Sofia de Castro Sousa*
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Não me refiro a reencarnações nem a episódios para- ou
sobrenaturais pois que isto está dependente de crenças nossas sobre a vida e
sobre a morte. Quero antes debruçar-me sobre a nossa única vida e sobre os
episódios que vivenciamos durante a nossa infância, adolescência, idade adulta,
velhice. São esses mesmos episódios que, em conjunto, compõem a nossa história
de vida. Como uma sinfonia. Alegre ou melancólica. Breve ou longa. Serena ou
trepidante. A embalar a nossa história de vida está o tempo. Sim, esse
destinatário de rosto vago, a quem nós tantas vezes aludimos com um "É uma
questão de tempo" ou "Dá tempo ao tempo". Outras vezes, contudo,
confundimos o tempo com uma espécie de mensageiro secreto, a ponto de pedirmos
"Alguém pode parar o tempo, se faz favor?".
Por vezes penso nos projectos que já concretizei, naqueles
que ainda quero realizar, noutros que ainda estão em fase de esboço. Penso
também em oportunidades disfarçadas de nevoeiro. Umas deixei passar ao meu
lado, como se fossem um qualquer carro veloz. Às outras consegui tirar o capuz
a tempo de lhes ver a face. Penso nas cicatrizes que entretanto ficaram e,
olhando-me no espelho, vejo que entre as minhas sobrancelhas moram duas linhas
que, enfim, só podem ser um casal de namorados. Teimam em aproximar-se uma da
outra, à mínima janela de pensamento meu. Como agora. Basta imaginar, sem
espelho: neste momento, estão as duas a falar em surdina. Acho-lhes uma certa
graça, devo dizer. Ficam-me bem.
Cada episódio que vivenciamos, que desmontamos, que recriamos
fica dentro de nós com se de uma impressão digital se tratasse. É mais um
tijolo, mais uma janela, mais uma parede, mais um rodapé. Conforme a valência,
o significado que esse episódio teve para nós. Se somos a súmula de tudo isto e
muito mais que estará para vir, quantas vidas somamos em nós, afinal?
*psicóloga
*psicóloga