O Clube dos Pensadores ( CdP), na senda do que vem realizando sob a
batuta de Joaquim Jorge, convidou Marisa Matias, candidata do Bloco de Esquerda
às Presidenciais para o 103.º debate do Clube.
Marisa Matias é Socióloga, doutorada e ex-professora que se
bate como uma leoa pelas suas ideias, levando alto os ideais que trouxe da
juventude e do seu Partido, o Bloco de Esquerda. Joaquim Jorge moderou o debate
e foi o condutor do mesmo, tendo iniciado com a apresentação da candidata à
Presidência da República, a quem chamou uma self made woman, refutada pela
candidata, que disse ser muito comum pessoas de meios mais desfavorecidos
conseguirem o que ela conseguiu, porque a democracia trouxe a escola pública, o
serviço nacional de saúde, serviços públicos que permitem isso, criticando ao
mesmo tempo as políticas destrutivas do serviço
público encetadas pelo governo de Passos Coelho, com as consequências que se
conhecem em diversos domínios. Um governo, desde logo, sem sensibilidade para
as questões sociais.
Por tudo isso, Marisa Matias defende a Escola Pública de
qualidade, Serviços Públicos perto dos cidadãos, Serviço Nacional de Saúde para
todos e Justiça acessível e próxima do cidadão e não como hoje, que é cara,
lenta e distante.
Pela primeira vez um convidado prescindiu de fazer uma
intervenção inicial seguido das tradicionais perguntas, colocando maior
responsabilidade sobre o Moderador. Marisa disse apenas que se candidatou
porque recusa que as presidências sejam lançar a carpete vermelha como
passadeira para um candidato da situação, mas sim um espaço por excelência para
debater o país e o papel do PR, a sua magistratura de influência que é muito
maior do que por vezes se faz crer. A necessidade de demonstrar que é preciso
cumprir a Constituição Portuguesa. Marisa Matias preferiu passar a responder às
questões que lhe quisessem fazer, permitindo um número alargado de
participações.
Joaquim Jorge começou por dizer que a campanha estava a ser
mal conduzida porque os candidatos estão a ser instados a responder a questões
manifestamente de responsabilidade do executivo e não do PR. Assim, iniciava o
debate com questões da alçada do Presidente da República.
Referiu JJ que nas Presidenciais o voto em branco não conta
para nada, nem para a estatística, e por isso, exortou as pessoas a votarem,
seja em quem for e questionou Marisa sobre o voto obrigatório. A candidata é favorável à liberdade de votar, tão pouco concorda em alterações à Constituição.
Quanto ao facto do PR ter de solicitar autorização à AR para sair do país,
considerado pelo Moderador como obsoleto para quem tem poder de dissolver a
própria Assembleia da República, a candidata disse não se incomodar com esse
pormenor. O que a incomoda é o desrespeito que o atual PR tem tido à
Constituição, não a cumprindo na totalidade. Também comentou o facto do
Conselho de Estado ser constituído praticamente por homens, criticando os
Partidos terem indicado recentemente apenas homens, em claro desrespeito pela
igualdade de género. Joaquim Jorge lembrou que o próprio BE também indicou um
homem. Marisa disse que não excluía da sua apreciação nenhum partido. E se for
Presidente, tendo direito a nomear 5 membros, o faria a 5 mulheres, exibindo o
seu caráter feminista. Lamentou também o Conselho de Estado não ser mais
ouvido.
Outro instrumento que não tem sido usado é o do referendo.
Joaquim Jorge questionou Marisa Matias a respeito de temas da maior
importância, como a Europa, a Regionalização, entre outros, para os quais nunca
foi ouvido. Disse inclusive que era anti-regionalização, mas vivendo na área do
Porto, começa a sentir que o excessivo centralismo de Lisboa o está a fazer
mudar de ideias. Perguntou se Marisa, como Presidente, suscitaria referendos?
