
Luís Mamede*
Uns alegam que a corrupção é intrínseca à natureza humana. Outros afirmam que o poder pelo poder convive de mãos dados com os subornos, favorecimentos e actos de corrupção. E almas restantes querem acreditar que será pela emergência de uma cultura de rigor, de responsabilidade e de utilização de dispositivos de controlo/ avaliação de condutas; quer públicas; quer privadas ou cívicas que a democracia se salvará dos malfeitores.
Desde já recorro ao ‘bartoon’ de Luís Afonso, jornal público. Dois conhecidos sentam-se à mesa, um lê o jornal e o outro aguarda as baforadas frescas. O que lê: se houvesse menos corrupção em Portugal…talvez tivéssemos um nível de desenvolvimento parecido ao da Finlândia. O outro retorquiu: também podemos ver isso noutra perspectiva. Se fossem mais corruptos, talvez os finlandeses fossem parecidos connosco. Realmente ela existe e em caricatura tudo é relativo: os maiores e menores índices dependem das bitolas de comparação.
Se olharmos para as agendas políticas locais e dos órgãos de soberania portuguesas, facilmente concluímos que a corrupção não é certamente um assunto que morra de amores. Não que os decisores não tenham consciência da sua existência e magnitude do mal no sistema democrático, mas porque muitos deles convivem, lado a lado, com as manobras de corrupção; quer seja pela prática de favorecimento; quer seja pela posição de presa (decisores públicos) face ao poder económico.
A ‘teoria da escolha pública’ entre muitas outras coisas indicia, em absoluto, as razões directas da corrupção nas esferas públicas. Isto é: se os privados e os cidadãos assaltam o poder é lógico e provável que os comportamentos deles na esfera pública sejam iguais aos do espaço privado e individual. O modo de agir é igual e a tentação é grande. A prestação de contas (accountability) é nula e o poder dispor é máximo. Mesmo que assim não fosse, as relações promíscuas do poder público com o poder privado (vector económico) são, por si só, deveras evidente. Mas sendo perigoso e maléfico, muitos cidadãos portugueses vivem resignados e quase todos os políticos consideram-na um mal menor.
A prova irrefutável disso mesmo é a forma que os ministros são convidados – de onde vêm – e depois para onde vão. É certo que alguém tem de assumir as funções de estado, directas e indirectas, mas estou convicto que uma maior seriedade, sentido ético e convicção moral não ficava nada mal. E entretanto o agradecimento da sociedade, em abstracto, seria crescente. Caso contrário, o alheamento é notório, a convicção nos políticos é nula e aos olhos dos cidadãos, os políticos só gravitam nos cargos públicos para se servir e bem servir. Todos os agentes e actores que contribuírem para o seu bom desempenho, diga-se com bastante desafogo, será compensado. Nas estâncias públicas não faltam instrumentos de compensação e doutros favorecimentos possíveis. Os recursos ainda são elevados, mesmo já não parecendo.
Os decisores sabem e a máquina administrativa permite que as acções à média luz sejam práticas pacíficas e toleráveis. O sentimento geral é de que: fazem mal, mas se fosse eu fazia o mesmo. A vida humana é curta e quem vier a trás que encoste a porta. Não há e dificilmente haverá uma cultura de solidariedade intergeracional.
Á medida que descemos da esfera pública central para a local - autarquias locais - as desconfianças e outras evidências mostram que os sinais de corrupção são reais. Não só porque a proximidade entre as esferas públicas e privadas (sector económico) é mais próximo, como a exposição política aos olhos dos cidadãos é maior. O que está em causa, além das manobras é saber se o princípio da descentralização administrativa é a escala mais eficiente de governo local. Será que a tese de defesa do princípio da subsidiariedade merece acolhimento societal?
Uma outra sensação, no espectro local é a de que os políticos, alegadamente corruptos ganham e consolidam as votações em actos eleitorais. Veja-se os desempenhos do Major Valentim Loureiro em Gondomar; a dra. Fátima Felgueiras em Felgueiras e o dr. Isaltino Morais em Oeiras. Caso contrário, a corrupção só é veiculada na praça pública como um grave problema, quando os políticos deixam de o ser. Ora por perda de eleições. Ora porque deixam de dar jeito nos cargos para os quais foram, em mandatos anteriores, eleitos.
Recentemente na Maia, no espaço de reflexão cívica, intitulado de «Clube dos pensadores», foi tema de discussão/reflexão a corrupção, com enfoque no sector de urbanismo nas autarquias locais; mais precisamente nos municípios. Para todos os efeitos são estes que detêm a competência/legitimidade para autorizar ou licenciar qualquer operação urbanística. Nessa perspectiva, os presentes, tal como eu, ouvimos com atenção o diagnóstico, os intentos e as propostas do prof. Paulo Morais.
Entretanto ficámos a conhecer as reais motivações e interesse recentes para com a temática da corrupção no espectro do urbanismo, as razões que o levaram a aceitar o cargo político no município do Porto - já que o cenário que traçou foi negro e não menos assustador; e que as teias promíscuas entre os partidos políticos e os promotores imobiliários são preocupantes.
Quanto mais simpático e promíscuo for o político, na relação de facilicitação de acção e de cumprimento dos objectivos imobiliários, maiores serão pelos menos as compensações indirectas: fundos de campanhas e outras acções de índole eleitoralista.
A dimensão da problemática da regulação urbanística municipal, a magnitude do (dês) respeito pelas componentes do ordenamento do território e as raízes da génese do mal (modus operandi público versus dinâmica económica/ sector imobiliário) serão apresentadas e discutidas na próxima quinzena. Nessa altura utilizarei os factos enunciado na reportagem: Corrupção autárquica alarma Espanha (jornal público), para melhor se perceber os contornos da mancha de óleo da corrupção, a que Portugal não é de todo alheio
*Urbanista e membro do clube
artigo publicado no OPJ em 20/11/2006
