António Fernandes |
Escalar o que quer que seja é um desafio com arrojo desde
que o escalador o faça de mãos limpas e intenção aberta.
Duas condições impreteríveis e incondicionais para que a
citada escalada tenha o êxito pretendido num contexto em que por êxito se
conclui como contrapartida exclusiva o benefício filantrópico.
Escalar o que quer que seja para colher beneficio individual
é preceito que no atual estádio social se afere (avalia) por “sucesso”,
“êxito”, ou outra definição qualquer, de acordo com os preceitos (preconceitos)
com que a classe media liderada por académicos e políticos profissionais, com
os media a servir de pêndulo, a justiça a fazer de conta, e a educação em
letargia profunda, se debatem e para que não tem outra solução que não seja a
do seu próprio gozo embevecido pelo êxito social e o sucesso na carreira.
Esta estranha introdução é um preconceito pessoal de um
preceito social que faz regra deontológica num tempo em que a deontologia não
funciona por atentar contra a inteligência coletiva em meio aonde predomina a
ética estruturante de círculos sociais num todo que faz da vida em sociedade
comum uma panóplia elástica. Tão elástica que interage em todos os pólos como
se de uma única massa, ou mole, fosse constituída.
Não se estranha por isso que num determinado dia, um homem
se tenha enfunado de coragem e mostrado intenção em dar inicio a uma escalada
por penhasco que não conhecia e que para a qual não se havia preparado.
Pensou ele, o homem, que para estas coisas. Escalar
penhascos, bastava ter vontade e pouco mais.
Obviamente de que a vontade é fator determinante para a
execução de uma tarefa tão arrojada quanto aquela a que se tinha proposto.
Simplesmente, não chega.
Ê necessário também, para alem da vontade, um conjunto de
coisas essenciais para a execução da tarefa.
Desde logo, o reconhecimento e o planeamento da tarefa.
Depois, as ferramentas necessárias para a execução da
tarefa.
E por último, o maior de todos os incentivos.
O calor Humano!
Ora, o homem em causa optou por dispensar o calor Humano, as
ferramentas, e o reconhecimento do percurso da escalada que se propôs fazer.
Pensou que já tinha na sua posse todos os conhecimentos que
ajuizou necessários para zarpar, penhasco acima.
Apoiou-se em dois varapaus, e com a lenha sobrante de
desbaste anteriormente feito, um desbaste seletivo e providencial, construiu
uma escada que lhe facilitasse a subida ao cume do penhasco.
Pelo menos essa tarefa conseguiu fazer, que, diga-se,
parecendo a mais fácil é a mais difícil porque implica manter equilíbrio ao
longo de toda a escalada. E conseguiu fazê-la aproveitando a quantidade de
madeira existente e a facilidade com que esta se ajustou entre si porque há
imenso tempo que se encontrava já empilhada junto ao íngreme penhasco.
Que nestas coisas das pilhas, sejam elas feitas do que
forem, há sempre motivo para a sua existência. Sendo que, quanto mais fortes
forem os motivos, independentemente das razões, que terão razão ou não para o
serem, aumentam ou diminuem de volume consoante o aproveitamento que for feito
dos seus elementos tendo em conta as necessidades do trepador.
Porque, em abono da verdade, nunca se sabe quem é o
trepador:
- Se o que dá corpo ao ato;
- Ou quem do ato tira partido;
O esforço é sempre relativo ao empenho, e desempenho também,
o que valida a suspeição de que poderão haver outros trepadores em fila de
espera aguardando caminho feito.
E também, aqueles que usarão meios não convencionais em
escaladas para a escalada em causa. Correndo por isso, o trepador, o risco de
chegar e o penhasco já estar tomado.
Num outro dia, que nestas coisas da escalada o voluntarismo
pode sair caro se ocorrer alguma queda: do escalador; da escada; ou de um outro
qualquer artefacto que se encontre solto e mal posicionado no cimo da escarpa;
Que o homem, já no cimo, acabada a escalada, concluiu que
não conseguiu escalar coisa nenhuma.
O que tinha a acontecido foi tudo resultado da sua
imaginação.
Encontrava-se, por isso, no ponto de partida.
Não conseguiu porque tarde percebeu que só se é servido
enquanto se é útil.
Quando essa condição deixa de ser, ou fazer sentido, os
apoios cedem e o escalador cai.
A questão, para avaliação de danos, só depende da altura a
que estiver quando chegar o momento em que os apoios se vão desmoronar por
necessidade da conjuntura que o posicionamento dos até então degraus, peões em
tabuleiro de xadrez, fizerem o “xeque-mate” ao “Rei”.
A conclusão filantrópica é a de que, nesse mesmo dia, o do
início da escalada, o homem só teve uma preocupação: fazer caminho.
No ultimo dia, o dia em que chegou ao cimo, depois de fazer
caminho, teve de dar tempo ao tempo para se acomodar às condições climatéricas;
ao ritmo cardíaco necessário para estas aventuras; e, sobre tudo, ter uma boa
dose de sangue frio necessário em circunstâncias em que o imprevisto é sempre
certo e, as garantias de “sucesso” ou “êxito”, serão sempre, o incerto.