O meu olhar calcava a doce maresia que se encontrava à minha frente. O
cheiro a mar, no fim da tarde, é tão intenso que nos faz levar para uma outra
dimensão. Uma espécie de “entre mundos” onde o espírito livre de cada um do ser
humano, transporta dentro de si, a capacidade de reagir com o sobrenatural, e
os mais breves gostos e cheiros nos levam ao lugar mais incansável e imaginário
da nossa própria imaginação.
De facto, o que imaginamos não traduz mais que simples viagens à nossa
pequena sensibilidade criativa, e, podemos, com uma certa nostalgia, acreditar
que o fruto da nossa imaginação consegue descobrir os pequenos remendos de uma
pequena jornada no que foi feito ou sentido, numa questão de segundos, ou até
milésimos de segundo, como o nosso olhar nos transmite.
Enquanto, simplesmente, continuava a debruçar o meu olhar para o extenso
manto azul que presenciava, bem à minha frente, a tonalidade do céu mudava. O
que havia sido um espelho da água durante todo o dia estava agora a ser
consumido por um violeta avermelhado, como que a galáxia se resumisse a uma
única estrela, e que essa conseguisse atravessar milhões de milhares de
obstáculos para um prazer que todos podiam vivenciar. Um jogo de sensações e
cores reinavam naquele final de tarde, que eu, sozinho, saboreava, como se
fosse um gelado de emoções tocantes e que, de certo modo, afectasse o meu
coração, fazendo-o suspirar.
Subitamente, desviei o meu olhar, até então enternecido, para o lado. A
poucos metros de mim, estava mais uma pessoa que desfrutava das mesmas
sensações que eu. Era uma jovem e pela aparência na casa dos 20 anos. A sua
pele deu-me mais afogo ao coração. O vermelho acastanhado invadia o seu corpo,
confundindo-se com a areia, naquele final de tarde escaldante mas inesquecível.
Fiquei sem reacção, quando a vi, imaginei um outro ser, uma outra jovem
e, por breves momentos, troquei a face daquela rapariga que me “acompanhava”
naquele rico entardecer, por um rosto que não fugia de mim, que não se
aposentava nem um segundo da minha memória… nem do coração.
Incrível como um simples olhar nos pode levar ao ilusório realístico. A
dona do rosto que imaginava estava longe, mas continuava perto… dentro de mim.
Galvanizava sensações, e para ser sincero, sempre que me recordo, daquele rosto
quando não estou próximo dele, desperta em mim uma saudade enorme, uma frustração
inimaginável... que o meu corpo, pesado e contraído, se arrasta para um
infinito próximo sem uma meta possível de atingir.
Quando entrei de novo para a realidade, no indescritível final de tarde
que presenciava, a rapariga sorriu. Sorriu momentaneamente, sem eu saber o
porquê. Levantou-se e abriu os braços.
- Sinto-me livre – Gritou, com um sorriso que não só valia ouro como,
também, uma pureza interior infindável.
Perplexo e quase sem reacção, acabei por espelhar o gesto da rapariga, e
sorri. No preciso momento que o faço, a jovem baixa os braços e lança um olhar
sobre o mar, o poente e todas as espécies que podiam estar a observá-la,
sussurrando só para si, embora eu a tenho ouvido.
- A vida é um retrato do que nos rodeia. É uma extracção de acontecimentos.
É a dúvida de questões, e incertezas de muitas das respostas. – Suspirou,
continuando – Todos têm um fim. Apenas o tempo é dono do infinito. Nós somos
apenas uma amostra que tem a oportunidade de vivenciar a beleza do mundo, a
beleza que cada um quer ver. Os mais insignificantes momentos marcam uma vida,
e a vida… - parou por segundos, até que eu continuei o seu pensamento.
- e a vida, embora curta, oferece-nos o tempo necessário para absorver o
paladar de todo o desconhecido que queremos desvendar.
A jovem abanou afirmativamente com a cabeça, e voltou a sorrir. Um
sorriso que transmitia uma serenidade inabalável e, sobretudo, contagiante,
porque, eu, quando menos esperava, dava por mim a sorrir também.
Não trocámos nem mais uma palavra, nem gesto, nem olhar… absolutamente
nada! Cada um, como no princípio, focou-se no esplendor de final de tarde. Na
praia, quase deserta, e com um espectáculo natural ao alcance de apenas quatro
olhos. Os meus e os daquela rapariga.
O pôr-do-sol deu lugar à luminosidade da Lua. A noite caíra, a
temperatura descera, o silêncio era ainda mais intenso… mas eu, eu recusava-me
a sair dali, não sei bem porquê, simplesmente não fazia parte do meu
pensamento, levantar-me e deitar para trás das costas aquele espectáculo que a
natureza me tinha proporcionado naquele dia e, agora, naquela noite.
Rui Fernandes
estudante