Mário Russo |
Portugal foi brindado por um programa de ajustamento
financeiro imposto pela Troika, tutelado pela Senhora Merkel e abençoado pela
União Europeia, como única forma do país estruturar a sua economia e poder
finalmente crescer, criar emprego e bem estar. De facto, é preciso ter as
contas em dia, enxutas, para se poder olhar para o futuro com confiança onde os
investidores planeiam com tempo e apostam no país, criando empresas, empregos
de qualidade e bem-estar. Ora, para que o país tivesse tais contas em dia, foi
imposto pela Troika e executado com obediência canina por Passos Coelho, um
programa de austeridade e de venda das empresas portuguesas a qualquer preço,
porque era dinheiro fresco, dinheiro estrangeiro a entrar no país, que assim deixaria
de haver dívidas públicas.
O Governo de Passos Coelho vendeu tudo o que pode. As joias
da coroa foram desbaratadas e desmembradas apesar das juras em contrário.
Empresas que eram inovadoras e criavam emprego qualificado levando o nome de um
Portugal moderno ao mundo estão na mão de estrangeiros: multibanco mais
avançado do mundo, televisão digital terrestre europeia, via verde, telefones
móveis pré-pagos, rede de fibra ótica, etc.
Empresas como a
Cimpor, uma das mais importantes cimenteiras a nível mundial, foi
vendida aos brasileiros da Camargo Correia que juraram mantê-la como era, só
que por pouco tempo, porque fizeram o que na altura vozes avisadas disseram,
que era o desmantelamento para realizar mais-valias. A ANA, que geria os aeroportos, tinha de ser
vendida porque era dinheiro estrangeiro fresquinho. Foi vendida à francesa Vinci,
sem experiência relevante no negócio, tendo vindo para aprender com a
experiência portuguesa, está a repatriar milhões de lucros.
A TAP, vendida ao dono da AZUL, companhia aérea brasileira,
já subtraiu 3 rotas para o Brasil à TAP, porque não eram rentáveis para a
companhia portuguesa, mas para a AZUL, benemérita de Nossa Senhora de Fátima, é
rentável. As outras rotas para o Brasil e outras cidades da diáspora serão
igualmente a curto prazo desviadas para a AZUL e será “ouro sobre azul” para o
brasileiro americano Nielman. A TAP, como se previa, vai transformar-se com o
tempo num apêndice tipo Portugália, uma vez mais com as juras de Passos Coelho que
era inevitável e única solução, mas que iria continuar a ser companhia de
bandeira portuguesa.
A PT, empresa nacional de dimensão multinacional, criadora
de produtos inovadores, emprego de qualidade, foi desmantelada por interesses
mesquinhos de falsos patriotas, vendendo a jóia brasileira das telecomunicações
aos espanhóis e em Portugal tinha de ser vendida a qualquer preço, o que
aconteceu ser vendida à francesa de infraestruturas de rede de cabo, Altice,
que a transformou numa empresa local que explora os subempreiteiros e vem
transformando bons empregos em empregos de subsistência.
A banca, sempre tida como imprescindível para a economia,
porque permitia que o dinheiro chegasse às empresas para que estas pudessem
crescer, é governada por gente desqualificada para o métier, não passando de bancários, ou
boys de ocasião e plantão, que destruíram os bancos que geriam, tendo de ser intervencionados
com dinheiro público que justificou a opção pela única solução de serem
vendidos a preço de saldo a estrangeiros, que os transformam em abastecedores
de caixas multibanco para estrangeiros turistas sacarem umas massas para gastar
nas tascas de Lisboa e do Porto, para gáudio dos arautos do crescimento da
economia com as políticas de ajustamento. Em vez de banqueiros, os bancários
que gerem os bancos, receosos de calotes, e igualmente sem visão, não emprestam
dinheiro às empresas com medo dos balanços de incobráveis, e as empresas,
descapitalizadas, também não podem crescer, criando-se um círculo vicioso e
destrutivo, sem criação de empregos como se queria.
As virtualidades prometidas pela Troika e os seus seguidores
internos e externos, estão a léguas de serem verdade, porque não há estratégia
nacional nem um road map para o crescimento, rompendo com as políticas
europeias de estrangulamento abençoadas pela Alemanha sob o olhar diáfano de
uma Comissão Europeia míope e subserviente aos interesses do diretório dos
fortes, com os resultados conhecidos.
Portugal caminha a passos largos para o desastre social por
falta de estratégia, de valores, de qualidade e de missão, dos políticos que
nos vão governando sem visão. Por isso, pede-se um clamor por novas abordagens,
que não têm de ser sectárias e destrutivas do que existe, mas de
redireccionamento e redefinição dos objetivos do Estado. A gestão seja do que
for, ou é boa ou má, não tem nada a ver em ser pública ou privada.
Há setores da economia que são estratégicos e o País não
pode ou poderia abdicar deles.
A maior declaração de incompetência política e de gestão é a
que sucessivos governos passam a si próprios ao decidirem entregar empresas
públicas, muitas delas monopólios naturais, portanto sem concorrência, a
privados, com a justificativa de que é a única solução.
Precisamos de romper com o barato que sai caro, que é termos
políticos sem qualidades suficientes para nos governar, porque hipocritamente
achamos que podemos ter bons gestores com os baixos salários praticados, sempre
com a míope visão de que os políticos ganham muito.