08/07/2006

MÉTRICAS

Vitalina costumava dizer que "o comprimento não é coisa dos centímetros e metros". O seu sistema métrico ignorava os tracinhos das réguas e era definitivamente avesso às fitas.Media no olho. Olhava sabe-se lá para qual ponto, estendendo um fio imaginário que vez por outra me surpreendia com a exatidão neo-científica de uma bruxa analfabeta. Invertia a lógica e ria-se de qualquer tonto que tentasse convencê-la da inexatidão dos seus cálculos. Um dia, chegou lá em casa um homem estúpidamente alto, comprido como uma vara, e ela nos disse que ele era "baixo que nem verme minhoquento". Minhoca?! O homem media quase dois metros! Mas olhando para o tal ponto incógnito, Vitalina insistia em afirmar a minhoquês do gigante. De nada adiantou medi-lo, exibir a prova definitiva da fita métrica. Vitalina não se convenceu. Continuou afirmando que o gigante não passava de uma minhoca.
O tempo passou e um belo dia estourou uma notícia na casa: o grandão dera um desfalque no banco que trabalhava! Vitalina nos olhou e sorriu zombeteira: "Eu não disse que o tal era baixo que nem verme minhoquento?"...
Desde então, tenho procurado no espaço o tal ponto incógnito. Aposentei as réguas e fitas métricas, e estico os centímetros entre as pestanas. Descobri que o tal ponto pode estar no intervalo criado pelo piscar dos olhos. Ali, no vácuo da percepção. Escondido e exposto, em movimento e parado. Com o exercício desta neo-ciência, percebi que a métrica transcende o comprimento, altura, circunferência e peso. Me dei conta de que, por mais disparatado que seja, a métrica pertence ao universo dos adjetivos e não dos números. Sim! A analfabetice de Vitalina estava certa: " São as palavras que esticam, encolhem, engordam e emagrecem o mundo.".
Marcia Frazão