Mário Russo |
O setor dos resíduos sólidos em Portugal está atribuído aos
municípios na componente de baixa e a empresas públicas a componente de alta
(tratamento e valorização). No caso da alta, são 12 as empresas
multimunicipais, em que o Estado tem uma fatia de 51% do capital social e os
municípios da área de influência detêm os restantes 49%, e 11 são empresas
intermunicipais, detidas apenas por municípios.
Para que Portugal chegasse a esta situação foi preciso
empreender uma revolução que se iniciou em 1997 com a publicação do Plano
Estratégico dos RSU (PERSU), na época do Governo Guterres, a abertura do setor
aos privados e, sobretudo implementando um conjunto de infraestruturas modernas
para tratamento e reforço da recolha seletiva com vista á reciclagem. Foram
gastos mais de 1,8 mil milhões de euros até agora, maioritariamente fundos de
coesão da UE (cerca de mil milhões).
Em contrapartida, os estados membros da União Europeia são
obrigados a cumprir um conjunto de metas quantitativas e qualitativas
na gestão de resíduos, como seja a reciclagem de embalagens e o desvio de
resíduos biodegradáveis dos aterros. Atualmente cerca de 58% dos RSU vão para
aterro, 20% incinerados com produção de energia elétrica, 8% são compostados e
cerca de 14% recolhidos seletivamente para reciclagem.
O Governo está representado neste setor através do Grupo
Águas de Portugal que detém 100% do capital da Empresa Geral do Fomento (EGF),
que por sua vez é o sócio maioritário das 12 empresas multimunicipais. O
Governo pretende privatizar a EGF e pensa fazê-lo em bloco, ou seja, alienar a
totalidade do capital num único bloco. Esta opção, dizem os seus defensores, é
mais atrativa aos capitais externos e torna por isso a operação de maior
encaixe financeiro.
O setor movimenta anualmente cerca de 288 milhões de euros,
dos quais cerca de 125 milhões cabem às empresas em que a EGF tem participação.
Os resultados brutos são de cerca de 100 milhões. Nesta opção o Governo está a
alienar a sua parte, mas não está a levar em conta os interesses dos
municípios, que podem vir-se a braços com um sócio privado maioritário
estrangeiro, que vai impor aos clientes, os municípios (ao mesmo tempo sócios),
uma tarifa maior ou uma diminuição da qualidade do serviço em relação ao que
hoje é prática.
Também ao alienar em bloco, o Governo está a excluir do
concurso as empresas portuguesas devido à falta de meios financeiros e de
crédito para o efeito. Pode, por isso, ter maior encaixe inicial (visão
contabilista), mas estará a hipotecar o futuro à incerteza dos serviços e a
liquidar o setor nacional. Se optasse por alienar por empresa ou setores de
empresas, haveria empresas nacionais com capacidade de ficar com o negócio com
potencial de crescimento e a criar massa crítica. Estas empresas poderiam
gradualmente avançar para a internacionalização em países com fortes carências,
como é o caso dos países PALOP e outros países africanos e da América do Sul,
face à experiência relevante que teriam.
Estamos a falar de empresas que prestam genericamente um bom
serviço e que são rentáveis. Mais uma vez parece imperar a lógica imediatista
sem deixar margem a pensar no futuro.