13/01/2007

OTA: a melhor opção ?







Mário Russo


A discussão deveria iniciar-se sobre a oportunidade da construção de um novo aeroporto internacional de Lisboa (NAER), no entanto, admitindo ultrapassada esta fase, importa que a infra-estrutura aeroportuária tenha inequivocamente o melhor local para a sua implantação, conjugando o menor custo económico e ambiental. Económico, porque trata-se da obra do século em Portugal e os portugueses poderão ver o seu futuro hipotecado definitivamente com uma má opção, tendo que pagar elevados ónus por muitos anos. Ambiental, porque diversos descritores devem ser rigorosamente estudados, modelados e avaliados. Ou seja, trata-se de exigir dos decisores políticos o seu trabalho que não é mais que transparência de processos, cumprimento das formalidades legais que este tipo de obra representa e muito rigor, que não tem acontecido. Com efeito, só entre 1997 e 2005 foram realizados 71 estudos parcelares, tendo sido gastos 12,7 milhões de euros (comparticipação da UE de 6,6 milhões de euros) e apenas o que foi encomendado à Novolis (consórcio formado pelos bancos ABN e Efisa), se debruça sobre a avaliação económica do projecto do novo aeroporto na Ota. Ao que a imprensa revelou, como foi o caso do jornal O PÚBLICO, classifica o estudo de uma análise muito superficial e mesmo desajustada do momento presente, não integrando sequer uma análise aprofundada da obra em termos dos custos e benefícios relativos, conforme reconheceu ao mesmo jornal o presidente da ANA. Sob o ponto de vista da localização, se alguma dúvida houvesse basta referir o seguinte e que é público: a) - A área de implantação na Ota situa-se numa zona húmida de aluvião (com cotas de 2 a 3 metros de altitude) na confluência de 3 linhas de água: o Rio Alenquer a sul do NAER, a Ribeira e Paul do Alvarinho, que atravessa a zona central do novo aeroporto e o Rio e Paul de OTA, coincidente com a pista Este do NAER, em pleno leito de cheia, que levou a que nos mais recentes estudos apresentados pela NAER - a Proposta de Definição do Âmbito do Estudo de Impacto Ambiental (Julho 2002) - se proponha uma barragem. O mesmo estudo considera que: - “..estudos geotécnicos realizados recentemente revelaram que os solos da bacia aluvionar do Rio Ota não apresentam a capacidade de carga necessária. Na sua configuração original, a maior parte da pista Este era construída em cima da bacia do rio, o que aumentaria consideravelmente a magnitude dos impactes e os custos de construção porque uma grande área de solos teria de ser submetida a trabalhos especiais de consolidação, de forma a poder suportar as cargas associadas ao aterro da pista”. b) O Estudo Preliminar de Impacte Ambiental (EPIA) realizado conclui que a localização implicaria “impactes ambientais negativos muito significativos ao nível da geomorfologia, paisagem, ecologia, qualidade do ar, ruído e planeamento e uso do solo”. A própria Comissão de Avaliação designada pelo governo para a análise dos EPIA, apelou à imediata elaboração de estudos complementares necessários e que poderiam colocar em causa a viabilidade do projecto. Esses estudos não foram realizados. c) Um Aeroporto internacional para 30 milhões de passageiros a ser construído sobre uma zona húmida classificada como "Área Nuclear para a Conservação da Natureza" e "Corredor Ecológico", que exigirá a substituição de mais de 80 milhões de m3 de solos inadequados, que poderá ficar inoperacional em caso de eventos climáticos extremos possíveis face às condições de localização hidrográfica e a previsíveis efeitos das mudanças climáticas. Um aeroporto que não poderá ser ampliado dentro de 40 anos, se o fluxo de passageiros o exigir. Um aeroporto localizado numa zona urbana e de serviços em enorme crescimento, como pode ser justificado? d) Ainda não há um estudo rigoroso, como se impunha, e não há discussão pública como deveria ter, é considerada pelo governo decisão irreversível. Porquê? a quem interessa uma obra que vai custar muito mais que o apregoado (baseado em meros palpites (um mau serviço ao rigor exigido à engenharia). Consultando a página web do NAER, onde apresenta um conjunto de documentos de estudos justificativos, a começar por um da localização de 1972, que é uma vergonha ou o de 1999 para