A candidata disse que o PR não pode constitucionalmente propor
referendos, mas a sua magistratura de influência permite propor a realização de
referendos sobre temas de maior e relevante importância para que o povo se
pronuncie, porque as pessoas estão cada vez mais afastadas das decisões que
condicionam as suas vidas. Deu exemplos de gritante importância como o Tratado
Orçamental (que é contra), da Constituição Europeia que depois foi substituída
pelo Tratado de Lisboa, que deveriam ter sido referendados em Portugal e não o
foram.
Marisa criticou a Comissão Europeia que contribui para esse
afastamento por desrespeito dos povos e exemplificou os referendos ao Tratado de
Lisboa, obrigatórios em alguns países pela legislação nacional, cujo resultado
foi não, foram repetidos até dar o resultado que a burocracia da União
pretendia. Este comportamento vai cavando um fosso entre os cidadãos e as
instituições.
Joaquim Jorge aludiu a Marcelo Rebelo de Sousa e a posições
deste e à postura de Marisa no frente a frente. Sobre a crítica de Marcelo aos
gastos das campanhas, dizendo que a dele é a mais modesta, Marisa disse que a
democracia tem custos e é importante chegar às pessoas e isso tem custos, que
são escrutinadas e transparentes. As contas das campanhas são auditadas e não
aceita as críticas. Até porque a imprensa “leva” quem quer e Marcelo esteve a
fazer campanha durante anos, mas a propósito, não se recorda do Prof. Marcelo,
membro da comissão de Honra da candidatura de Cavaco, que gastou mais de 3
milhões de € em 2011, em plena crise, mais que os gastos previstos de todas as
atuais candidaturas, de se ter insurgido com o excessivo valor gasto nessa
ocasião.
Outro tema que Joaquim Jorge levou a debate foi a proposta
anunciada pela Fenprof de aposentadoria ao fim de 40 anos de trabalho para os
professores. Marisa é favorável que qualquer profissão, e não apenas a da
docência, seja contemplada com a aposentadoria após 40 anos de descontos. E
lembrou que a Constituição tem um conjunto de artigos sobre o trabalho, o
direito á dignidade como pessoa, entre outros, logo, motivo para que o PR
esteja atento ao seu cumprimento.
Sendo a língua portuguesa uma das mais importantes, JJ perguntou
se Marisa continuaria a defender a Língua Portuguesa. Marisa esclareceu que não
ia continuar, porque o que faria era defendê-la, já que no último Governo houve
um desrespeito total pela língua portuguesa em que Passos Coelho/Portas
cortaram serviços consulares pelo mundo fora, cortaram o financiamento do
ensino do português no estrangeiro, num ataque jamais verificado, diante da
passividade de Cavaco. Com efeito, o que aconteceu nos últimos 4 anos foi
lamentável, com a desculpa da crise e com a maior complacência de Cavaco Silva,
porventura um dos piores PR que Portugal conheceu e que não deixará um pingo de
saudades, nada se fez pela língua Portuguesa na diáspora.
Por outro lado, Marisa disse não entender como é que numa
era de avanços tecnológicos se mantenham métodos anquilosados para o exercício
do voto de emigrantes, obrigando-os, se pretenderem exercer o seu direito, a
viagens que em alguns casos é de mais de 700 km, que é inaceitável, sem
preocupações do PR.
Um membro do CdP presente, Filipe Melo de Felgueiras, relevou o
papel de cidadania do Clube dos Pensadores nestes quase 10 anos e do seu mentor
e animador, Joaquim Jorge, que tem feito um trabalho de cidadania exemplar,
levando a discutir-se com reputados convidados de todos os quadrantes políticos,
sociais, académicos e empresariais, temas da maior relevância nos domínios políticos,
económicos, ambientais, de educação, desporto e saúde. Endereçou os parabéns a
Joaquim Jorge por este trabalho e desejou felicidades e continuação dum
trabalho de mérito como tem sido feito.
Entretanto Marisa foi confrontada com a questão da Grécia,
cujo governo o BE apoia, que realizou um referendo contra a austeridade e o
Governo não respeitou, pois negociou um pacote de austeridade com a UE. O que
faria Marisa, Presidente da República, a um governo que não respeita o
resultado dum referendo?
