04/02/2008

Em defesa de José Sócrates, engenheiro projectista


Mário Russo

José Sócrates é o PM de Portugal, sujeito a um escrutínio minucioso e meticuloso. Qualquer das suas acções/atitudes é olhada de muitos ângulos. Goste-se ou não, o certo é que não é indiferente aos portugueses, justamente pela magistratura que ocupa e pela forma como a exerce. Apresentou-se à governação como uma esperança de algo de novo no espectro político, mas decepcionou-me logo a seguir. Sou um dos críticos do seu comportamento autista e arrogante em determinadas matérias, à sua insensibilidade social e à elevada importância tecnocrática e contabilística que empresta em todas as matérias de governação. Obviamente que não advogo um “forrobodó” financeiro, nem um desperdício à tripa forra como já se viu algumas vezes, mas daí a remeter tudo à lógica da contabilidade vai uma distância grande.

Porém, reconheço a dificuldade que é governar com a necessidade de optar por implementar mudanças. Todos somos avessos à mudança. É natural que as reacções sejam quase sempre negativas, pois é caminhar para algo desconhecido ou pouco desbravado. Ele, JS, teve a coragem de “mexer” onde ninguém teve coragem, pese embora os discursos da necessidade, mas ficavam-se por isso mesmo. Ele teve essa coragem.

Aos portugueses, que põem Portugal acima dos imediatos interesses particulares ou partidários, não interessa um governo fraco, logo um PM ferido. O que jornal o Público fez acerca da existência de projectos com a assinatura do Engº José Sócrates é um atentado ao bom senso e grande falta de postura de Estado jornalisticamente falando (deixemos o eufemismo de Eng. Técnico, porque é engenheiro na mesma, pois não importa o nível, no caso bacharelato, que é o nível normal das engenharias na Europa e EUA). Bastou a novela da licenciatura. Chega do ataque pessoal e gratuito.

Com efeito, é dado um relevo especial ao facto das assinaturas, em parte porque quem tem comentado e condenado não sabe nada de engenharia e de projectos. Se o Público for aos gabinetes de engenharia e arquitectura constatará que os projectos são realizados por mais de um profissional. São equipas a trabalhar, sendo a responsabilidade final assumida pelo coordenador da equipa, que o assina.

Sou engenheiro, professor de engenharia, membro dos corpos sociais da Ordem dos Engenheiros e convivo com estes e outros aspectos da ética e deontologia profissional do engenheiro, sentindo-me apto a falar deste caso. Mais, com o dever de o fazer.

Não se deve espantar porque há engenheiros que fazem contactos (comerciais e técnicos) e levantamentos dos locais com os “donos de obra” e depois os projectos são executados com outros técnicos, nos gabinetes, que o dono da obra nunca os conhecerá (nem tem de conhecer). A verdade é que aquele que assinar o projecto é o responsável directo e legal, pois está a assumir, cível e criminalmente todas as responsabilidades advindas desse acto. Nestas condições o projecto é supervisionado por quem o assina, para não ter surpresas desagradáveis.

O que Sócrates fez, enquanto engenheiro, é perfeitamente normal. Os projectos não são como na literatura, em que o trabalho é de fato individual e assinar um trabalho intelectual destes é um plágio, perfeitamente tipificado. Em projectos de engenharia não é a mesma coisa. Para terem uma ideia, para além das peças desenhadas, que os leigos chamam de projecto, há também partes escritas, as memórias descritivas e justificativas e os cálculos. Normalmente são realizadas por mais de um profissional daquela equipa de trabalho. É normal este comportamento de equipa em projecto, sendo realizado por mais de um engenheiro/arquitecto. Há mais discussão de soluções, de materiais, de metodologias construtivas etc. É um projecto participado e muito melhor que um individual.

Ah, mas dizem que os projectos foram executados por um engenheiro da Câmara, que não podendo assinar, pediu que José Sócrates assinasse por ele, o que pode configurar um comportamento leviano e irregular de quem pede e de pouco ético de quem aceita assinar. Não sei se é verdade ou não. Podem garantir? As pretensas provas do jornalista nada provam a não ser total desconhecimento do funcionamento desta área de actividade e uma falta de estatura moral e ética, apenas um grande apetite por protagonismo.

Sei que, tendo-se passado há mais de 20 anos, é um episódio perfeitamente prescrito, que não acrescenta nada ao país, pelo contrário, alimenta a pequena inveja reinante no país do bota-abaixo. Serve de arma d arremesso político e configura desejos de vingança. Os portugueses parecem ter um fascínio autofágico. Sócrates merece oposição pelas boas causas, e não ser combatido por tudo e por nada, sobretudo pela inveja e mediocridade.

Este episódio do Público revela a falta da estatura ética, deontológica e de postura de Estado que era característica dos jornalistas de outros tempos. Hoje, a proliferação de escolas de jornalismo a debitar milhares de licenciados e bacharéis nesta área da comunicação social, determina a existência de desempregados e free-lancers ávidos de sangue, para sobreviverem nesta lodaçal sociedade competitiva sem lei.

Lamento que José Manuel Fernandes, de que nutro simpatia, se tenha vergado a outros interesses, certamente nebulosos. Esperava muito mais dele, pois associava-o aos tais Jornalistas com J grande. Por isso, do mesmo modo que não poupo Sócrates governante, estou aqui em sua defesa, como engenheiro.