justificar a localização. Os restantes documentos apresentam lacunas muito graves. Por exemplo, nos estudos da componente relativa à água e recursos hídricos, é apresentada a situação relativa à qualidade das águas residuais produzidas no novo complexo e o efeito na bacia hidrográfica da alteração quantitativa devido ao escoamento mais rápido motivado pela impermeabilização de 5.600.000 m2 de superfícies e correspondente consequência na referida bacia. Não há um estudo de modelação do escoamento na bacia, em período de cheia e quais as áreas inundadas, que mostraria claramente a inundação da plataforma da aerogare. Não há uma referência às situações de extremos climatéricos que se tem vindo a constatar e que poderão ser mais gravosos num futuro próximo (alterações climáticas). `Basta visitar neste Inverno o local para ver claramente o nível das águas pluviais na zona prevista para a localização do aeroporto. O Eng. Luís Coimbra, técnico da ANA e consultor para o aeroporto publicou em Junho passado num jornal diário, um texto de opinião em que afirmava “Nunca se realizaram estudos técnicos operacionais comparativos entre as duas principais hipóteses de localização - a Ota e Rio Frio - muito em especial quanto à possibilidade de operações simultâneas no sistema de pistas proposto para a Ota, local manifestamente inadequado à instalação de duas pistas paralelas separadas por 1700 metros”. Citando novamente o Eng. Luís Coimbra “o Aeroporto da Portela tem potencialidades para se desenvolver com qualidade e baixos investimentos até ser atingida uma capacidade máxima da ordem dos 16 milhões de passageiros por ano (talvez lá para 2018-2020 segundo as mais recentes previsões internacionais). Os mais recentes estudos complementares deixam bastante claros quanto às dificuldades encontradas para solucionar as questões ligadas aos escoamentos superficiais e possibilidades de inundação da pista Este da Aerogare, com todas as suas estruturas relacionadas, tais como os estacionamentos e a linha férrea, a aproximação de aeronaves e a tipologia das mesmas, propondo-se mesmo que só raramente poderia ser escalado por aviões da categoria F, invalidando assim, na prática, a sua vertente de plataforma transatlântica, como apresentado pelos promotores e que se justificaria dada a grandiosidade da obra. As soluções de drenagem com o desvio das ribeiras da Ota e Alvarinho, protegendo com uma barragem ou a elevação com terrapleno de toda a plataforma de implantação aeroportuária para garantir a funcionalidade da estrutura, não passam de obras faraónicas que elevariam os custos exponencialmente e sem garantias de eficiência (é afirmado que a pista com maior qualidade de utilização é também a que mais incorre em risco de inundação). O que me aflige, quase inacreditável, são as declarações irresponsáveis daqueles que deveriam ser os responsáveis. Senão vejamos, o presidente da comissão para o NAER "A localização será esta, uma vez que a decisão teve por base um estudo preliminar sobre os impactos ambientais. O que acontecerá é que terão de ser tomadas medidas minimizadoras dos efeitos negativos" . Que não corresponde à verdade. Por outro lado, "rejeitou" que o estudo de impacte ambiental possa colocar em causa a opção pela localização da Ota. Não abordei as pressões espectáveis sobre diversos descritores e indicadores ambientais, porque se o fizesse a avaliação seria ainda mais negativa. Não é preciso ser especialista para tirar ilações deste processo obscuro, cuja decisão é autista, autoritária e arrogante. Os dados demonstram que esta obra é completamente desajustada à localização pretendida. Os portugueses pagarão durante as suas vidas esta aventura irresponsável de um governo que se acha no direito de impor o que quiser sem justificação, pese embora a legitimidade democrática que lhe assiste em governar. Mas deve fazê-lo lealmente, com seriedade e sentido de Estado. Não precisa estragar o que tem vindo a fazer com decisões que o envergonharão. Aos cidadãos, e mais aqueles que têm conhecimento mais detalhado da situação, cumpre-nos denunciar e levantar a nossa voz contra esta agressão ao bom senso. Que se construa um novo aeroporto, mas com base na seriedade e não com recurso à ciência oculta.


professor do politécnico e membro do clube