (Poder Local).

Por outro lado, e aproveitando o assunto da aprovação de legislação recente, há um outro tema que ilustra também a influência do Poder Central no Poder Local em matéria de urbanismo – a nova Lei das Finanças Locais e legislação de apoio. De acordo com estes novos preceitos legais emanados pelo Estado, a partir de agora passa a ser possível os municípios poderem cobrar taxas (tais como taxas urbanísticas, entre outras) às entidades da Administração Central, incluindo o próprio Estado, até aqui isentas. Como ilustração do efeito prático desta importante medida de financiamento das autarquias locais, imaginem por ex., na cidade do Porto, o Hospital de São de João, a Universidade do Porto, entre outras instituições e empresas públicas, a pagarem taxas urbanísticas pela realização das suas obras!

Não deixa de ser curioso o facto de o Governo (Poder Central), ao mesmo tempo que lança mão dos projectos PIN para influenciar as decisões urbanísticas municipais (Poder Local), forneça às autarquias locais (Poder Local) base legal para estas influenciarem as decisões urbanísticas estaduais (Poder Central), que, podem passar deste modo a realizar as suas obras onde as taxas sejam menores...

Até aos próximos debates!

Paula Morais
Arquitecta