Miguel Mota |
Governos das últimas
décadas, principalmente os do PS, apregoaram como, nos últimos tempos, aumentou
muito o número de doutorados em Portugal. A afirmação está correcta mas exige
algum esclarecimento para que quem está longe destes assuntos não fique com a
ideia de que Portugal não tinha, no antigamente, gente qualificada ao nível de
doutoramento.
Durante muitos
anos, o doutoramento não estava no percurso normal de algumas carreiras. Nos
grandes laboratórios de investigação, iniciados em 1936, com a criação da
Estação Agronómica Nacional (EAN), a progressão na carreira (paralela da
carreira docente universitária) era feita por concursos.
(Não estou a defender
ou a atacar os sistemas então vigentes. Estou apenas a constatar factos. Aliás,
concordo com o sistema actual). Por estas razões, existiam, nessas
instituições, pessoas de muito alto nível científico, bem para além do nível do
doutoramento.
Mesmo nas
universidades, as admissões e progressão na carreira eram frequentemente feitas
por convite ou por concursos, documentais ou de provas públicas. Muitos
professores catedráticos e até reitores nunca tinham feito o doutoramento,
embora tivessem nível muito superior ao de um recém-doutorado. O Eng.º Manuel
Rocha, fundador e primeiro Director do Laboratório Nacional de Engenharia
Civil (LNEC), nunca fez o doutoramento. Recebeu mais tarde, merecidamente, o
grau de Doutor Honoris Causa. Faleceu
recentemente um professor catedrático do Instituto Superior Técnico, o Eng.º J.
Delgado Domingos, que nunca fez o doutoramento, o que não o impediu de ser uma
figura importante na ciência.
Em Espanha, o
curso de engenheiro agrónomo era semelhante ao que havia em Portugal e exigia,
após os cinco anos de cadeiras, uma tese de investigação original que levava,
em média, três anos a completar. Quando a Espanha mudou esse sistema para um
como o proposto pela Declaração de Bolonha, entregou o diploma de Doutor em
Agronomia a todos os engenheiros agrónomos que tinham completado o curso com média
igual ou superior a 14 valores. (As notas, em Agronomia, tal como em Portugal,
eram muito apertadas). Um professor catedrático de Agronomia de Espanha, Mateo
Box, que esteve em Portugal como arguente num concurso, disse-me que ele tinha
sido um desses casos.
Quando foram
criados, em Portugal, os mestrados (que eu sempre considerei um erro), o
ministério convidou, através do Instituto Britânico, alguns professores da
Universidade de Reading para virem “ensinar” a fazer esse grau. Vieram ver, não
só as escolas de ensino superior, mas também as instituições de investigação
científica onde se poderiam fazer teses de mestrado. Os de engenharia civil,
além do Técnico, foram ver o LNEC. Dois de agronomia foram à EAN. O Prof.
Watkin Williams foi ao Departamento de Genética, então da minha
responsabilidade. O outro, cujo nome não recordo, foi ao Departamento de
Pedologia.
Durante a conversa, o Prof. Williams perguntou-me como era a tese
que lhe tinham dito ser exigida até há pouco tempo para se ser engenheiro
agrónomo. Disse-lhe que um pequeno número de teses, normalmente com uma
classificação modesta, seriam aceites em Inglaterra como teses de mestrado. A
grande maioria seria certamente aceite como teses de doutoramento.
Convidei esses
dois professores para jantar e, em minha casa, durante a conversa, o Prof. Williams,
que sabe espanhol, disse: "Estive na biblioteca da Estação Agronómica a
ver teses e tudo o que vi eram boas teses de PhD” (doutoramento). Ouvi mais
alguns comentários de estrangeiros no mesmo sentido.
Repito: Apenas
pretendi que, ao referir-se o grande aumento do número de doutoramentos – que,
aliás, também se verificou noutros países – não fique a ideia errada de que o
nível de conhecimentos em Portugal seria muito mais baixo do que na realidade
era.