Marisa refutou a seriedade da negociação proposta pelo
Sirisa, pois não encontrou a dita solidariedade da UE, mas foi confrontado com
pura chantagem, como todos se recordarão, para além de pura desigualdade de
tratamento e exemplificou com o desejo de Cammeron fazer um referendo no Reino
Unido e que Junker veio logo dizer que a Comissão respeitará a vontade do povo
britânico. Marisa concorda, mas diz que deve ser igual para todos os povos.
Então porque é que a UE respeita a decisão do povo inglês e não a do Grego ou
do Português? Este caso, segundo Marisa, é ilustrador porque por vezes é
fundamental e justificativo desrespeitar emanações da UE injustas e
injustificadas. Uma espécie de direito á indignação, recusando o papel do
“bom-aluno” tão caro dos governos subservientes do PSD, designadamente de
Cabaco Silva.
Marisa deu mais um exemplo do tratamento desigual da
Comissão, que foi o caso BANIF (detido em mais de 60% pela CGD, onde deveria
ter sido integrado), impondo uma solução imediata antes do fim de ano, alegando
que o défice de 3 mil milhões necessárias não contaria para o défice (mas se
fosse para aplicar no Serviço Nacional de Saúde, para salvar vidas, já
contaria…. uma contradição). Mas pior e mais injusto, é que este montante será
pago pelos portugueses e não pelos responsáveis, nem sequer Portugal pode
beneficiar do fundo de resolução comum que entrou em vigor a 1 de janeiro, com
uma dotação de 55 MM de euros e evitaria uma vez mais socializar-se os
prejuízos. Daí a pressa na resolução, em que a UE através do BCE, impôs uma
solução salomónica e indicou a quem entregar um banco limpo, por 150 milhões
(ao Santander) que ainda beneficia de um crédito fiscal de mais de 260 milhões
de euros. Onde está a justiça e igualdade de tratamento (a dita
solidariedade?).
Marisa criticou ainda a postura subserviente de deputados
portugueses ao quedarem-se mudos quando um representante da Finlândia propôs
bandeira de Portugal a meia haste no Parlamento, como sinal de menorização,
sendo contrariado unicamente por ela, Marisa Matias. Quanto à diminuição do
défice, deu um exemplo de perda de receita com 19 empresas do PSI 20 a atuar em
Portugal (que apregoam patriotismo) deslocalizarem-se para efeitos fiscais para
a Holanda, impondo aos residentes, sem opção de escolha, pagar mais impostos para
cobrir os défices. Perguntou onde estava a justiça?
Marisa não aceita o tratado orçamental porque é injusto e
pergunta porque é que a Comissão Europeia é forte com fracos e fraca com fortes
ao não ter igual tratamento sobre os excedentes comerciais, tal como tem sobre
os défices, uma vez que os excedentes comerciais não são mais que o espelho dos
défices, dada a interdependência das economias na UE?
Mário Russo |
De facto, a corroborar esta afirmação de Marisa Matias, não
só com a dívida portuguesa, mas de outros países, como um estudo divulgado pelo
Instituto de Investigação Económica Leibniz, que refere que a Alemanha
"beneficiou claramente com a crise Grega", em mais de 100 mil milhões
de euros. Por outro lado, não se compreende como é que a banca vai buscar
recursos financeiros ao BCE a taxas de 1% para depois especular com dívida
soberana nos países intervencionadas cobrando taxas de mais de 5%, mesmo com
garantias do próprio BCE e da UE. Isto é revelador como é beneficiado o sistema
financeiro privado em detrimento dos povos. Marisa matias diz que há leis que justificam
serem alteradas e este caso é paradigmático.
Um debate que Joaquim Jorge temeu por ser num sábado,
chuvoso, fora do que é habitual, mas que disse ter gostado muito. Eu também
concordo. Foi um debate fácil, concorrido e esclarecedor em muitos aspetos.
Parabéns JJ pela cidadania praticada e já longínqua.