07/02/2007

PELO SIM , PELO NÃO

FREDERICO VALARINHO

Normalmente, muito antes de ser chegado o dia de colocar o papelinho dobrado em quatro dentro da urna, em eleições ou referendos, sei já qual vai ser o meu voto. Não preciso de debates nem de propagandas para tomar uma decisão e gabo-me de, até hoje, nunca me ter arrependido de votar em quem votei. Acho,contudo, que o referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que vamos enfrentar no próximo dia 11 de Fevereiro, será uma das mais complexas decisões eleitorais da minha vida.Bem vistas as coisas, vote sim ou vote não, terei sempre razões para me arrepender. Se o sim ganhar, e considerando o nível cultural de uma população que faz do facilitismo um dos seus maiores defeitos, o aborto corre o risco de se transformar num método anticoncepcional radical, usado sem critério por quem se esqueceu do preservativo, da pílula ou, em última instância, da pílula do dia seguinte. Além disso, uma vitória do sim funcionará, igualmente, como uma tácita desresponsabilização do homem no processo reprodutivo. A mulher decide se aborta ou não, sem precisar de consultar o parceiro que forneceu o espermatozóide. Isto é, a lei passará a afirmar que, na reprodução, há células de primeira (os óvulos) e células de segunda (os espermatozóides). Estamos perante o feminismo levado às suas derradeiras consequências.Perante isto, posso votar não. Mas, ao fazê-lo, estarei a condenar à barra dos tribunais milhares de mulheres que, com as mais variadas e fundamentadas razões, decidiram não ter condições para trazer mais uma criança a este número. Estarei a condenar inúmeros casais a terem mais filhos do que aqueles que têm capacidade para sustentar. Estarei a ajudar inúmeros médicos, enfermeiras e parteiras a tornar ainda mais rica a mina de ouro do aborto clandestino. E estarei, em última instância, a dizer que a Lei é mais poderosa do que a Moral - o que me irrita profundamente.Restar-me-ia, perante um tal dilema, abster-me, deixando que outros decidam por mim. Fazê-lo, todavia, é um acto de insuportável cobardia que em momento algum aceitaria desempenhar. Se me abstivesse (ou votasse branco ou nulo),estaria a aceitar o papel do personagem do poema "A Indiferença", de Brecht- "agora levaram-me a mim, e quando percebi já era tarde".Não quero. Vou votar. Sim ou não, vou votar. Provavelmente a decisão será tomada no derradeiro instante, com a caneta na mão e o boletim à frente.Votarei e, tenho a certeza!, não me arrependerei do meu voto.