Daniel Braga |
Caiu o pano. Após as honras fúnebres como ex-Chefe de Estado (o primeiro
democraticamente eleito a desaparecer, dos ainda vivos) é tempo de reflexão e
de análise de todo o seu percurso político, dos tempos da oposição e do exílio
até às suas últimas tomadas de posição, mesmo já em situação débil de
saúde. Mário
Soares teve essa virtude – nunca ter sido uma personalidade indiferente – e causar sempre empatias fortes ou
desconfortáveis posições de antipatia e até de ódio. Estava na sua maneira de ser,
o atuar de forma algo exuberante e até, em algumas situações, de forma altiva,
incomodativa, quase autoritária. Mário Soares foi, em vida, um verdadeiro
animal político, respeitado por muitos, não compreendido por outros tantos, até
odiado ou despeitado por mais alguns. Tinha virtudes que o acantonavam para
patamares só possíveis a alguns, mas também mostrou, em alguns momentos e
períodos, atitudes de fraqueza, de indecisão e de precipitação. Falhou em
muitos momentos, nomeadamente, no complexo processo da descolonização, com
erros de palmatória e que causaram mossas até hoje incuráveis em algumas
franjas da população que vieram com uma mão à frente e outra atrás, muitos
deles corridos da sua terra natal. Mas haveria outro modo de encarar a
descolonização dos ex-territórios ultramarinos, principalmente depois de uma
longa guerra colonial na Guiné, Angola e Moçambique que causa demasiado sangue
e traumas? Provavelmente hoje a descolonização teria trilhado um caminho bem
diferente, mas também é verdade que, passados 40 anos, os referidos territórios
são Países independentes e senhores do seu destino. E após as independências, Soares mostrou
sempre abertura suficiente para a ajuda necessária e aqui saliento Timor, que
tem uma dívida de gratidão para com ele, através do enorme trabalho feito pela
Fundação Mário Soares. Mas Soares também tinha virtudes, pois foi um lutador
nato, intransigente e hábil pela liberdade e pela instauração da democracia.
Por isso lutou, sofreu e foi exilado. Regressou triunfante ao seu País no 25 de
abril de 74e a partir transformou-se no obreiro mor da defesa da democracia, da
cidadania livre e da liberdade de opinião. Deu o peito às balas quando a
avalancha populista e radical de esquerda tentou tomar o poder naqueles
difíceis tempos do PREC. Nunca desistiu, defendeu os princípios democráticos
que o norteavam e fez a ponte da integração europeia de Portugal. Foi Primeiro
Ministro por três vezes e Presidente da República durante 10 anos (1986- 1996),
não tendo sido os seus mandatos indiferentes a ninguém. Teve com Álvaro Cunhal
e Sá Carneiro momentos brilhantes de discussão política, muitos deles de
divergência profunda, noutros de concordância nos pontos essenciais da
governabilidade. Mário Soares, foi por tudo isto, um combatente inato,
perspicaz e nada avesso às lutas e às causas que defendia com denodo absoluto.
Foi o tal animal político que muitos falam, controverso, apaziguador,
combatente, altivo e intransigente. Nesta hora em que cai o pano sobre uma das
figuras mais influentes da segunda metade do século XX português, há que
prestar as devidas homenagens à pessoa, ao político, ao homem, ao lutador.
Termino insistindo mais uma vez: não lhe canto loas, mas não lhe desprezo o
valor e o mérito. E Mário Soares mereceu bem o preito e o
agradecimento que o povo português lhe prestou na hora da despedida. Obrigado Mário
Soares!