Este ano, os foliões brincarão como se fosse um carnaval normal. É a grande festa da manutenção das aparências: faz de conta que “as águas vão rolar”, faz de conta que somos felizes, faz de conta que as classes sociais se misturam fraternalmente, faz de conta que não existe calote nem empobrecimento de todos. Eu mesma vou cair no passo e usar uma fantasia diferente para cada dia momesco, em homenagem às três dimensões da minha cidadania:
No domingo, sairei fantasiada de OTÁRIA - entra ano, sai ano e eu caindo no conto do Governo e no conto da Oposição. Sempre estão dizendo uma coisa e fazendo outra - a molecagem difere apenas na cor e no teor. Na segunda-feira, vestirei minha fantasia de EQUILIBRISTA - caminhando na corda bamba estendida sem rede de proteção (apesar de prometida), sustentando uma vara escorregadia, sem certeza de que amarraram a corda direito (provavelmente não). Tentando com todas as minhas forças e habilidades não ser derrubada pelos ventos da incúria nacional. Isto é que é ser brasileira. Na terça-feira, será a vez da minha fantasia de PALHAÇO. Sem originalidade alguma, já que estarei cercada de meus concidadãos, vestidos do mesmo jeito. Formaremos o Bloco dos Burlados e driblaremos nosso desconsolo, que é o que palhaço sabe fazer bem. E ainda cantaremos a marchinha “De dia falta água, de noite falta luz”.
Na quarta-feira de cinzas, terei, cristalizadas nas bochechas, uma lágrima verde outra amarela. Sairei, impávida, para a vida real, cantarolando este samba-enredo: “A cegonha me largou de lá de cima,/ Caí no abismo das desilusões./ Meu coração quase parou / Quando ela me disse: no Brasil você chegou./ Sou brasileira, sim. E amo o Brasil./ Mas, for favor, não riam de mim”.