António Fernandes |
Confesso a minha perplexidade perante o movimento
organizado de pressão sobre o Governo num momento tão crucial para todo o
segmento social que vive da venda da sua força de trabalho.
Curiosamente o movimento sindical representativo desse
segmento social esteve demasiado silencioso quando o País era governado pela
direita mais retrógrada de que há memória desde a revolução de Abril.
Não deixa de ser curioso também que, a variável do segmento
social citado a exercer a sua atividade no setor privado, nunca se manifeste.
Salvo, quando mobilizada pela entidade patronal, como aconteceu com o ensino
privado aquando da iniciativa do Governo na defesa do ensino público.
Registo também que, em nenhuma PPP ou outro modelo
empresarial misto houve qualquer movimento grevista salvo, na saúde, conhecidos
que são os motivos nuns casos e as razões noutros casos.
A greve é um direito constitucional mas de superior direito
consagrado na Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Simplesmente, a greve, é sempre o último recurso por
influir diretamente nos direitos democráticos de todos os outros cidadãos
independentemente da sua condição: serem ativos ou inativos no mercado de
trabalho conhecido que é o seu peso na relação interativa social.
Ao influir nos direitos, liberdades e garantias dos demais
cidadãos, a greve assume responsabilidade social generalizada, dependendo do
setor em que se realiza e do seu impacto social, que se aplica como último
recurso, esgotados todos os outros conducentes ao entendimento entre as partes.
Anotem-se a precariedade laboral nos serviços e na
indústria; o fecho em cadeia de agências bancárias por todo o País e em todas
as redes de bancos; as privatizações sucessivas; o espoliar ao setor público em
benefício de interesses privados daquilo que são os pilares da economia
nacional como o é a energia; a exploração das redes viárias; de comunicações;
fluxos financeiros; e demais eixos de suporte da independência que um Estado
deve ter para garantir a estabilidade política e social necessários para que
possa cumprir com as suas responsabilidades para com os seus cidadãos. E que
não são poucas nem se resolvem com acordos com parceiros que visam o lucro como
resultado da exploração em que os cidadãos são as mercadorias transacionáveis.
Ao setor financeiro interessa a instabilidade social no
aparelho do Estado sempre que a esquerda governa e o silêncio sempre que a
direita governe mas, não lhe interessa
que haja um efeito dominó e por isso o acautela e previne através de coação e
outras formas de represália que tem mostrado serem completamente eficazes.
Neste contexto é estranho que as organizações sindicais não
denunciem as barbaridades existentes em todos os domínios para se escudarem em
meras questões de reivindicação monetária.
Os sindicatos de hoje não podem escamotear as realidades
laborais em que se inserem cingindo-as unicamente a negociação salarial porque
os problemas dos seus associados são de teor bem mais relevante e nobre sendo
que, a componente salarial sendo um fator de importância vital na justa medida
em que é à sua volta que a qualidade de vida é determinada, não deve ser a sua
única razão existencial.
Os sindicatos têm responsabilidades na organização da
sociedade de que são um parceiro importante em todas as áreas de influência do
interesse público.
Curiosamente não é visível a sua movimentação nesses
domínios e devia ser.
Por isso a minha perplexidade a juntar à perplexidade da
sociedade em geral perante o fenómeno grevista atual que podendo acrescentar
mais alguns euros nos bolsos de alguns, não resolve os graves problemas sociais
que nos afetam a todos.