10/01/2016

Marisa Matias: uma leoa à solta no Clube dos Pensadores





O Clube dos Pensadores ( CdP), na senda do que vem realizando sob a batuta de Joaquim Jorge, convidou Marisa Matias, candidata do Bloco de Esquerda às Presidenciais para o 103.º debate do Clube.
Marisa Matias é Socióloga, doutorada e ex-professora que se bate como uma leoa pelas suas ideias, levando alto os ideais que trouxe da juventude e do seu Partido, o Bloco de Esquerda. Joaquim Jorge moderou o debate e foi o condutor do mesmo, tendo iniciado com a apresentação da candidata à Presidência da República, a quem chamou uma self made woman, refutada pela candidata, que disse ser muito comum pessoas de meios mais desfavorecidos conseguirem o que ela conseguiu, porque a democracia trouxe a escola pública, o serviço nacional de saúde, serviços públicos que permitem isso, criticando ao mesmo  tempo as políticas destrutivas do serviço público encetadas pelo governo de Passos Coelho, com as consequências que se conhecem em diversos domínios. Um governo, desde logo, sem sensibilidade para as questões sociais.
Por tudo isso, Marisa Matias defende a Escola Pública de qualidade, Serviços Públicos perto dos cidadãos, Serviço Nacional de Saúde para todos e Justiça acessível e próxima do cidadão e não como hoje, que é cara, lenta e distante.
Pela primeira vez um convidado prescindiu de fazer uma intervenção inicial seguido das tradicionais perguntas, colocando maior responsabilidade sobre o Moderador. Marisa disse apenas que se candidatou porque recusa que as presidências sejam lançar a carpete vermelha como passadeira para um candidato da situação, mas sim um espaço por excelência para debater o país e o papel do PR, a sua magistratura de influência que é muito maior do que por vezes se faz crer. A necessidade de demonstrar que é preciso cumprir a Constituição Portuguesa. Marisa Matias preferiu passar a responder às questões que lhe quisessem fazer, permitindo um número alargado de participações.
Joaquim Jorge começou por dizer que a campanha estava a ser mal conduzida porque os candidatos estão a ser instados a responder a questões manifestamente de responsabilidade do executivo e não do PR. Assim, iniciava o debate com questões da alçada do Presidente da República.
Referiu JJ que nas Presidenciais o voto em branco não conta para nada, nem para a estatística, e por isso, exortou as pessoas a votarem, seja em quem for e questionou Marisa sobre o voto obrigatório. A candidata  é favorável à liberdade de votar, tão pouco concorda em alterações à Constituição. Quanto ao facto do PR ter de solicitar autorização à AR para sair do país, considerado pelo Moderador como obsoleto para quem tem poder de dissolver a própria Assembleia da República, a candidata disse não se incomodar com esse pormenor. O que a incomoda é o desrespeito que o atual PR tem tido à Constituição, não a cumprindo na totalidade. Também comentou o facto do Conselho de Estado ser constituído praticamente por homens, criticando os Partidos terem indicado recentemente apenas homens, em claro desrespeito pela igualdade de género. Joaquim Jorge lembrou que o próprio BE também indicou um homem. Marisa disse que não excluía da sua apreciação nenhum partido. E se for Presidente, tendo direito a nomear 5 membros, o faria a 5 mulheres, exibindo o seu caráter feminista. Lamentou também o Conselho de Estado não ser mais ouvido.
Outro instrumento que não tem sido usado é o do referendo. Joaquim Jorge questionou Marisa Matias a respeito de temas da maior importância, como a Europa, a Regionalização, entre outros, para os quais nunca foi ouvido. Disse inclusive que era anti-regionalização, mas vivendo na área do Porto, começa a sentir que o excessivo centralismo de Lisboa o está a fazer mudar de ideias. Perguntou se Marisa, como Presidente, suscitaria referendos?
