04/02/2014

Escravatura moderna em Portugal


Pedro Almeida
Tenho amigos em Portugal, de diferentes tempos na minha vida. Uns são do tempo da Escola de Artes Decorativas. Outros são da área da Restauração.
Os primeiros, com quem tenho mantido contacto, têm sido bem sucedidos no geral, mas estão também a sentir na pele a austeridade e o roubo do governo, através de impostos e sobre-impostos, mais a falta de políticas de revitalização da economia.
Os segundos, que eu conheci durante a minha vida na Restauração, esses sim, estão a sofrer fortemente. Em grande parte devido ao aumento do IVA. Mas também devido ao aumento das despesas fixas, como eletricidade, água, gás e todos os outros impostos. A juntar a isso, a perda de poder de compra das pessoas e o enorme desemprego, que retira capital da circulação.
 Há, no entanto, pessoas com capacidade de investimento, mas que continuam a apoiar-se na mão-de-obra, para recuperar o investimento mais depressa.
De duas formas.

Primeiro, com o recurso à mão-de-obra barata, empregam o dobro das pessoas necessárias, em que quase se estorvam no local de trabalho, em lugar de entregarem eficiência, profissionalismo e aumentarem a produtividade.
Há quem pense que lidar com pessoal inteligente dá trabalho!Em segundo lugar, quando abrem um Restaurante com o investimento necessário, os donos deixam os funcionários recebendo aos soluços, pelo mês fora, desde o primeiro fim do mês. E os donos, começam eles a retirar e a repartir os lucros (ainda não existentes), em lugar de esperarem pelo break even point (ponto do negocio que se atinge, normalmente, uns meses bons depois de abrir, em que não se tem lucro, ainda, mas já não há prejuízo).

Apesar de este ser um restaurante de qualidade e com sucesso em termos de adesão, aberto apenas em Novembro de 2013, na zona histórica do Porto, os funcionários são obrigados a trabalhar 15/16 horas por dia, numa equipa de cozinha de 2 pessoas, a servir 60/70 pessoas numa noite de fim de semana, chegando, ao fim da semana, com 80h de trabalho cada.
O salário de 900€, mesmo que fosse pago a tempo, é na verdade menor que o salário mínimo, uma vez que eles fazem o dobro das horas normais, pelo salário referido.
A acrescentar às condições injustas de trabalho, há a falta de liberdade que o meu amigo tem, na sua vida pessoal e lúdica, tal como todas as pessoas, nestas circunstâncias desumanas.

O meu amigo, é dos melhores profissionais que eu conheço - em termos de sabedoria, dedicação e esforço. No entanto, este empregador (filhos de homens de negócios bem sucedidos), explora-o até ao tutano, em lugar de aproveitar as suas qualidades principais.
Este é o tipo de falsa economia, em que o gestor português é tão bom!
Todo o homem de negócios honesto e capaz deveria saber que tem de pagar tudo o que deve, antes de pensar em retirar dividendos. Se tiver um salário, porque lá trabalha, tem que o receber ao mesmo tempo que os funcionários ou, mesmo depois.
Todo o negócio tem que contar com o pagamento de salários, nos primeiros tempos, para incluir uma soma no investimento inicial, para os cobrir.

O que eu tenho a aconselhar a este meu amigo, e a todos os profissionais na mesma situação que ele, é que procurem melhores condições (em Portugal ou, então, no estrangeiro), recebam o que vos for devido (se conseguirem, claro) e abandonem o Restaurante a meio do serviço, numa noite em que esteja cheio de clientes.
E mandem os patrões trabalhar. E que arranjem substituto no dia seguinte, se conseguirem.