21/03/2007

Debate sobre o Porto e o Norte torna-se em conversa sobre a regionalização



Uma região desaproveitada

Será que “o país está condenado a um desenvolvimento assimétrico”? Esta foi uma das questões debatida na sessão-extra do Clube dos Pensadores, que se reuniu segunda-feira à noite. O poder da região, o poder de Lisboa e a regionalização foram outros dos tópicos
David Furtado/José Freitas (foto)


Decorreu anteontem à noite mais um debate do Clube dos Pensadores. Desta vez, o tema foi “Porto e o Norte no contexto nacional”, mas a conversa acabou por se focar na regionalização. Estiveram presentes Rui Sá, vereador do PCP na Câmara do Porto (CMP) Álvaro Castello-Branco, (vice-presidente da CMP), Manuel Serrão (empresário), Joaquim Jorge (fundador do clube), Marco António (vice-presidente da Câmara de Gaia) e Ricardo Arroja (convidado da plateia e membro do clube). O debate abordou temas como o “Porto Centrismo” e as 200 “famílias da mão fria” que alegadamente mandam no país.
Norte cada vez mais atrasado
Álvaro Castello-Branco começou por recordar os problemas de desenvolvimento que assolam o Norte, o nível de desemprego, e a taxa de mortalidade nortenha “superior à média nacional”. Segundo ele, a região Norte tem-se atrasado cada vez mais, “o que nos leva à velha questão da descentralização. Já que sem isso”, salientou, “o país está condenado a um desenvolvimento assimétrico. A capacidade de decisão política tem de ser deslocada para o Norte, e para tal, os agentes políticos do Norte têm de se entender”. Álvaro Castello-Branco, avisou que “o declínio do Norte é o declínio do país. É inequívoco. Basta ver quanto é que o Norte produz para o PIB. Como tal, é um problema do país. Álvaro Castello-Branco criticou também a desigualdade de oportunidades no Porto, na Guarda, Lisboa ou Algarve.
O medo
Marco António recordou que, em 2000, “estávamos atrás da Galiza e agora o fosso aumentou”. Comparando aquela região à capital espanhola, Madrid, o autarca disse que “a Galiza evoluiu e nós não”. Isto terá acontecido “devido ao fracasso da regionalização. Não conseguimos impor à capital política uma lógica efectiva de descentralização, enquanto a Espanha tem a regionalização enraizada”, comentou. Marco António lembrou a necessidade de “fazer um pacto regional entre as forças políticas, para que haja concentração de opiniões, de forma a criar um grupo de pressão. Nós temos medo da palavra ‘lobby’. Nos EUA é uma profissão. O autarca concluiu, dizendo que “a regionalização é o único modelo com resultados à vista”.
“Portugal é enorme”
Manuel Serrão afirmou que, quando se referem a Portugal como país pequeno, fica com “nervoso miudinho”. Ao seu estilo peculiar, lembrou que “nós somos diferentes. Já vivi oito anos em Lisboa e as pessoas são diferentes, já que há interesses diferentes para representar”. O empresário referiu que “a única coisa positiva na identidade europeia é a soma das várias identidades regionais. Portugal é um país enorme para ser só uma região”.Nas suas palavras, “é mais fácil construir pontes para o noroeste peninsular do que para o Sul”. E concluiu: “As pessoas que dizem que somos iguais, não conhecem o país”. Segundo Manuel Serrão, “não é drama nenhum reconhecer isto”. E criticou: “Se não é possível gerir equitativamente os recursos a partir de Lisboa, há que deslocá-los para zonas onde possam ser bem geridos”.

Adeptos da regionalização
O que custa mais a Rui Sá é “a falta de aproveitamento do Norte. O Norte é a região mais jovem do país e há cá mais população do que em sete países da União Europeia de 25”. O vereador lembrou também a localização geográfica e a afinidade, quer com a Galiza, quer com Castela-Leão. “Somos a zona mais industrializada do país, temos 46 por cento das exportações e todo este potencial desperdiçado causa-me frustração.” Rui Sá brincou, anunciando “bem-vindos ao clube dos adeptos da regionalização. Mais vale uma má regionalização do que nenhuma”, defendeu o autarca, criticando a “centralização” e o “egocentrismo” de Lisboa. E foi mais longe: a Junta Metropolitana do Porto não passa de um “placo de vaidades”. Manuel Serrão contrapôs que “a área metropolitana é um bom princípio que, por falta de legitimidade eleitoral, não foi mais longe. A dimensão do Porto não é nada, tem de se concertar com os municípios vizinhos”. Já Álvaro Castello-Branco defendeu a Junta Metropolitana, referindo que “só pela criação da Lipor, merecia existir”.Ricardo Arroja recordou que só a Grécia e a Guiana Francesa são mais pobres do que o Norte português. “Os quadros de apoio comum só vão agravar as assimetrias”, criticou, acrescentando que “os Açores e a Madeira conseguem retirar mais valor a Bruxelas, devido à sua habilidade negocial. Qualquer modelo, que não o nosso, reduziria as assimetrias”.Joaquim Jorge irritou-se com o facto de ter de ir a Lisboa para ir a Madrid ou Frankfurt. “E para quê a Ponte Chelas/Barreiro?”, indignou-se. Durante o debate foi também abordada a relutância das pessoas, que identificam imediatamente o Porto com a regionalização. “Porque não Braga? Há aqui um Porto Centrismo.” Álvaro Castello-Branco discordou com Rui Sá: “Não acho que sirva ‘qualquer’ regionalização. Acho que é um assunto demasiado importante. Não tenho qualquer problema se a capital de região for Braga ou Vila Real”, acrescentou, “devem até ser cidades pequenas, mas que tenham bons acessos”, defendeu o autarca. “Convém lembrar que o CDS defendia a regionalização. Sá Carneiro e Amaro da Costa defendiam a regionalização”, recordou.
“Famílias da mão fria”Manuel Serrão criticou novamente a concentração em Lisboa: “Os motoristas, os tachos e os carros... só se estiverem perto de mim é que os posso controlar! O Estado diz ‘vocês têm o Metro, mas quem manda sou eu!’ Cavaco Silva, que tanto endeusamos, foi das pessoas que mais engrossou o aparelho de Estado. Guterres ganhou as eleições com discursos a favor da regionalização”. O empresário rejeita “a ideia masoquista que temos de nós mesmos. Em Lisboa, os erros e as derrapagens financeiras são muito piores. No Metro houve 20 por cento de derrapagem, e no Centro Cultural de Belém? 300 por cento!”Para Marco António, “o pior da nossa democracia são os homens e mulheres sem rosto que mandam efectivamente no país. São 200 famílias, a brigada da mão fria, os que andam em festas de whisky na mão”. O autarca indignou-se com os “profissionais há 20 anos em empresas públicas, empresas que dão prejuízo há 20 anos”. Rui Sá afirmou que prefere “um cacique eleito a um cacique nomeado” e deixou o aviso: “Cuidado com o QREN. Haverá centralização de verbas.”