A candidata disse que o PR não pode constitucionalmente propor referendos, mas a sua magistratura de influência permite propor a realização de referendos sobre temas de maior e relevante importância para que o povo se pronuncie, porque as pessoas estão cada vez mais afastadas das decisões que condicionam as suas vidas. Deu exemplos de gritante importância como o Tratado Orçamental (que é contra), da Constituição Europeia que depois foi substituída pelo Tratado de Lisboa, que deveriam ter sido referendados em Portugal e não o foram.
Marisa criticou a Comissão Europeia que contribui para esse afastamento por desrespeito dos povos e exemplificou os referendos ao Tratado de Lisboa, obrigatórios em alguns países pela legislação nacional, cujo resultado foi não, foram repetidos até dar o resultado que a burocracia da União pretendia. Este comportamento vai cavando um fosso entre os cidadãos e as instituições.
Joaquim Jorge aludiu a Marcelo Rebelo de Sousa e a posições deste e à postura de Marisa no frente a frente. Sobre a crítica de Marcelo aos gastos das campanhas, dizendo que a dele é a mais modesta, Marisa disse que a democracia tem custos e é importante chegar às pessoas e isso tem custos, que são escrutinadas e transparentes. As contas das campanhas são auditadas e não aceita as críticas. Até porque a imprensa “leva” quem quer e Marcelo esteve a fazer campanha durante anos, mas a propósito, não se recorda do Prof. Marcelo, membro da comissão de Honra da candidatura de Cavaco, que gastou mais de 3 milhões de € em 2011, em plena crise, mais que os gastos previstos de todas as atuais candidaturas, de se ter insurgido com o excessivo valor gasto nessa ocasião.
Outro tema que Joaquim Jorge levou a debate foi a proposta anunciada pela Fenprof de aposentadoria ao fim de 40 anos de trabalho para os professores. Marisa é favorável que qualquer profissão, e não apenas a da docência, seja contemplada com a aposentadoria após 40 anos de descontos. E lembrou que a Constituição tem um conjunto de artigos sobre o trabalho, o direito á dignidade como pessoa, entre outros, logo, motivo para que o PR esteja atento ao seu cumprimento.
Sendo a língua portuguesa uma das mais importantes, JJ perguntou se Marisa continuaria a defender a Língua Portuguesa. Marisa esclareceu que não ia continuar, porque o que faria era defendê-la, já que no último Governo houve um desrespeito total pela língua portuguesa em que Passos Coelho/Portas cortaram serviços consulares pelo mundo fora, cortaram o financiamento do ensino do português no estrangeiro, num ataque jamais verificado, diante da passividade de Cavaco. Com efeito, o que aconteceu nos últimos 4 anos foi lamentável, com a desculpa da crise e com a maior complacência de Cavaco Silva, porventura um dos piores PR que Portugal conheceu e que não deixará um pingo de saudades, nada se fez pela língua Portuguesa na diáspora.
Por outro lado, Marisa disse não entender como é que numa era de avanços tecnológicos se mantenham métodos anquilosados para o exercício do voto de emigrantes, obrigando-os, se pretenderem exercer o seu direito, a viagens que em alguns casos é de mais de 700 km, que é inaceitável, sem preocupações do PR.
Um membro do CdP presente, Filipe Melo de Felgueiras, relevou o papel de cidadania do Clube dos Pensadores nestes quase 10 anos e do seu mentor e animador, Joaquim Jorge, que tem feito um trabalho de cidadania exemplar, levando a discutir-se com reputados convidados de todos os quadrantes políticos, sociais, académicos e empresariais, temas da maior relevância nos domínios políticos, económicos, ambientais, de educação, desporto e saúde. Endereçou os parabéns a Joaquim Jorge por este trabalho e desejou felicidades e continuação dum trabalho de mérito como tem sido feito.
Entretanto Marisa foi confrontada com a questão da Grécia, cujo governo o BE apoia, que realizou um referendo contra a austeridade e o Governo não respeitou, pois negociou um pacote de austeridade com a UE. O que faria Marisa, Presidente da República, a um governo que não respeita o resultado dum referendo?
