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Bus trepida nos paralelos, a vontade difusa ganha proporções de desconforto.
Instintos primários assolam-nos o corpo, afogando toda a Humanidade no nosso espírito. Ainda faltam
3 paragens para casa. É impossível aguentar mais. Temos de sair já na próxima,
procurar um café, um beco esconso, um arvoredo, tanto faz. É urgente.
Entramos no "Café Avenida" como
um tigre obstinado, pedimos um café e o caminho para a felicidade.
Abrimos a porta do WC: sanita
imunda, espaço insalubre, papel higiénico pastoso colado em tudo quanto é sítio,
espelho amarelado, pastilhas elásticas na parede, “faço broches 91 xxx xxx”,
caixote do lixo com restos de tudo, pegadas de lama e merda e mijo. Perfeito. O
pénis é retirado das calças, o sangue flui frenético. Um impasse. Silêncio.
SPLASH! lá vai ela, meia amarelada, quente e acolhedora, salpicos por todo o
lado – que se foda, não é nossa –, todo o nosso corpo torna-se mijo, num
processo alquímico misterioso. Desvanecemos. O detector de presenças confirma a
metamorfose, a luz apaga-se, a paz é imensa, o que resta da nossa Humanidade
debate-se, é preciso voltar… mas é tão bom, aqui, neste lugar… eterno… é preciso
voltar… os braços largam o pénis e abanam no ar, numa luta pelo regresso à
realidade. A luz acende-se. Um arrepio percorre o corpo, da cabeça aos pés.
Estamos de volta. Uma última pinga desenha-nos um sorriso no rosto. Um suspiro
enquanto lavamos as mãos. Olhamos o reflexo da nossa satisfação no espelho
enquanto sacudimos as mãos. Voltamos ao balcão e o café aguarda-nos com um pires
tapando o inevitável. O café está frio. Não importa. A alma já está quente.
10/10
ASS
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enviado por Isabel Coutinho