12/06/2018

Estranha saga grevista




António Fernandes 
Confesso a minha perplexidade perante o movimento organizado de pressão sobre o Governo num momento tão crucial para todo o segmento social que vive da venda da sua força de trabalho.
Curiosamente o movimento sindical representativo desse segmento social esteve demasiado silencioso quando o País era governado pela direita mais retrógrada de que há memória desde a revolução de Abril.
Não deixa de ser curioso também que, a variável do segmento social citado a exercer a sua atividade no setor privado, nunca se manifeste. Salvo, quando mobilizada pela entidade patronal, como aconteceu com o ensino privado aquando da iniciativa do Governo na defesa do ensino público.
Registo também que, em nenhuma PPP ou outro modelo empresarial misto houve qualquer movimento grevista salvo, na saúde, conhecidos que são os motivos nuns casos e as razões noutros casos.
A greve é um direito constitucional mas de superior direito consagrado na Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Simplesmente, a greve, é sempre o último recurso por influir diretamente nos direitos democráticos de todos os outros cidadãos independentemente da sua condição: serem ativos ou inativos no mercado de trabalho conhecido que é o seu peso na relação interativa social.
Ao influir nos direitos, liberdades e garantias dos demais cidadãos, a greve assume responsabilidade social generalizada, dependendo do setor em que se realiza e do seu impacto social, que se aplica como último recurso, esgotados todos os outros conducentes ao entendimento entre as partes.
Anotem-se a precariedade laboral nos serviços e na indústria; o fecho em cadeia de agências bancárias por todo o País e em todas as redes de bancos; as privatizações sucessivas; o espoliar ao setor público em benefício de interesses privados daquilo que são os pilares da economia nacional como o é a energia; a exploração das redes viárias; de comunicações; fluxos financeiros; e demais eixos de suporte da independência que um Estado deve ter para garantir a estabilidade política e social necessários para que possa cumprir com as suas responsabilidades para com os seus cidadãos. E que não são poucas nem se resolvem com acordos com parceiros que visam o lucro como resultado da exploração em que os cidadãos são as mercadorias transacionáveis.
Ao setor financeiro interessa a instabilidade social no aparelho do Estado sempre que a esquerda governa e o silêncio sempre que a direita governe mas,  não lhe interessa que haja um efeito dominó e por isso o acautela e previne através de coação e outras formas de represália que tem mostrado serem completamente eficazes.
Neste contexto é estranho que as organizações sindicais não denunciem as barbaridades existentes em todos os domínios para se escudarem em meras questões de reivindicação monetária.
Os sindicatos de hoje não podem escamotear as realidades laborais em que se inserem cingindo-as unicamente a negociação salarial porque os problemas dos seus associados são de teor bem mais relevante e nobre sendo que, a componente salarial sendo um fator de importância vital na justa medida em que é à sua volta que a qualidade de vida é determinada, não deve ser a sua única razão existencial.
Os sindicatos têm responsabilidades na organização da sociedade de que são um parceiro importante em todas as áreas de influência do interesse público.
Curiosamente não é visível a sua movimentação nesses domínios e devia ser.
Por isso a minha perplexidade a juntar à perplexidade da sociedade em geral perante o fenómeno grevista atual que podendo acrescentar mais alguns euros nos bolsos de alguns, não resolve os graves problemas sociais que nos afetam a todos.