Marisa refutou a seriedade da negociação proposta pelo Sirisa, pois não encontrou a dita solidariedade da UE, mas foi confrontado com pura chantagem, como todos se recordarão, para além de pura desigualdade de tratamento e exemplificou com o desejo de Cammeron fazer um referendo no Reino Unido e que Junker veio logo dizer que a Comissão respeitará a vontade do povo britânico. Marisa concorda, mas diz que deve ser igual para todos os povos. Então porque é que a UE respeita a decisão do povo inglês e não a do Grego ou do Português? Este caso, segundo Marisa, é ilustrador porque por vezes é fundamental e justificativo desrespeitar emanações da UE injustas e injustificadas. Uma espécie de direito á indignação, recusando o papel do “bom-aluno” tão caro dos governos subservientes do PSD, designadamente de Cabaco Silva.
Marisa deu mais um exemplo do tratamento desigual da Comissão, que foi o caso BANIF (detido em mais de 60% pela CGD, onde deveria ter sido integrado), impondo uma solução imediata antes do fim de ano, alegando que o défice de 3 mil milhões necessárias não contaria para o défice (mas se fosse para aplicar no Serviço Nacional de Saúde, para salvar vidas, já contaria…. uma contradição). Mas pior e mais injusto, é que este montante será pago pelos portugueses e não pelos responsáveis, nem sequer Portugal pode beneficiar do fundo de resolução comum que entrou em vigor a 1 de janeiro, com uma dotação de 55 MM de euros e evitaria uma vez mais socializar-se os prejuízos. Daí a pressa na resolução, em que a UE através do BCE, impôs uma solução salomónica e indicou a quem entregar um banco limpo, por 150 milhões (ao Santander) que ainda beneficia de um crédito fiscal de mais de 260 milhões de euros. Onde está a justiça e igualdade de tratamento (a dita solidariedade?).
Marisa criticou ainda a postura subserviente de deputados portugueses ao quedarem-se mudos quando um representante da Finlândia propôs bandeira de Portugal a meia haste no Parlamento, como sinal de menorização, sendo contrariado unicamente por ela, Marisa Matias. Quanto à diminuição do défice, deu um exemplo de perda de receita com 19 empresas do PSI 20 a atuar em Portugal (que apregoam patriotismo) deslocalizarem-se para efeitos fiscais para a Holanda, impondo aos residentes, sem opção de escolha, pagar mais impostos para cobrir os défices. Perguntou onde estava a justiça?
Marisa não aceita o tratado orçamental porque é injusto e pergunta porque é que a Comissão Europeia é forte com fracos e fraca com fortes ao não ter igual tratamento sobre os excedentes comerciais, tal como tem sobre os défices, uma vez que os excedentes comerciais não são mais que o espelho dos défices, dada a interdependência das economias na UE?
Mário Russo
Joaquim Jorge ainda perguntou se era verdade e como é que a Alemanha ganhou com a dívida portuguesa. Marisa confirmou, porque a exposição da banca alemã à dívida portuguesa era grande e ao ser substituída por financiamento do BCE libertou e limpou a banca alemã e francesa.
De facto, a corroborar esta afirmação de Marisa Matias, não só com a dívida portuguesa, mas de outros países, como um estudo divulgado pelo Instituto de Investigação Económica Leibniz, que refere que a Alemanha "beneficiou claramente com a crise Grega", em mais de 100 mil milhões de euros. Por outro lado, não se compreende como é que a banca vai buscar recursos financeiros ao BCE a taxas de 1% para depois especular com dívida soberana nos países intervencionadas cobrando taxas de mais de 5%, mesmo com garantias do próprio BCE e da UE. Isto é revelador como é beneficiado o sistema financeiro privado em detrimento dos povos. Marisa matias diz que há leis que justificam serem alteradas e este caso é paradigmático.
Um debate que Joaquim Jorge temeu por ser num sábado, chuvoso, fora do que é habitual, mas que disse ter gostado muito. Eu também concordo. Foi um debate fácil, concorrido e esclarecedor em muitos aspetos. Parabéns JJ pela cidadania praticada e já longínqua.